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Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
(…) O estandarte do sanatório geral
Vai passar
Chico Buarque
Emburrecidos pela TV e distraídos pelas patacoadas escatológicas do Messias, os brasileiros se mostram indiferentes à pátria surrupiada por seus prepostos. Não é por falta de avisos. “O objetivo do governo Bolsonaro é privatizar a maior parte das estatais e preservar apenas Petrobras, Banco do Brasil e Caixa – e mesmo assim, deixá-las mais magrinhas”, disse o Secretário Especial de Desestatização e Desenvolvimento do Ministério da Economia, Salim Mattar, um predestinado (Valor, 20/01/19).
— “Estamos começando devagar nas privatizações, mas já sabemos que vamos privatizar os Correios, a Eletrobras. Não duvido que a gente vá privatizar algumas coisas maiores, viu, Castello?” Guedes provoca risos de satisfação na plateia neofascista, vestida de amarelo, pronta para gritar: Mito! Mito!
— “Isso, por enquanto, é uma brincadeira, uma especulação. Eu disse para ele (Castello Branco, presidente da Petrobras, outro predestinado) ficar alerta porque, na velocidade em que o presidente (Bolsonaro) está indo, pela prensa que está dando no Salim (Mattar, secretário de Desestatização), acho que já, já chega na Petrobras”.
De acordo com o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto (mais um predestinado), o crescimento do mercado de capitais traz ainda um efeito de substituição de dívida pública pela privada. O pressuposto da troca do crowding out pelo crowding in é melhorar custos de financiamento para empresas, aumentar liquidez, resultar em prazos de financiamento mais longos e ter efeito multiplicador. “Para cada R$ 100 bilhões de dívida pública que tiro do mercado, consigo emitir R$ 140 bilhões ou R$ 150 bilhões de dívida privada”, afirmou Campos (Valor, 13/08/19), levianamente, sem apresentar nenhum trabalho técnico para embasar o dito.
Apela para o “argumento de autoridade” para afirmar: “o Banco Central desenvolveu uma métrica batizada de Índice de Mercado Privado. Inclui total de bolsa mais o total de divida privada, para ter dimensão do desenvolvimento do mercado de capitais do país. “Chegamos à conclusão que a cada 10% que aumentasse esse índice aumentariao PIB em 0,4 ponto percentual”, disse o Neto. Onde está tal trabalho? É científico dizer, então, se o PIB no ano corrente aumentar apenas 0,8 ponto percentual, será em função da dívida privada ter se elevado 20%?!
Ciência exige medição. É risível essa declaração face ao seguinte dado. Até julho de 2019, o mercado de capitais doméstico registrou captação de R$ 206,8 bilhões. O volume captado no mesmo período do ano passado foi de R$ 153 bilhões, o que corresponde a um aumento de 35%. Já estaria garantido um crescimento anual do PIB de 1,4 ponto percentual?! Bom, quem sobreviver, verá…
Leia também: Dallagnol tem razão: é preciso ler Susan Ackerman, por Tânia Maria de Oliveira
O número de operações, segundo a ANBIMA, apresentou redução – de 526 até julho de 2018 para 473 emissões neste ano – uma queda de 10,1%. Na bolsa de valores estão listadas apenas 332 sociedades abertas, embora existam pouco mais de mil no país capazes de lançar títulos de dívida direta. As debêntures vêm sendo os instrumentos de captação com maior participação no volume emitido: 46,4% do total, equivalente a um montante de R$ 95,9 bilhões. Só.
O saldo do crédito ampliado ao setor não financeiro é 100 vezes maior. Alcançou R$ 9,7 trilhões em junho, elevação de 6,9% em doze meses, representando 138,3% do PIB. Dentre seus componentes, os títulos de dívida, públicos e privados, totalizaram R$ 4,1 trilhões, com variações de 9,9% em doze meses. Os empréstimos e financiamentos atingiram R$ 3,5 trilhões no mês, enquanto a dívida externa acumulou R$ 2 trilhões.
O crédito ampliado às empresas e famílias, exclusive governo geral, atingiu R$ 5,4 trilhões, 77,5% do PIB. Os empréstimos e financiamentos totalizaram R$ 3,4 trilhões, 93% dos quais referentes às operações de crédito do sistema financeiro nacional.
Os egressos dos bancos de negócios privados para privatizar a coisa pública estão indiferentes à estagnação da renda e à elevada taxa de desemprego (12%). Só louvam o componente títulos de dívida privados se manter como o mais dinâmico dentre o crédito ampliado, com taxas de crescimento de 34,4%, acumulando R$ 723 bilhões em junho segundo medição distinta do Banco Central. Por ser um mercado de capitais muito raquítico, dado o choque de demanda provocada pela queda (embora atrasada) da taxa de juro básica, a variação em 12 meses é muito superior à dos demais componentes muito maiores e historicamente mais importantes.
Leia também: Imazon registra aumento de 66% no desmatamento da Amazônia Legal em julho
O enriquecimento financeiro de seus parceiros enche de entusiasmo seus próceres no governo. A Caixa anunciou, no dia 15/09/19, a devolução, ao Tesouro Nacional, de mais R$ 7,35 bilhões relativos a “empréstimos perpétuos” sem vencimento concedidos para compor seu capital de nível II para alavancagem financeira do maior programa habitacional realizado na história do país, o Minha Casa, Minha Vida. Foram contratadas 5,6 milhões e já entregues 4,1 milhões de Unidades Habitacionais.
O banco já havia devolvido outros R$ 3 bilhões em junho, elevando para R$ 10,3 bilhões o total de pagamentos. O volume representa um quarto dos R$ 40 bilhões recebidos pela Caixa recebeu em Instrumentos Híbridos de Capital e Dívida (IHCD). O presidente da Caixa, ex-banqueiro de investimentos preposto pelo Guedes, reafirmou o objetivo de devolver R$ 20 bilhões à União neste ano, descapitalizando a Caixa em nome de uma pressuposta substituição de seu papel por bancos privados e mercado de capitais.
O sonho neoliberal é securitizar os créditos imobiliários indexados a partir de agora por IPCA (aprovado pelo CMN – Conselho Monetário Nacional nesta semana), vendendo no mercado de capitais CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) e criando uma bolha imobiliária à americana. A casta dos mercadores-financistas conseguirá a securitização de subprime brasileiro?!
Mas o zeitgeist (espírito da época) com o individualismo predominante e a carência coletiva de defesa do Estado nacional impôs mais uma derrota a uma instituição-chave para tirar o atraso socioeconômico do país: a Caixa Econômica Federal. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai permitir os tribunais do país contratem bancos privados para administrar os depósitos judiciais.
Os depósitos judiciais são verbas de particulares com ações na justiça. As partes depositam como garantia das discussões e ao final, quando houver o vencedor da disputa, os valores são levantados. A correção é igual à da poupança, hoje em 4,2% aa.
Historicamente, esses valores – estimados (sem comprovação) em mais de R$ 500 bilhões – ficam somente com as instituições públicas. O Banco do Brasil recebe a quantia decorrente dos processos em andamento na justiça Estadual e a Caixa Econômica Federal fica com o montante dos Tribunais Regionais Federais e da justiça do Trabalho.
Esses depósitos judiciais são uma vantagem competitiva para a Caixa atuar em seu “papel de Robin Hood”: ter ganhos em ações comerciais para compensar o prejuízo ou mesmo o equilíbrio em ações sociais como o financiamento de habitações para pessoas muito pobres. Seus depósitos a prazo totalizaram R$ 188,4 bilhões em março de 2019, redução de 0,5% em 12 meses. Essa variação foi impactada pelos depósitos em CDB ao recuarem 11% em 12 meses. Em compensação, os depósitos judiciais, com saldo de R$ 93,2 bilhões, apresentaram evolução de 13% em 12 meses.
Leia também: A economia no deserto, por Andre Motta Araujo
Esse tema chegou ao CNJ por meio de um pedido do Tribunal de justiça de São Paulo (TJ-SP). Após receber muitas benesses do banco público, desde prédios bem localizados até instalação de sistemas de informática, pretende abrir um processo de licitação onde possam concorrer bancos públicos e privados, ou seja, estes obterem lucro para seus acionistas com dinheiro público. O caso tem efeito vinculante para todos os tribunais.
O TJ-SP tem cerca de R$ 90 bilhões depositados no Banco do Brasil. Com a queda dos juros, recebe atualmente 0,25% ao mês. Os bancos privados estariam dispostos a pagar mais para administrar o montante. A quantia gerada apenas pelos depósitos judiciais do TJ-SP é superior aos saldos de depósitos à vista em alguns dos grandes bancos privados, por exemplo, Bradesco tem R$ 32 bilhões e o Santander, R$ 18 bilhões. Pode lastrear o cheque especial, cuja taxa média anual do cheque especial chega a 322% aa.
Esse ganho irá para bolsos privados – e não mais para a sociedade brasileira sob forma de dividendos pagos pelos bancos públicos?! Em média, o BB, o BNDES, a Caixa e a Petrobras foram responsáveis por mais de 90% da receita de dividendos arrecadada pelo Tesouro Nacional entre 2012 e 2015, alcançando 80% em 2016. Reajam, brasileiros!
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão
Apesar de Você (Chico Buarque)
*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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(…) O estandarte do sanatório geral
Vai passar
Chico Buarque
Emburrecidos pela TV e distraídos pelas patacoadas escatológicas do Messias, os brasileiros se mostram indiferentes à pátria surrupiada por seus prepostos. Não é por falta de avisos. “O objetivo do governo Bolsonaro é privatizar a maior parte das estatais e preservar apenas Petrobras, Banco do Brasil e Caixa – e mesmo assim, deixá-las mais magrinhas”, disse o Secretário Especial de Desestatização e Desenvolvimento do Ministério da Economia, Salim Mattar, um predestinado (Valor, 20/01/19).
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— “Isso, por enquanto, é uma brincadeira, uma especulação. Eu disse para ele (Castello Branco, presidente da Petrobras, outro predestinado) ficar alerta porque, na velocidade em que o presidente (Bolsonaro) está indo, pela prensa que está dando no Salim (Mattar, secretário de Desestatização), acho que já, já chega na Petrobras”.
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Leia também: Dallagnol tem razão: é preciso ler Susan Ackerman, por Tânia Maria de Oliveira
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