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Há meses ocupando o segundo lugar no ranking dos países com mais mortos pela covid-19, o Brasil, hoje, fica atrás dos Estados Unidos e da Índia em número de casos. Com mais de 4,5 milhões de infectados e 135 mil óbitos pelo novo coronavírus, a nação ainda registra altas atualizações diárias e, assim, consolida-se, também, como alvo de críticas em outros países. Morando no exterior, brasileiros ouvidos pelo Correio afirmam que a forma como o Brasil encara a pandemia surpreende negativamente o resto do mundo. Enquanto especialistas ressaltam o impacto de uma gestão negacionista nas relações internacionais, o presidente Jair Bolsonaro mantém o discurso de que o Brasil “foi um dos países que menos sofreram com a pandemia” e culpabiliza imprensa, governadores e prefeitos pelas consequências da doença.
Para o professor de relações internacionais do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB) Rafael Duarte, o estrangeiro divide-se entre elogios ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao corpo técnico de saúde pública; e críticas ao papel do presidente da República e às lideranças governamentais, estaduais e municipais. “A visão do exterior mais técnica está sendo bastante crítica dessa dicotomia que a gente percebe na realidade brasileira — a capacidade da política de estado chamada SUS e o governo, que tem decisões, no mínimo, controversas dentro de um quadro mundial”, pondera.
Na tradicional live semanal nessa quinta, Bolsonaro voltou a defender o uso da cloroquina para tratamento contra a covid-19, além de criticar as medidas de isolamento social, sobretudo o fechamento das escolas. “Eu, além de dizer, lá atrás, tudo que eu achava que devia ser feito, não me omiti, falei da cloroquina, da vitamina D, dessa história de 'fique em casa, a economia a gente vê depois', que não é assim. Está vindo a conta para todo mundo pagar, e a questão de deixar a garotada em casa."
Horas antes da gravação, o mandatário realizou uma parada não prevista na agenda oficial. Em Missão Velha (CE), o chefe do Executivo caminhou no meio de apoiadores pelas ruas da cidade e, sem máscara, cumprimentou os bolsonaristas com abraços e apertos de mãos, provocando uma aglomeração. Chegou a entrar em um bar da região, onde jogou sinuca com os frequentadores.
Na visão do mandatário, “o governo (federal) fez tudo para que os efeitos negativos da pandemia fossem minimizados”, como ressaltou durante passagem pela Bahia, em uma visita às obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, em São Desidério, na semana passada. Na ocasião, ele já comemorava o fato de, segundo ele, o país estar “praticamente vencendo a pandemia”.
“Já começa a aparecer, em especial nas mídias lá de fora, porque a mídia, aqui de dentro, é difícil de aparecer boa notícia, que o Brasil foi um dos países que menos sofreram com a pandemia dadas as medidas tomadas pelo governo federal”, disse Bolsonaro. Recentes publicações em grandes jornais internacionais, como o norte-americano The New York Times ou o francês Le Monde, contudo, vão de encontro à boa imagem internacional do governo brasileiro defendida pelo presidente, que continua a receber críticas diante da atuação frente à pandemia.
Clipping
Segundo monitoramento realizado pelo instituto de pesquisas Morning Consult, somente nos três primeiros meses da chegada da covid ao país, pelo menos 25 veículos estrangeiros criticaram a condução de Bolsonaro, incluindo editoriais e artigos de opinião. Entre as ações e comportamentos do presidente que desencadearam as repercussões estão as falas de que a covid é só uma “gripezinha”, a afirmação de que a vacina contra o vírus não será obrigatória, o veto ao uso compulsório da máscara em locais públicos, a provocação de aglomerações diante da clara recomendação de distanciamento social e a demissão de dois ministros da Saúde em meio à pandemia.
“O Brasil está listado entre os países que tiveram o maior aumento de casos. Agora, em terceiro nesse ranking, porque a Índia ultrapassou. Tem uma das piores taxas de mortalidade da doença no mundo, também, porque o vírus se espalhou dos centros urbanos para o interior do país. Mais recentemente, surgiu a indicação de que a taxa de contágio voltou a subir. Então, esses são dados objetivos que contradizem o entendimento de que o Brasil tem sido exitoso no combate à pandemia”, analisa o doutor em direito internacional pela USP e professor da FGV Evandro de Carvalho.
Isolamento rígido e volta à rotina
Brasileiros que moram no exterior entrevistados pelo Correio confirmam a imagem negativa do país lá fora. O casal Walter Fernandes, 36 anos, e Paula Ferreira, 38 anos, nasceu em Santo André (SP), mas vive na Itália há nove meses. Na opinião deles, o Brasil tornou-se alvo de grande preocupação da opinião pública internacional. “Os nossos amigos italianos veem com surpresa a forma com que o Brasil encara a pandemia. Muitos não conseguem compreender porque diversas pessoas insistem em arriscar a vida, mesmo quando poderiam, e deveriam, ficar em casa”, avalia Walter.
O casal mora em Desio, na Lombardia, região mais afetada pela pandemia na Itália, e que vê a vida voltando gradativamente ao normal. De acordo com eles, é obrigatório o uso de máscara em locais fechados e quando são formadas aglomerações, ainda que ao ar livre. Walter afirma que a chamada primeira onda da pandemia foi superada por meio de uma quarentena rígida. “Foram três meses de isolamento total. Apenas os serviços essenciais permaneciam em funcionamento”, relembra. “Em três meses, fizemos exatos quatro deslocamentos ao supermercado. Agora, estamos colhendo os frutos disso. Temos mais liberdade, porém, não abusamos”, completa Paula.
Na China, epicentro da covid-19, alguns brasileiros também veem a vida voltar ao normal. Na cidade de Ningbo, onde mora a estudante de marketing Marina Albernaz, 23 anos, não houve casos nos últimos meses. “A vida por aqui já está de volta ao normal, atividades e eventos podem acontecer sem problema nenhum. O uso de máscara não é mais obrigatório, mas muito recomendado em ambientes fechados com muitas pessoas e todo mundo respeita isso”, indica.
Mesmo assim, a brasileira, que vive na China desde 2018 e trabalha na área de marketing de uma escola norte-americana, conta que o controle na China foi e, ainda, é rígido. “Aqui, na China, foi algo realmente incrível, mas, claro, por ordens autoritárias. O controle ainda é super-rígido, com QR Codes que mudam de cor de acordo com a saúde (pode estar verde, amarelo, laranja ou vermelho). É esse código que nos permite transitar pelas cidades e por locais públicos”, conta.
Marina também afirma que os amigos estrangeiros, sendo a maioria da Europa, questionam as atitudes vistas no Brasil. “Eles perguntam como o Brasil conseguiu chegar a um ponto tão caótico e irresponsável. As notícias correm rápido e estão propagadas em várias emissoras internacionais. Infelizmente, a imagem do país é muito decepcionante.”
Unanimidade
O espanto com a coordenação da pandemia no Brasil parece ser unânime ao redor do mundo. “Para os franceses, o Brasil não tem controle da situação. Eles ficam perplexos. O país fica com uma imagem de nação que não é séria. É muito triste”, relata a advogada Manuela Ventocilla, 26 anos, que mora em Paris há seis anos.
Apesar das críticas ao Brasil, a brasiliense diz que também pôde ver o desrespeito com as medidas de isolamento social na França. “As pessoas não têm cumprido muito as regras de distanciamento. E agora que as coisas estão voltando ao normal, parece que piorou.”
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Para o professor de relações internacionais do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB) Rafael Duarte, o estrangeiro divide-se entre elogios ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao corpo técnico de saúde pública; e críticas ao papel do presidente da República e às lideranças governamentais, estaduais e municipais. “A visão do exterior mais técnica está sendo bastante crítica dessa dicotomia que a gente percebe na realidade brasileira — a capacidade da política de estado chamada SUS e o governo, que tem decisões, no mínimo, controversas dentro de um quadro mundial”, pondera.
Na tradicional live semanal nessa quinta, Bolsonaro voltou a defender o uso da cloroquina para tratamento contra a covid-19, além de criticar as medidas de isolamento social, sobretudo o fechamento das escolas. “Eu, além de dizer, lá atrás, tudo que eu achava que devia ser feito, não me omiti, falei da cloroquina, da vitamina D, dessa história de 'fique em casa, a economia a gente vê depois', que não é assim. Está vindo a conta para todo mundo pagar, e a questão de deixar a garotada em casa."
Horas antes da gravação, o mandatário realizou uma parada não prevista na agenda oficial. Em Missão Velha (CE), o chefe do Executivo caminhou no meio de apoiadores pelas ruas da cidade e, sem máscara, cumprimentou os bolsonaristas com abraços e apertos de mãos, provocando uma aglomeração. Chegou a entrar em um bar da região, onde jogou sinuca com os frequentadores.
Na visão do mandatário, “o governo (federal) fez tudo para que os efeitos negativos da pandemia fossem minimizados”, como ressaltou durante passagem pela Bahia, em uma visita às obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, em São Desidério, na semana passada. Na ocasião, ele já comemorava o fato de, segundo ele, o país estar “praticamente vencendo a pandemia”.
“Já começa a aparecer, em especial nas mídias lá de fora, porque a mídia, aqui de dentro, é difícil de aparecer boa notícia, que o Brasil foi um dos países que menos sofreram com a pandemia dadas as medidas tomadas pelo governo federal”, disse Bolsonaro. Recentes publicações em grandes jornais internacionais, como o norte-americano The New York Times ou o francês Le Monde, contudo, vão de encontro à boa imagem internacional do governo brasileiro defendida pelo presidente, que continua a receber críticas diante da atuação frente à pandemia.
Clipping
Segundo monitoramento realizado pelo instituto de pesquisas Morning Consult, somente nos três primeiros meses da chegada da covid ao país, pelo menos 25 veículos estrangeiros criticaram a condução de Bolsonaro, incluindo editoriais e artigos de opinião. Entre as ações e comportamentos do presidente que desencadearam as repercussões estão as falas de que a covid é só uma “gripezinha”, a afirmação de que a vacina contra o vírus não será obrigatória, o veto ao uso compulsório da máscara em locais públicos, a provocação de aglomerações diante da clara recomendação de distanciamento social e a demissão de dois ministros da Saúde em meio à pandemia.
“O Brasil está listado entre os países que tiveram o maior aumento de casos. Agora, em terceiro nesse ranking, porque a Índia ultrapassou. Tem uma das piores taxas de mortalidade da doença no mundo, também, porque o vírus se espalhou dos centros urbanos para o interior do país. Mais recentemente, surgiu a indicação de que a taxa de contágio voltou a subir. Então, esses são dados objetivos que contradizem o entendimento de que o Brasil tem sido exitoso no combate à pandemia”, analisa o doutor em direito internacional pela USP e professor da FGV Evandro de Carvalho.
Isolamento rígido e volta à rotina
Brasileiros que moram no exterior entrevistados pelo Correio confirmam a imagem negativa do país lá fora. O casal Walter Fernandes, 36 anos, e Paula Ferreira, 38 anos, nasceu em Santo André (SP), mas vive na Itália há nove meses. Na opinião deles, o Brasil tornou-se alvo de grande preocupação da opinião pública internacional. “Os nossos amigos italianos veem com surpresa a forma com que o Brasil encara a pandemia. Muitos não conseguem compreender porque diversas pessoas insistem em arriscar a vida, mesmo quando poderiam, e deveriam, ficar em casa”, avalia Walter.
O casal mora em Desio, na Lombardia, região mais afetada pela pandemia na Itália, e que vê a vida voltando gradativamente ao normal. De acordo com eles, é obrigatório o uso de máscara em locais fechados e quando são formadas aglomerações, ainda que ao ar livre. Walter afirma que a chamada primeira onda da pandemia foi superada por meio de uma quarentena rígida. “Foram três meses de isolamento total. Apenas os serviços essenciais permaneciam em funcionamento”, relembra. “Em três meses, fizemos exatos quatro deslocamentos ao supermercado. Agora, estamos colhendo os frutos disso. Temos mais liberdade, porém, não abusamos”, completa Paula.
Na China, epicentro da covid-19, alguns brasileiros também veem a vida voltar ao normal. Na cidade de Ningbo, onde mora a estudante de marketing Marina Albernaz, 23 anos, não houve casos nos últimos meses. “A vida por aqui já está de volta ao normal, atividades e eventos podem acontecer sem problema nenhum. O uso de máscara não é mais obrigatório, mas muito recomendado em ambientes fechados com muitas pessoas e todo mundo respeita isso”, indica.
Mesmo assim, a brasileira, que vive na China desde 2018 e trabalha na área de marketing de uma escola norte-americana, conta que o controle na China foi e, ainda, é rígido. “Aqui, na China, foi algo realmente incrível, mas, claro, por ordens autoritárias. O controle ainda é super-rígido, com QR Codes que mudam de cor de acordo com a saúde (pode estar verde, amarelo, laranja ou vermelho). É esse código que nos permite transitar pelas cidades e por locais públicos”, conta.
Marina também afirma que os amigos estrangeiros, sendo a maioria da Europa, questionam as atitudes vistas no Brasil. “Eles perguntam como o Brasil conseguiu chegar a um ponto tão caótico e irresponsável. As notícias correm rápido e estão propagadas em várias emissoras internacionais. Infelizmente, a imagem do país é muito decepcionante.”
Unanimidade
O espanto com a coordenação da pandemia no Brasil parece ser unânime ao redor do mundo. “Para os franceses, o Brasil não tem controle da situação. Eles ficam perplexos. O país fica com uma imagem de nação que não é séria. É muito triste”, relata a advogada Manuela Ventocilla, 26 anos, que mora em Paris há seis anos.
Apesar das críticas ao Brasil, a brasiliense diz que também pôde ver o desrespeito com as medidas de isolamento social na França. “As pessoas não têm cumprido muito as regras de distanciamento. E agora que as coisas estão voltando ao normal, parece que piorou.”