O artista circense Pablo Dias Bessa Martins, um dos 159 presos no dia 7 último em operação policial contra a milícia Liga da Justiça durante um show de pagode em um sítio em Campo Grande, no Rio de Janeiro, pediu hoje (22), em entrevista coletiva, que a justiça seja feita e que as autoridades liberem outros inocentes que continuam no presídio de Bangu 9.

“Injustiça é uma palavra muito forte e isso foi cometido com a gente”, desabafou. Assistido pela Defensoria Pública do Estado (DPE), Martins conseguiu a reversão da prisão preventiva na sexta-feira (20), decisão publicada pela 2ª Vara Criminal de Santa Cruz. Ele tem viagem de trabalho para Estocolmo, na Suécia, marcada para terça-feira (24).

Na coletiva organizada pela DPE, o artista explicou que passaria apenas alguns dias no Rio com a família e a esposa sugeriu que fossem ao show para se divertir. “Foi um show divulgado por rádio, Facebook e WhatsApp, como muitos outros shows. Poderia ser no Maracanã, mas foi no sítio. Consegui duas cortesias com o DJ que era meu amigo, e comprei um ingresso para minha irmã. Era um show de pagode, fui curtir como todos os outros amigos meus”, disse.

Quando começou a operação e tiros foram ouvidos, Martins disse que se deitou no chão com a esposa e obedeceu a todos os procedimentos ditados pela polícia, ficando com a cabeça baixa o tempo todo.

“Só fui curtir com minha família e amigos. A ficha começou a cair [de que estava preso] quando passamos pelo procedimento na polícia mesmo, tirar foto de frente, de lado, tirar digital, nunca tinha passado por isso. Falaram que o motivo é que a gente estava participando de festa de miliciano. Eu posso afirmar que se tivesse miliciano eu não iria, ia me prejudicar no meio artístico”, afirmou.

O artista disse que, se tivesse visto alguém armado dentro da festa, como foi afirmado pela polícia, “seria o primeiro a sair”. “Tinha segurança revistando, se tivesse alguém armado teria sido pego na entrada”. Ele confessou ter medo de ser prejudicado no trabalho por causa da prisão.

“É complicado, uma coisa internacional, pode ir lá para fora e as pessoas entenderam de uma outra forma, pensarem que eu sou do meio miliciano e a minha companhia também. Foram as duas piores semanas da minha vida”, relatou.

Noite de terror

A mãe de outro preso na operação, Thiago Silva Vale, dona Elza Perez Silva do Vale, disse que o filho está desempregado, mas já trabalhou como garçom e gerente de restaurante. Relatou que Thiago a levou ao hospital na noite da festa, pois estava com a pressão alta, e que, na volta, pediu R$ 20 para ir ao show com um amigo. Durante a madrugada, ouviu o tiroteio e ficou sem notícias do filho até o dia seguinte, no que ela disse ter sido uma “noite de terror”.

“Deu 9h e ele não chegava, liguei no celular e ele não atendia. Mexi no Facebook e vi um cara de capuz falando “que tiro foi esse” na Rua Fernanda. Vi os comentários, corri pra rua, os amigos dele estavam todos lá. Perdi o chão naquela hora, não consegui falar com a minha filha. Corri pra rua e soube que o Thiago estava lá e foi preso” disse Elza.

Acrescenta que até o momento não pôde ver o filho e fez um apelo para que soltem os inocentes. “A dor é tanta, a gente morre a cada dia, não sabe se ele está comendo, se está tendo uma água. Parece que você está vivendo um filme de terror. Tenho 57 anos de idade e nunca vi uma coisa dessas. Na Barra não tem evento? Por que em Santa Cruz não pode? É porque somos pobres? São trabalhadores que foram curtir o seu ídolo e houve nessa tragédia”.

Lorena Felix dos Santos trabalha para uma empresa de segurança e fez a revista nas mulheres no dia do show. Ela disse que, na entrada, era verificado o porte de armas de fogo e de entorpecentes e ninguém entrou armado no dia.

“É uma empresa terceirizada, sempre somos contratadas para trabalhar em eventos. Se era de milícia, por que contratar outra empresa, se eles são a segurança?”, pergunta.

O namorado de Lorena, Evandro Batista Monteiro, está entre os presos. O irmão dela, menor de idade, também foi detido, mas liberado junto com outros menores.

Defensoria

O defensor público geral do Estado do Rio de Janeiro, André Castro, explicou que o órgão entrou em ação ainda durante a madrugada do dia 7, quando muitas pessoas procuraram o plantão judiciário. Segundo ele, os depoimentos são contundentes e não há suporte de provas para manter as pessoas presas. “Agora temos que provar que as pessoas são trabalhadoras e não têm envolvimento com a milícia.

A operação foi anunciada como sendo de inteligência, que prendeu uma reunião de milicianos. E essa versão tem sido mantida. Mas a partir da noite da prisão a Defensoria Pública, a imprensa, todos começaram a ver que não se encaixava na realidade. Temos aqui o panfleto do show, com ingresso vendido, tinha gente revistando na porta. É um show em uma comunidade, onde não há muita opção de lazer. A versão oficial não se sustenta”, afirmou ele.

A seguir, lembra que a audiência de custódia foi feita coletivamente de forma irregular, sem individualizar os casos, e sem garantir a presunção de inocência, o que, segundo disse, “coloca a Constituição de cabeça para baixo”, numa “situação Kafkiana”, dos presos “não saberem nem de que crimes estão sendo acusados”.

“Não existe mais presunção de inocência, todos precisam provar que não são culpados. Nos surpreende como esse caso está sendo conduzido. A prisão de uma pessoa tem que ser feita por mandado judicial ou excepcionalmente uma prisão em flagrante. Mas não há sequer investigação sobre a grande maioria dessas pessoas presas em flagrante. Participar de um show não configura crime, portanto, não há motivação. A presunção de inocência foi rasgada”, sentenciou.

De acordo com o defensor João Gustavo Fernandes Dias, a defensoria está atendendo mais de 40 presos no caso e entrou com alguns pedidos de habeas corpus, mas não teve sucesso. Segundo ele, novos pedidos serão feitos e é preciso aguardar o encaminhamento da ação penal pelo Ministério Público, que pode arquivar o processo coletivamente, iniciar a ação penal coletiva ou individualizar o caso.