Janaina Garcia

Do UOL, em Curitiba

O ex-deputado Luiz Fernando Ribas Carli Filho (sem partido), 35, foi condenado nesta quarta-feira (28) por duplo homicídio com dolo (intenção de matar) eventual a 9 anos e 4 meses de prisão pela morte de Gilmar Yared, 26, e Carlos Murilo de Almeida, 20, em um acidente de trânsito ocorrido em Curitiba em maio de 2009.

Apesar de a sentença ordenar pena em regime fechado, o ex-deputado poderá recorrer em liberdade pelos seguintes motivos: por não oferecer risco de fuga, ter endereço fixo e por não ter outras infrações penais.

Pelo crime de violar a suspensão da habilitação de motorista, Carli foi condenado a oito meses de detenção, mas o juiz observou que o crime está prescrito. Então, essa pena não foi aplicada.

Os dois jovens mortos no acidente estavam em um Honda Fit atingido em alta velocidade pelo Volkswagen Passat conduzido pelo então parlamentar, que, segundo as investigações feitas à época, estava entre 161 e 173km/h, embriagado e com a carteira de habilitação suspensa, com 130 pontos acumulados em 30 multas –23 delas, por excesso de velocidade.

O promotor Marcelo Balzer afirmou que a pena ficou dentro do esperado. "Beber e dirigir não é uma banalidade, e a República de Curitiba se fez representar mais uma vez no conselho de sentença", definiu. O também promotor Paulo Sérgio Markowicz endossou as palavras do colega. "Como representantes da sociedade, estamos satisfeitos porque não se tratava de um crime comum".

A deputada federal Christiane Yared (PR), mãe de uma das vítimas, chorou após o resultado ser proferido e disse que continuará lutando para que crimes de trânsito não sejam banalizados. "Minha vontade era poder abraçar meu filho", disse ela. "Ainda tem muito o que ser feito. Tem muita luta a ser lutada, muitas batalhas a serem vencidas. Essa é a sensação de que não acaba aqui. Porque tem outros, e enquanto tiver outros, teremos nós. Se a dor do meu irmão não me incomodar, terá algo errado comigo".

Na saída, os familiares dos jovens mortos no acidente foram cumprimentados aos gritos de "vitória!" por outros pais e mães que perderam seus filhos em acidentes causados por pessoas embriagadas. Eles acompanharam o julgamento do lado de fora do Tribunal do Júri desde cedo.

O advogado de Carli Filho, Roberto Brezinski Neto, disse discordar da pena e avisou que a defesa recorrerá da decisão. "A defesa em momento algum pediu a absolvição (...) Compreendíamos a responsabilidade dele, ele mesmo compreendia, confessou alguns fatos no julgamento. Então, evidentemente que aguardávamos outro resultado", afirmou. "Não concordamos com a pena, sendo o réu primário e com bons antecedentes, portanto, pelo dolo, a pena fixada deveria ter sido pelo mínimo legal".

"Inteligente para compreender o próprio erro"

A sentença foi lida durante 24 minutos, a partir das 17h08 de hoje, pelo juiz Daniel Avelar após os debates entre acusação e defesa.

Para os jurados (cinco mulheres e dois homens) que compuseram o júri popular iniciado ontem à tarde no Tribunal do Júri de Curitiba, Carli Filho cometeu duplo homicídio com dolo eventual porque assumiu os riscos de matar, dadas as condições de embriaguez e velocidade com que conduzia. A defesa do ex-parlamentar trabalhou até o último momento para que ele fosse julgado por duplo homicídio culposo (ou seja, sem intenção de matar) decorrentes de crime de trânsito, mas a tese acabou refutada.

O juiz observou que Carli Filho "foi intensamente advertido para não dirigir", falava ao celular enquanto dirigia e era ocupante de mandato e "pessoa inteligente e culta" o suficiente para compreender o erro das condutas. Para o magistrado, o descumprimento da lei penal "infringe não só o poder conferido pelo cidadão, mas o poder que lhe foi atribuído pelo povo".

Os agentes políticos exercem o poder, e por isso mesmo é exigido deles o cumprimento da lei à severidade
juiz Daniel Avelar

Sobre a velocidade, Avelar a classificou como "compatível com autódromos e pistas de corrida".

Ontem, em 20 minutos de interrogatório, Carli Filho chorou, voltou-se às mães dos dois jovens mortos, as quais acompanharam todo o júri da plateia, e pediu perdão a elas. "Assumo minha parcela de culpa. Sou culpado. Errei, bebi e dirigi, mas não tive a intenção de matar", defendeu-se.

"Ninguém o obrigou a beber", diz MP; defesa critica vítimas

Na fase de debates, mais cedo, o Ministério Público ponderou que o ex-deputado "não poderia estar dirigindo". "Ninguém o obrigou a beber: ele embriagou-se voluntariamente. E agiu de forma indiferente [à lei e aos riscos a terceiros], pois dirigiu sem carteira", afirmou o promotor Marcelo Balzer, que está no caso desde 2009.

Também nos debates, a defesa de Carli Filho alegou que acusar o réu de dolo, ou intenção, seria "não condizer com a verdade". Um dos advogados do ex-deputado, Roberto Brzezinski, afirmou aos jurados que os dois jovens teriam que ter parado o carro ao entrar na via expressa onde ocorreu o acidente. "Infelizmente o Honda Fit não parou. Por que ele não parou?", indagou, em meio a críticas à cobertura dos veículos de imprensa sobre o caso, os quais classificou como "assassinos de reputação".

"Dizer que as vítimas foram responsáveis pelo acidente é uma profanação à memória delas", rebateu o promotor do Tribunal do Júri, Paulo Sérgio Markowicz.

Nos últimos oito anos e nove meses desde o acidente, a defesa de Carli Filho buscou adiar ou evitar o júri popular por meio de 33 recursos interpostos em todas as instâncias do Judiciário. No último, julgado dia 23 deste mês, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes negou o pedido do ex-deputado para transferir o juízo de Curitiba, o que implicaria em novo adiamento do júri realizado ontem e hoje.