Rio de Janeiro
Suspensa desde novembro do ano passado devido à falta de verba, a tradicional Feira das Yabás no Rio de Janeiro está de volta. E a retomada ocorre em uma ocasião especial. É que maio marca os dez anos da feira, que é realizada no segundo domingo de cada mês. A estimativa é de que 20 mil pessoas transitem esta tarde (13) na Praça Paulo da Portela, em Oswaldo Cruz, bairro da zona norte da capital fluminense. Além de se aventurar pela variedade gastronômica, os visitantes poderão apreciar a tradicional roda de samba.
A interrupção havia sido causada pelo fim do patrocínio concedido pela prefeitura. Mas o diálogo aberto com a Secretaria Municipal de Cultura, chegou-se a um acordo que garantirá mais quatro edições este ano. Segundo o cantor e compositor Marquinhos de Oswaldo Cruz, idealizador da feira, também já estão em curso negociações com uma empresa privada, o que poderá assegurar a regularidade mensal do evento.
Yabá significa "mãe rainha" e, nas religiões de matriz africana, é um termo usado para se referir a todos os orixás femininos. Na feira, é a forma como as cozinheiras são conhecidas. Marquinhos destaca a importância do evento para a economia local, já que todo o dinheiro arrecadado com as vendas nas barracas fica com as yabás. "São mais de 350 pessoas trabalhando diretamente na feira. As barracas de comidas são administradas por cerca de 20 famílias. E o evento não gera renda só para elas. Isso aqui fica vazio quando não tem a feira no domingo. Então o comércio é movimentado no bairro inteiro".
O encontro mensal começou com uma feijoada na quadra da escola de samba Portela e aos poucos foi ganhando as ruas, inicialmente com uma barraca de macarronada e outra de feijão. Hoje, a oferta é variada e envolve diversos tipos de pratos populares. Segundo Marquinhos, a culinária e a cultura local sofrem forte influência dos negros bantus que se instalaram na região após a chegada ao Brasil como escravos trazidos de Congo e Angola. "Essa influência está no samba, no maracatu, no jongo. Todos os bens culturais daqui são frutos dessa memória".
Para a yabá Marlene Nascimento Cruz, a feira é um momento de alegria e toda a comunidade estava na expectativa do retorno. Para ela, que tem uma barraca desde a primeira edição, é ainda uma fonte alternativa de renda. "Essa feijoada é do tempo da minha tia Vicentina, que cozinhava no Portelão. É a melhor feijoada, que já foi inclusive homenageada em samba", diz ela cantando um trecho da música No pagode do Vavá, de Paulinho da Viola. A letra diz: "domingo, lá na casa do Vavá teve um tremendo pagode que você não pode imaginar. Provei do famoso feijão da Vicentina, só quem é da Portela é que sabe que a coisa é divina".
Homenagens
A celebração dos dez anos é também um momento de homenagem à sambista Dona Ivone Lara, que faleceu no mês passado aos 97 anos, e à vereadora Marielle Franco, vítima de uma execução que completa dois meses amanhã (14). A Feira das Yabás lembra ainda os 130 anos da abolição da escravatura completados hoje (13). A roda de samba conduzida por Marquinhos inclui participações do tradicional grupo Jongo da Serrinha e de André Lara, neto de Dona Ivone Lara.
"Tudo que acontecia aqui nessa região revela o papel destacado do matriarcado. As rodas de samba nas casas das sambistas, a própria história da Portela. A presença da mulher é fundamental. E aí lembramos de Tia Doca, Tia Vicentina, Tia Surica, Dona Esther, Tia Hercília, Vovó Maria Joana do Império Serrano. E nós sempre temos convidados. Na nossa primeira edição, há dez anos, a primeira convidada foi Dona Ivone Lara. Nada mais carinhoso da nossa parte do que fazer uma homenagem à maior compositora da música popular brasileira. E quando falamos da força da mulher, lembramos de Marielle. Uma mulher negra empoderada", disse o cantor.