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No Sul do país, a chegada do inverno escancara as desigualdades. Há quem possa se refugiar diante de uma lareira desfrutando de um chocolate quente ou vinho. Porém, há quem não escape do vento cortante dentro de um casebre com frestas ou dormindo sob lonas.
Uma imensa fila se forma sob a marquise do Palácio da Justiça, no centro da capital gaúcha para receber as doações que ajudam a suportar o inverno. A maioria das pessoas usa máscaras. Além de uma refeição, muitos recebem os pedidos específico que foram feitos na semana anterior.
"Chegou álcool em gel?", outro pergunta. "Eles me dizem: Preciso de tênis tamanho 42. Eu posto nas redes e a doação vem. Coloco uma etiqueta com o nome da pessoa para entregar na semana seguinte", relata a empresária Mariana de Araújo, 42.
Segundo a voluntária, não são apenas pessoas em situação de rua que estão ali. Por causa da crise de desemprego e agora a pandemia do novo coronavírus, há muitos desempregados. "Esses dias recebi pedido por uniforme de garçom", relata.
Debaixo do viaduto em frente à rodoviária da capital gaúcha, outro grupo de voluntários distribui cobertores e comida. "Me ajuda a chamar o pessoal?", pede Eduardo Flores, 34, a um morador de rua.
Flores lidera o projeto Valentes de Davi, que atua em vilas nas periferias de Porto Alegre e mantém alojamentos para quem queira sair das ruas. Tudo é custeado com doações de voluntários. "Rangoooo, chegou o rangoooo", grita Adriano Soares Pinto, 24, se virando para diferentes direções com as mãos em concha ao redor da boca para ampliar sua voz.
Leia Também: Contágio foi maior entre pardos e pobres na capital
O rapaz escreve e fotografa para o jornal "Boca de Rua". O jornal é feito pela população de rua, que vende os exemplares nos semáforos. Por causa da pandemia, foi lançada uma campanha de assinatura digital. Dezenas respondem ao chamado e logo uma fila se forma. "Tem gente arrogante que me olha achando que não sei fotografar, que não posso escrever. Mas consigo", conta Pinto.
À frente do "Valentes de Davi", Flores também já viveu na rua. "Passei muito tempo da minha vida neste viaduto. Até hoje, não sei responder o que é pior: o frio ou a fome", relata. Depois de crescer em um abrigo para menores, foi morar na rua. "Deixei a rua em 2013, depois de receber um abraço", relembra.
Saltitante, uma cadela vira-latas de cor caramelo se aproxima. "É minha", diz Manuela da Rosa, 33, que estava na fila da marmita. Ela recolhe recicláveis na rua e passa a noite em uma pensão. "É como dormir na rua, muito frio", diz.
A amiga Kelly Danielle de Souza, 33, concorda. "Choveu dentro do quarto como se fosse na rua, minhas cobertas estão molhadas", conta. Ambas possuem companheiros que estão presos. "O meu está no semiaberto", diz Manuela. "Meu marido está no Presídio Central. Não quero que pense que esqueci dele, não esqueci", diz Kelly.
Depois de comer, os irmãos Magda Cristina, 55, e Vilson da Silva, 54, caminham uma hora até a Vila dos Papeleiros, onde moram. "Não é longe", diz Magda. "O problema é que não tem mais nada de material reciclável na rua, desapareceu", diz Silva.
A Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) da prefeitura informa que disponibiliza 495 vagas de abrigo e tem capacidade para mais de 200 atendimentos de higienização e alimentação por dia, além de servir 700 refeições diariamente em diferentes regiões da cidade.
Já em Curitiba, capital mais fria do país, os abrigos da prefeitura tiveram recorde de acolhimento na primeira semana de julho, quando foram registradas temperaturas próximas de 0 °C. Cerca de 800 pessoas foram atendidas, mais do que o dobro de dias normais.
O número foi o mais alto desde o ano passado, quando a Fundação de Ação Social passou a notificar o trabalho de resgate. A ação mais intensificada de abordagem das pessoas em situação de rua é feita sempre que a temperatura fica abaixo de 9 °C na capital paranaense.
A prefeitura criou 270 novas vagas de acolhimento durante a pandemia - 120 em abrigos emergenciais, para pessoas com suspeita de Covid-19 ou em grupos de risco, e 150 em um hotel social. Também houve ampliação do número de unidades com atendimento 24 horas. Para expandir o serviço, foram contratados 48 educadores sociais e 120 cuidadores.
Entre os que passam frio no inverno, há quem tenha "casa". Mas os barracos das periferias são tão precários, relata Flores, que é como se as pessoas fossem sem teto. Crianças mal agasalhadas, muitas vezes com chinelos e vestindo camisetas apesar das temperaturas abaixo de 10°C são comuns.
A primeira-dama de Porto Alegre, Tainá Vidal, tem se esforçado para arrecadar roupas de inverno especialmente para crianças. A maior parte das doações para a Campanha do Agasalho são para adultos."Dois meninos estavam sentados. O menor, muito agarradinho no mais velho. Eu disse: 'Que coisa boa, ele é apaixonado por ti'. Mas daí vi o chinelo de dedo, a roupa fininha, a manga dobrada na mão para esquentar. Era frio. Me dá vontade de chorar", conta Vidal.
Por isso, juntamente com a plataforma "Moeda do Bem", Tainá lançou uma campanha para doação de roupas de inverno infantil. As pessoas podem fazer uma doação online para que Instituto Misturaí compre e doe as roupas.
Durante a pandemia, a Moeda do Bem já atuou no Morro da Cruz, em Porto Alegre. As doações eram revertidas em cestas básicas adquiridas em mercados da região para aquecer a economia local. As famílias retiravam as cestas nos mercados com hora marcada, evitando aglomerações.
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Debaixo do viaduto em frente à rodoviária da capital gaúcha, outro grupo de voluntários distribui cobertores e comida. "Me ajuda a chamar o pessoal?", pede Eduardo Flores, 34, a um morador de rua.
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Leia Também: Contágio foi maior entre pardos e pobres na capital
O rapaz escreve e fotografa para o jornal "Boca de Rua". O jornal é feito pela população de rua, que vende os exemplares nos semáforos. Por causa da pandemia, foi lançada uma campanha de assinatura digital. Dezenas respondem ao chamado e logo uma fila se forma. "Tem gente arrogante que me olha achando que não sei fotografar, que não posso escrever. Mas consigo", conta Pinto.
À frente do "Valentes de Davi", Flores também já viveu na rua. "Passei muito tempo da minha vida neste viaduto. Até hoje, não sei responder o que é pior: o frio ou a fome", relata. Depois de crescer em um abrigo para menores, foi morar na rua. "Deixei a rua em 2013, depois de receber um abraço", relembra.
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