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É um valor que mal dá para cobrir os gastos, mas que a costureira Diana, 33, aceitou porque está sem outras encomendas desde março e a família já devia três meses de aluguel.
Se calculasse na ponta do lápis os custos com linha e energia e a força de trabalho investida, não valeria a pena aceitar aquele pedido. Mas a equação, para ela, é mais simples: "Se não trabalhamos, não comemos".
Boliviana e há sete anos em São Paulo, Diana está confeccionando um produto precioso nesta pandemia de coronavírus: máscaras descartáveis. Também faz aventais para profissionais de saúde.
Mas enquanto o preço desses equipamentos de proteção individual (EPI) disparou nas lojas, para quem os costura o movimento foi o contrário: aproveitando a oferta de mão de obra ociosa devido à crise econômica, distribuidores foram reduzindo o valor pago aos costureiros.
"Dissemos que era baixo demais, mas ele respondeu que outros bolivianos se ofereceram para costurar uma quantidade maior a preço menor. E que só tinha isso. Porque tem muita concorrência", afirma Diana.Esse atravessador recebeu um pedido de 2 milhões de máscaras e saiu distribuindo a demanda para vários imigrantes que vivem em Carapicuíba, na grande São Paulo.
Antes concentrados no bairro do Bom Retiro, esses costureiros foram se espalhando nos últimos anos, por não conseguirem pagar o aluguel da região central. As oficinas maiores deram lugar a microempreendimentos familiares, muitos deles informais, nos quais um casal costura em um quarto da casa.
Com a redução drástica das encomendas de roupas na pandemia, o trabalho desses imigrantes, que já era mal remunerado, precarizou-se mais. Segundo quatro costureiras entrevistadas pela reportagem, no geral o valor pago tem sido de R$ 0,10 por máscara e R$ 0,40 por avental, mas há quem ofereça ainda menos.
Organizações que promovem o trabalho digno no setor têxtil calculam que o pagamento justo para os trabalhadores deveria ser entre cinco e 30 vezes mais alto (ou seja, de R$ 0,50 e R$ 3 por máscara, dependendo do modelo).
Além do baixo preço, os prazos de entrega são curtos, e os profissionais trabalham até a madrugada para cumprir o combinado. E sem garantias: uma família boliviana levou calote depois de confeccionar 12 mil máscaras, e um grupo de trabalhadores paraguaios confeccionou 10 mil máscaras e 10 mil aventais e não recebeu pagamento.
Diana (alguns nomes foram trocados a pedido das entrevistadas) teve uma semana para transformar o tecido TNT que chega já cortado em 20 mil máscaras duplas.
Além dela, operam as máquinas de costura da casa –que consomem R$ 300 de energia elétrica ao mês– o marido, o cunhado e um casal que ela acolheu após ter sido despejado de onde vivia com os filhos. As jornadas vão das 7h às 23h.
"É um trabalho que parece fácil, mas dependendo do modelo de máscara é difícil de fazer", diz outra boliviana, Lidia Garcia, 43. "O avental, então, demora até 40 minutos. Se fizer rápido não fica bom. E não pode cair um cabelo na peça, porque vai para hospital."
Lidia aceitou pedidos por R$ 0,10 a máscara e R$ 0,40 0 avental. Mas recusou outros devido ao prazo curto. "Eles te pressionam, ficam te ligando. Tem dia que trabalhamos das 6h30 até as 4h do dia seguinte. Temos crianças em casa, não podemos trabalhar assim, sem descanso."
Os costureiros não sabem para onde vão as máscaras e os aventais que costuram –que não têm etiqueta nem logomarca. Alguns captam pistas pelo que ouvem dos intermediários: foram mencionados hospitais em Mogi das Cruzes e Praia Grande, lojas no centro de São Paulo e um frigorífico da zona leste.Segundo uma das entrevistadas, o intermediário que pagou a ela R$ 0,25 por máscara iria ganhar R$ 1,50 por cada uma. Modelos semelhantes são vendidos ao consumidor por até R$ 3.
Outra costureira disse que o atravessador ganharia R$ 3 por avental, repassando apenas R$ 0,60 a ela. Há também relatos de que pessoas selecionadas em editais da prefeitura para a confecção dos produtos terceirizarem a produção, pagando muito menos.
Uma costureira paraguaia comentou que ela e outros quatro funcionários de uma oficina de Guarulhos fizeram 10 mil máscaras e 10 mil aventais que iriam para a subprefeitura de Itaquera, em São Paulo, mas acabaram levando calote da dona do local. Hoje, ela trabalha como cozinheira. "Não compensa fazer máscaras", diz.
A reportagem enviou dois emails à subprefeitura sobre o pedido, mas não recebeu resposta até a conclusão deste texto.
No caso das pequenas oficinas com funcionários, o valor já reduzido que se paga ao dono chega ainda mais baixo para a mão de obra. A boliviana Maria, por exemplo, recebeu um pedido a R$ 0,30 por máscara e repassou R$ 0,15 a seus quatro costureiros.
Ela e o marido também costuram por longas jornadas.
Para Jobana Moya Aramayo, da Equipe de Base Warmis-Convergência das Culturas, criminalizar os donos de oficinas é "deixa de levar em conta que muitos também estão dentro desse círculo de violência econômica". "Muitos vivem nas mesmas condições ruins dos costureiros. Não conseguem se regularizar e, por necessidade, aceitam encomendas por qualquer valor."
Segundo ela, os intermediários são brasileiros ou estrangeiros que transitam bem entre as duas pontas do mercado –costureiros e empresas.
"É um nicho. Eles sabem que na outra ponta tem pessoas em condição vulnerável por não estarem regularizadas, não falarem português, não terem conta bancária. Muitas vezes te multam e é comum nem pagarem. Isso já acontecia antes, mas nesta pandemia ficou mais descarado."
Para a pesquisadora Katiuscia Galhera, algumas características desse ramo favorecem a exploração. Cerca de 60% do mercado é informal.
"A indústria da moda é caracterizada por roupas muito baratas. O contingente de mão de obra disponível é grande porque você precisa de pouca coisa e não vale a pena automatizar, do ponto de vista do negócio. A tendência é pressionar pequenos fornecedores, mais frágeis."
Ela lembra que muitos imigrantes temem fazer denúncias e que fiscalizar uma rede tão capilarizada é complexo.
Segundo o auditor fiscal do trabalho Magno Riga, do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo, é muito difícil estabelecer vínculo empregatício entre o intermediário e o costureiro autônomo.
Ele compara a situação a produtores de farinha no Nordeste, que vendem o produto para uma pessoa que o distribui para empresas maiores.
"Eles têm liberdade de vender para distribuidores diferentes, e o preço segue o mercado. O que eles não têm é poder de barganha. É uma situação de comércio injusto, e não existe regulação ou punições para casos assim", diz, acrescentando que países como Bangladesh estão vivendo o mesmo problema.
Para Riga, uma organização em cooperativa poderia ajudar, assim como a conscientização do consumidor, que "poderia exigir ao menos a identificação do produto, com o CNPJ de quem fabrica na embalagem". "Mas num cenário de escassez de máscaras, que é um produto essencial, com demanda gigante e sem oferta suficiente, é quase impossível acompanhar isso."
Unindo forças contra esse sistema, organizações se mobilizaram para direcionar encomendas de EPI para oficinas com condições dignas de trabalho. Veja o contato delas:
Aliança Empreendedorawww.tecendosonhos.com.brCami (Centro de Apoio e Pastoral do Migrante)www.cami.org.brCemir (Centro da Mulher Imigrante e Refugiada)(11) 95845-2979Deslocamento Criativo@deslocamento.criativo
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Além do baixo preço, os prazos de entrega são curtos, e os profissionais trabalham até a madrugada para cumprir o combinado. E sem garantias: uma família boliviana levou calote depois de confeccionar 12 mil máscaras, e um grupo de trabalhadores paraguaios confeccionou 10 mil máscaras e 10 mil aventais e não recebeu pagamento.
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