"Justiça para Miguel". A frase, autoexplicativa, deu o tom da manifestação pacífica que ocorreu na tarde desta sexta-feira (5), em memória do menino Miguel Otávio Santana da Silva. A criança, de 5 anos, morreu na última terça (2), após cair do edifício Píer Maurício de Nassau, que integra o condomínio de luxo popularmente conhecido como Torres Gêmeas, no bairro de São José. Miguel estava sob os cuidados de Sarí Côrte Real, patroa de sua mãe, Mirtes Renata de Souza. Segundo a Polícia Civil, Sarí foi omissa em não ter cuidado do menino, tendo sido indiciada por homicídio culposo.

Familiares, amigos, vizinhos, ativistas políticos e desconhecidos, solidários a dor da família, marcaram presença. O distanciamento social foi respeitado e os manifestantes, entre máscaras e protetores faciais, seguravam cartazes e gritavam frases como "Não foi acidente", "Queremos justiça", "Ei, mamame, aprende a lavar louça" e "Justiça para Miguel" - esta última que virou um dos termos mais mencionados da internet nas últimas 24 horas. O corpo do menino foi velado no distrito de Bonança, vinculado ao município Moreno, na Região Metropolitana do Recife, onde a mãe cresceu.
 
Por volta do meio-dia, começaram a chegar as primeiras pessoas na frente do Píer Maurício de Nassau, que depositaram uma coroa de flores, velas e mancharam com detergente vermelho a entrada do prédio, em referência a sangue. No entanto, a concentração do protesto foi na Praça da República, em frente à sede do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), e seguiu em caminhada até o prédio onde o menino morreu.

Com máscaras ou protetores faciais, manifestantes gritavam palavras de ordem e seguravam cartazes. (Foto: Bruna Costa/Esp. DP.) 
Com máscaras ou protetores faciais, manifestantes gritavam palavras de ordem e seguravam cartazes. (Foto: Bruna Costa/Esp. DP.)
 
"Ela (a Sarí) era uma pessoa que a nossa família confiava. Meu primo morreu e isso não pode ficar impune. R$ 20 mil não paga a vida do meu primo, não paga a vida de ninguém. Deus deu a vida a nós e ninguém tem direito de tirar. Por isso precisamos do apoio de todo mundo porque a dor é muito grande", desabafou Amanda Souza, prima do menino Miguel. Ela foi uma das organizadoras do ato, além de ter sido uma das primeiras a denunciar o caso nas redes sociais. "Muitos disseram que Miguel não tinha família, mas ele tem. Estamos aqui fazendo fazendo justiça por ele. Somos unidos". Ela afirmou que todos os parentes estavam fazendo um esforço anormal para se fazerem presentes.
 
A pista do Cais Santa Rita, em frente ao edifício, foi tomada pelo grupo por volta das 14h50. A mãe de Miguel, Mirtes Renata, não conseguiu ir até a manifestação. Após dar entrevista para o programa Encontro, da TV Globo, na manhã desta sexta, pediu reserva, para poder conversar com seu advogado. Já a avó de Miguel, Marta, e o pai, Paulo dos Santos, vieram para o protesto, além de três tias e uma prima.

Moradores do Píer Maurício de Nassau também se juntaram ao protesto. (Foto: Bruna Costa/Esp. DP) 
Moradores do Píer Maurício de Nassau também se juntaram ao protesto. (Foto: Bruna Costa/Esp. DP)


"Eu achava que era uma pessoa fraca, mas agradeço a Deus por estar aqui hoje. Creio que Jesus vai nos ajudar. Com a força de todas as pessoas daqui, do Brasil inteiro, vamos fazer justiça pela morte de Miguel, para que não fique impune”, comentou a tia do menino, Patrícia Souza. "Nós não esperávamos essa repercussão toda. Eu agradeço de coração e só peço justiça por meu neto. Eu espero que essa situação mude, porque pagar fiança após um caso desses é como um suborno, na minha opinião", resumiu a avó, Marta.
 
Francleide, uma das tias, disse que Sarí chegou a ir a telefonar para Mírtes pedindo desculpa. "Ela admitiu que ia ser presa. E por que ela não foi presa? Por que ela não teve paciência de cinco minutos para esperar a minha irmã? Ela chegou a ir ao velório, mas colocaram ela para correr". A irmã da mãe do menino também afirmou que a família foi pega de surpresa com a informação, veiculada pela imprensa na noite da quinta-feira (4), de que Mirtes Renata de Souza constava como servidora da Prefeitura de Tamandaré. A avóa disse que o assunto só podia ser tratado com o advogado.

Marta Souza, avó de Miguel (Foto: Bruna Costa/Esp. DP) 
Marta Souza, avó de Miguel (Foto: Bruna Costa/Esp. DP)


Líderes de movimentos sociais, instigados pelo simbolismo do caso, também estiveram presentes. Linda Ferreira, do Coletivo de Entidades Negras (Conem), afirmou que a morte de Miguel é fruto de uma sociedade que ainda tem um "forte sentimento escravagista". "Ele era filho de uma empregada preta e foi colocado no elevador de serviço. O grito desse protesto também é pelos filhos de outras mulheres negras que perderam seus filhos, seja pela ausência do direito ou da omissão do estado", disse a ativista. 
 
"Mais de 40 entidades estão marcando presença aqui, entre advogados, diversos  sindicatos, segmento sociais, população negra e não negra. É um momento em que a sociedade precisa entender a reação do oprimido em resposta ao racismo estrutural. Nenhum valor traz uma vida de volta", disse Jean Pierre, líder do Movimento Negro Unificado.

Familiares deitados na calçada do condomínio (Foto: Bruna Costa/Esp. DP) 
Familiares deitados na calçada do condomínio (Foto: Bruna Costa/Esp. DP)
 
Os moradores do Píer Maurício de Nassau também manifestaram solidariedade. Alguns colocaram tecidos - como toalhas ou lençóis - pretos na janela de suas casas. Na sacada de convivência do prédio, colocaram uma faixa preta, com os dizeres #JustiçaPorMiguel. Por volta das 15h35, todos os manifestantes se sentaram no chão, em volta da avó, e deram uma salva de palmas. Em seguida, familiares se deitaram na calçada do prédio, em referência à queda fatal que o menino sofreu. Todos começaram a rezar, juntos, o Pai Nosso. 
 
Como forma de encerrar o ato, os familiares deram as mãos se saíram da calçada em rumo aos seus lares. Eles agora anseiam pelas desdobramentos de um caso expôs de forma tão nítida mazelas de nossa sociedade, coincidentemente em momento em que o mundo está em ebulição pelo fim do racismo.