Experiência de Lábrea foi levada nesta semana à COP 24, na Polônia

Fonte: Débora Brito - Enviada especial*

Desde que a energia solar começou a ser gerada em Lábrea, no sul do Amazonas, cerca de mil famílias de extrativistas que vivem em torno do município vêm tendo mais acesso à saúde e educação e a meios alternativos de produção econômica. A história dos moradores das comunidades amazônicas beneficiadas pelo acesso à energia limpa foi compartilhada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 24), realizada nesta semana em Katowice, na Polônia.

Por meio do projeto piloto Resex Solar, as comunidades de reservas extrativistas Médio Purus e Ituxi receberam, nos últimos dois anos, capacitação para instalar e manter sistemas solares, que permite gerar energia nas casas e escolas, entre outros pontos da região.

O Resex Solar é desenvolvido pela WWF-Brasil em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Ministério de Minas e Energia, que abriu edital para doar equipamentos solares que não estavam sendo usados desde a década de 90. O processo de licitação permitiu que a WWF adquirisse 300 painéis solares que foram enviados para a cidade de Lábrea.

Qualidade de vida

A região é uma das mais carentes do país e não oferece energia barata para todas as comunidades. De acordo com relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), pelo menos 1 bilhão de pessoas ainda não têm acesso à eletricidade no mundo, sendo que 1 milhão vivem no Brasil, principalmente na Amazônia.

A renda média dos extrativistas do Médio Purus é de R$ 465 por mês, segundo o ICMBio. Se a energia fosse gerada por diesel ou gasolina, seriam consumidos pelo menos R$ 450 da renda mensal das famílias por apenas três horas de funcionamento do gerador por dia. Só nas escolas, seriam gastos mais de R$ 25 por dia para cada quatro horas de aula, período em que o gerador consome um litro de gasolina.

Nos vídeos exibidos durante a COP 24, os moradores destacam que o dinheiro que seria gasto com o combustível pode ser investido em outras necessidades. Desde a instalação dos painéis, as famílias tem conseguido produzir gelo para refrigerar produtos como açaí, castanha, borracha, óleos vegetais, frutas regionais e algumas espécies de peixes para comercialização.

Dados divulgados pela organização mostram que um sistema solar de 0,8KW na Amazônia gera, em média, 4 kwh por dia ou 1.460 Kwh em um ano. Esse volume evita a queima de 489 litros de diesel e a emissão de pelo menos 1.300 quilos de dióxido de carbono na atmosfera.

O sistema de energia solar possibilitou também a instalação de uma bomba hidráulica para produção de alimentos como mandioca e para abastecimento das residências. Quase 90% das pessoas da Reserva Extrativista Médio Purus precisava caminhar até o rio para buscar água em baldes. A coleta da água sem filtragem também provocava doenças, como diarreia.

Combate ao desmatamento

A geração de energia fotovoltaica também tem contribuído para o monitoramento de algumas espécies de tartarugas na Amazônia e para o combate ao desmatamento ilegal. Como os ribeirinhos têm conseguido se manter na área para extração sustentável dos produtos da biodiversidade, eles contribuem para a proteção das florestas e, assim, para o aumento da capacidade de absorção de carbono da atmosfera.

“Este é um trabalho de forma integrada que mostra que é possível trabalhar a questão da conservação florestal e, ao mesmo tempo, promover desenvolvimento e inclusão social das populações que ali vivem, muitas em situação de carência”, disse à Agência Brasil André Nahur, coordenador do programa Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil.

Nahur acrescentou que os extrativistas têm sido conscientizados sobre a importância da produção sustentável sobre a Amazônia e os impactos sobre o controle do aquecimento da temperatura global.

“As mudanças climáticas relacionadas ao desmatamento e à degradação do bioma potencializam muito mais os efeitos para uma população que depende dos recursos naturais para sobreviver. E a Amazônia é fundamental para o regime de chuvas do Centro-Oeste, por exemplo. Então, é importante saber que tudo está conectado. Conservando a floresta e promovendo o desenvolvimento sustentável, estamos contribuindo também com o bem-estar das pessoas em todo o país”, acrescentou.

Desafios

Um dos principais desafios nessa área é ampliar o uso de energia limpa para outras comunidades. Na fronteira do Acre com o Peru, por exemplo, uma organização ambiental alemã tem trabalhado com comunidades que vivem ao longo do Rio Juruá. “É um absurdo eles terem que levar diesel para lá para gerar energia. Diesel é um produto caro, e o investimento em energia solar seria inicialmente alto, mas é sustentável. Em uma visão de anos, consegue-se economizar o dinheiro que se investe agora no diesel”, comentou a antropóloga Eliane Fernandes Ferreira.

Em parceria com a Universidade de Hamburgo, na Alemanha, Eliane trabalha atualmente em uma pesquisa sobre povos ameaçados da Amazônia.O foco está na cidade de Marechal Thaumaturgo, no Acre, onde muitas famílias transportam diesel pelo Rio Juruá para ter acesso à energia.

Na reserva extrativista do Alto Juruá, as comunidades tem energia só quatro horas por dia, e é difícil para as famílias conservar alimentos e remédios e ter acesso à informação.

“A energia fotovoltaica é a melhor solução porque abrange vários campos onde a sociedade só vai ter a ganhar. Se a gente fala de desenvolvimento sustentável consciente, tem que lutar pela geração desse tipo de energia, sobretudo na floresta. Isso deveria ser prioridade de governo”, enfatizou Eliane.

**A repórter participou da COP 24 a convite da United Nations Foundation