PANDEMIA

Sem um bom computador e uma mesa de trabalho apropriada, a advogada Luisa Brasil passou por momentos de incômodo no início da pandemia. Como muitos trabalhadores mundo afora, ela aderiu ao trabalho remoto, mas acabou percebendo que não se tratava apenas de uma simples mudança de “escritório”. “Nesse início tive muita dificuldade em entender os limites: onde começava e terminava o trabalho, as tarefas domésticas, o lazer, os momentos com o meu marido”, relembra.

Uma pesquisa realizada pela empresa Workana revelou o tamanho do problema pelos quais os funcionários estão passando. Segundo o levantamento, que entrevistou 2.810 funcionários em países das Américas e Europa – Brasil incluso –, 43,7% das pessoas disseram que o home office resultou em impactos psicológicos.

As mulheres, segundo a pesquisa, são as mais afetadas: 28% delas foram acometidas por ansiedade, enquanto entre os homens a taxa ficou em 8,33%. A cientista social Rafaella Reinhardt está representada pela estatística. Desde o início da pandemia, a mudança para trabalho remoto lhe rendeu instabilidades emocionais, que resultaram na necessidade de maior frequência no terapeuta.

 
“Tenho uma relação de amor e ódio com o home office. É muito prático, o trabalho presencial consome tempo com locomoção, mas o senso de imediatismo me impactou muito. É uma jornada eterna, você não desliga do trabalho”, reclama Rafaella.

Tantas mudanças na forma de lidar com as demandas de trabalho acabaram influenciando seu humor. “Isso tem me deixado mais ansiosa, e somatizei, passei mal, tive insônia mais do que o normal, tenho ficado mais cansada. Tem sido desafiador”, relata.

Outra reclamação constante têm sido dificuldades de concentração, especialmente no público feminino. Entre elas, 24% das entrevistadas relataram o efeito colateral, um pouco menos do que os 17,71% dos homens que responderam o mesmo. A advogada Luisa ratifica o que foi detectado na pesquisa. “Passei a demorar muito para executar tarefas simples”, afirma.

Tudo misturado

Os profissionais que buscam compreender as mudanças pelas quais passa o mundo do trabalho alertam que esse impacto na saúde mental não é fruto somente da mudança para o trabalho remoto, em um ambiente onde a separação entre o trabalho e a vida íntima não fica tão evidente.

A própria existência de uma pandemia tão grave como a que vivemos tem causado sérios danos. “A Covid veio acelerar isso”, resume Eliane Ramos, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-MG). Segundo ela, 30% dos trabalhadores estão sofrendo com esgotamento profissional no país.

Exatamente esse somatório de novidades causado pela adesão ao trabalho remoto, junto de uma pandemia letal, é que tem desafiado o novo padrão corporativo. Com o avançar dos meses da pandemia, no entanto, alguns profissionais já demonstram melhor adaptação, como explica a advogada Luisa.

“Acredito que esse impacto na concentração não foi apenas em função do trabalho remoto, mas de um contexto maior de ansiedade com a própria pandemia. Mas, após um tempo trabalhando nesse regime, consegui me organizar melhor e hoje acho que está funcionando muito bem pra mim”, afirma ela.

Empresas tentam minimizar impactos

Quem já vivencia o home office há mais tempo defende que a adaptação é apenas questão de tempo. O arquiteto Matheus Correa trabalha remotamente há quatro anos e garante que as vantagens são muitas. “Só de não gastar um tempão de deslocamento até a empresa já é uma motivação para vencer a ansiedade que o home office pode causar no início, enquanto ele se adapta”, acredita.

Se os funcionários apresentam dificuldades no trabalho remoto, isso impacta o rendimento das equipes, e por isso as empresas estão preocupadas em minimizar esses reflexos na saúde mental de seus colaboradores. Uma das alternativas tem sido criar relações mais humanizadas, conforme explica Daniel Schwebel, da Workana no Brasil. “Isso será fundamental daqui pra frente, independente de estar trabalhando de casa ou no escritório. A relação entre empresas e funcionários tem que ser humanizada, e muitos líderes já perceberam isso. Segundo o relatório da Workana, no pós-pandemia, 28,6% das empresas vão ter ações voltadas à flexibilidade de horários para que as pessoas tenham equilíbrio entre vida pessoal e profissional”.

A falta de clareza na comunicação foi apontada por 11,8% dos entrevistados e é outro ruído comum na relação de trabalho remoto. Para Eliane Ramos, líderes solidários com suas equipes são os que vão se destacar. “Vivemos a era empática, então a escuta ativa é superimportante. Um líder tem que ajudar as pessoas a serem melhores”, sugere.