Não apenas a mídia, juízes e procuradores, até com greve de fome, pressionam o Supremo Tribunal Federal para que negue o habeas corpus a Lula. Militares da reserva também decidiram entrar na festa, como os generais Luiz Gonzaga Lessa e Paulo Chagas, inclusive com ameaça de intervenção militar. "Se acontecer tanta rasteira e mudança da lei – disse o general Lessa – aí eu não tenho dúvida de que só resta o recurso à reação armada. Aí é dever da Força Armada restaurar a ordem". O general provavelmente não conhece o mecanismo do regime democrático, pois quem faz e muda as leis é o Congresso Nacional. O Supremo apenas cumpre e faz cumprir as leis aprovadas pelo Parlamento. No caso presente, o que se espera é justamente que a Suprema Corte cumpra a Constituição, a Lei Maior, que determina que ninguém pode ser preso antes do trânsito em julgado, ou seja, antes do esgotamento de todos os recursos, o que significa que, de acordo com a Carta Magna, Lula não pode ser preso.
Outro general, Paulo Chagas, pré candidato ao governo do Distrito Federal, segundo o "Estadão", também abandonou o pijama para dizer a mesma coisa: "Nosso objetivo principal nesse momento é impedir mudanças na lei e colocar atrás das grades um chefe de organização criminosa já julgado e condenado a mais de 12 anos de prisão que, com o respaldo desse supremo fortim (o STF), tem circulado livre e debochadamente por todo o território nacional, contando mentiras, pregando o ódio e a luta de classes". O general Chagas também se equivocou, pois o chefe de organização criminosa, segundo a própria Policia Federal, é o presidente ilegítimo Michel Temer. E até hoje ele não disse nada sobre colocar Temer na cadeia, nem se manifestou contra a entrega do nosso petróleo, da Base Espacial de Alcântara e da Embraer para os americanos. A atitude desses dois generais, porém, embora da reserva, deve servir de alerta para os democratas deste país.
Não é difícil perceber que estamos mesmo vivendo "tempos estranhos", como costuma dizer o ministro Marco Aurélio Mello. Generais da reserva já ameaçam com intervenção militar, juízes e procuradores fazem manifesto contra o cumprimento da Constituição e até um procurador faz greve de fome para que um ex-presidente seja preso. O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato que a mídia transformou em celebridade por ter se juntado ao juiz Sergio Moro na perseguição covarde e despudorada a Lula, anunciou nas redes sociais que ficará em jejum e fará orações a Deus para que Lula seja preso, uma tentativa desesperada para chantagear o Supremo Tribunal Federal, para que negue o habeas corpus solicitado por sua defesa.
A atitude, além de revelar a sua imaturidade e despreparo para o cargo que ocupa e, sobretudo, para a tarefa para a qual foi designado, evidencía um fanatismo absurdo, que mistura religião com política, como se o seu Deus fosse diferente do Deus de Lula e do resto do mundo. Dellagnol, com esse comportamento, se mostra um farsante, um evangélico que substituiu o amor pelo ódio, orando ao Deus sanguinário de Moisés, que mandava matar sua própria criação, e que foi substituído depois pelo Deus de Jesus, Deus-pai, de amor, de bondade, de justiça. Deveria ser para este Deus que ele precisava orar: Deus de Justiça. Até porque, como evangélico, ele deveria saber que Jesus, na oração do monte, pregou: "Bem-aventurados os perseguidos pela Justiça, pois é deles o reino dos céus".
Paralelamente a essa atitude infantil do procurador-astro, que denota desequilíbrio, centenas de outros procuradores e juízes também decidiram exercer pressão sobre a Corte Suprema, produzindo um abaixo-assinado em que apelam aos ministros para que mantenham a prisão em segunda instância, negando o habeas corpus a Lula. Não tão fanáticos quanto Dellagnol, eles não pretendem jejuar e muito menos orar, talvez porque o Deus deles seja o deus-penduricalho, que engordou os seus salários. Todos eles, incluindo Dellagnol, poderiam aproveitar a oportunidade para, mostrando que realmente buscam a justiça, renunciar aos auxilios de toda ordem que recheiam suas contas bancárias, especialmente o auxilio-moradia, já que a grande maioria, senão todos, possui casa própria.
Se não fizerem nada que sugira boas intenções, ficará a impressão de que esse movimento não passa de uma manifestação política às avessas, ou seja, reivindicando ao Supremo que não cumpra a Constituição. É a primeira vez, na história deste país, que juízes e procuradores defendem publicamente o desrespeito à Carta Magna, o que cria sobre eles uma suspeição sobre o seu senso de justiça, com grave prejuízo para suas atividades profissionais.
A presidenta do Supremo, ministra Carmen Lúcia, que é a grande responsável pelo clima de tensão hoje existente e pelo desgaste da Corte ao se negar colocar em pauta a questão da prisão em segunda instância, foi para a televisão pedir serenidade e respeito à Constituição. Parece piada. As Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade sobre a prisão em segunda instância, desde dezembro de 2017 no STF à espera de decisão, já poderiam ter sido votadas há muito tempo, antes mesmo da condenação de Lula em segunda instância, mas a ministra Carmen, por um inexplicável ódio ao homem que a colocou na Corte, vem procrastinando desde aquela época em submeter a questão ao plenário. Tudo isso que está acontecendo agora, portanto, a ameaça de golpe militar por parte de generais da reserva, que chamam o Supremo de "fortim"; a revoada de juízes e procuradores contra a Constituição e, inclusive, o jejum cafajeste de Dallagnol, poderiam ter sido evitados. Agora ela deve arcar com o ônus da sua decisão política impensada.