1 - Os fatos:

A PF (Polícia Federal) intimou o professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) após evento com críticas à polícia. A PF investiga há cinco meses o professor de jornalismo da UFSC Aureo Mafra de Moraes, chefe de gabinete da reitoria, sob a suspeita de atentado contra a honra da delegada Erika Mialik Marena.

A delegada Erika foi quem deflagrou a operação "Ouvidos Moucos" da PF, que apurou supostos desvios de recursos federais na universidade. Antes de se transferir para Florianópolis a delegada participou da famigerada operação "Lava Jato", em Curitiba.

O professor Aureo Mafra de Moraes, investigado pela PF, foi chefe de gabinete do ex-reitor (UFSC) Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Cancellier que foi encontrado morto na manhã do dia 3 de outubro de 2017 (segunda-feira) no Beiramar Shopping, em Florianópolis.

No dia 14 de setembro, o reitor Cancellier foi preso em decorrência da Operação "Ouvidos Moucos", da Polícia Federal (PF), por suspeita de desvio de recursos dos cursos de Educação a Distância (EaD). Segundo a PF, o reitor Cancellier teria nomeado professores "que mantiveram a política de desvios e direcionamento nos pagamentos das bolsas do EaD". Ainda, de acordo com a PF, o reitor "procurou obstaculizar as investigações internas sobre as irregularidades na gestão do EaD".

O inquérito contra o professor Aureo Mafra de Moraes foi instaurado porque "policiais federais viram indícios de crimes de calúnia e difamação numa reportagem da TV UFSC, produzida por alunos, sobre o evento de aniversário de 57 anos da universidade, em dezembro".

Um vídeo, de cerca de três minutos, mostra os festejos e registra uma manifestação em defesa da universidade pública e homenagens ao falecido reitor Cancellier.

Segundo matéria da Folha/Uol "Aureo aparece na gravação em duas pequenas entrevistas. A primeira de seis segundos de duração., resume-se a uma frase incompleta por causa da edição. "[A] reação da sociedade a tudo aquilo nos abalou neste ano". Disse o professor de jornalismo em referência à morte do reitor Cancellier.

Enquanto o professor Aureo concedia a entrevista, aparecia uma faixa atrás dele com críticas aos responsáveis pela "Ouvidos Moucos". A faixa se referia aos "agentes públicos que praticaram abuso de poder contra a UFSC e que levou ao suicídio o reitor". O cartaz estampava fotos da delegada Erika, da Juíza Janaína Cassol que decretou a prisão de Cancellier, e do procurador da República André Bertuol.

O professor e chefe de gabinete da reitoria não fez qualquer menção à delegada nas entrevistas. No evento - que contou com uma bela apresentação de orquestra - Aureo ao se referir a Cancellier e a uma placa em sua homenagem disse: "é um tributo a uma pessoa que nos deixou de forma tão trágica, tão abrupta, e que tinha um compromisso gigantesco com esta instituição, colocando no lugar de honra que todos os reitores desta instituição têm guardado, que é a galeria dos reitores".

Segundo a Folha, a investigação contra o professor Aureo Mafra de Moraes começou em 27 de dezembro, quando o agente federal Renato Rocha Prado informou à direção da PF em Santa Catarina sobre a existência do vídeo onde aparece a faixa com a foto da delegada Érika. Já no dia seguinte, o delegado Luiz Carlos Korff Filho concluiu se tratar de "possível ocorrência de crime contra a honra (calúnia ou difamação)" e aguardou a representação da delegada feita em 23 de janeiro.

2 - Da Polícia Federal:

Com a extinção do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), polícia política do governo de exceção - braço repressor do Estado – que tinha como objetivo controlar e reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao regime, além da função de controle total do indivíduo, passou a ser de competência do Departamento de Polícia Federal a apuração das infrações penais contra a ordem política e social, decorrentes de atos que atentem contra os princípios estabelecidos na Constituição da República, especialmente contra o regime democrático nela consagrado.

O Departamento de Polícia Federal (DPF) ou simplesmente Polícia Federal (PF) é uma instituição policial brasileira, subordinada ao Ministério da Justiça (MJ). De acordo com a Constituição da República de 1988, a PF é órgão permanente instituído por lei, organizado e mantido pela União. Ela desempenha com exclusividade a função de polícia judiciária da União.

O importante papel desempenhado pela Polícia Federal nos últimos anos é inegável, com delegados e agentes cada vez mais qualificados. Contudo, necessário ressaltar que a PF como qualquer outra de um Estado democrático de direito tem seus limites estabelecidos pela Constituição e pela lei. Não pode e não deve a PF se transformar em uma polícia política para atender a interesses politicos ou, mesmo, agir por motivação política.

Sendo certo que algumas medidas, tais como: "grampos" telefônicos e interceptações diversas fora dos limites legais; espionagem; vazamento ou divulgação seletiva; prisões espetaculares e midiáticas, investigações secretas, torturas (psicológicas e físicas) e outras medidas antirrepublicanas afrontam o Estado democrático de direito.

Somente a polícia política de um Estado totalitário (nazifascista) e de um regime de exceção age à margem da lei e para satisfazer a interesses escusos. Importante ressaltar, que no Estado de direito há uma supremacia da lei sobre a autoridade pública. O Império da Lei prevalece sobre o Império dos Homens. A soberania no Estado de direito pertence à lei. De igual modo, o Estado Democrático de Direito está vinculado à Constituição da República como instrumento de garantia jurídica.

3 - Liberdade de manifestação:

A liberdade de expressão, incluída como liberdade de pensamento, está ao lado da liberdade de opinião, de culto, de ensino, de crença e organização religiosa. Assim, a liberdade de pensamento deve ser atendida como a soma de todas as liberdades citadas. Distinguida, por isso, como a liberdade primária da qual derivam as demais, neste particular.

Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 a liberdade de expressão ganhou status de direito fundamental, incluída e assegurada no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" (art. 5º, IV).

Durante a ditadura militar (1964-1985), o projeto político foi marcado pelo despotismo, autoritarismo e fascismo, bem como pela extinção dos direitos e garantias constitucionais, perseguição política, encarceramento, tortura e longo sofrimento imposto aos opositores do golpe. Além da determinação da censura aos meios de comunicação e à indústria cultural, englobando a editoração de livros e revistas, a produção cinematográfica e teatral, a composição de músicas, que às vezes eram censuradas unicamente pelo nome escolhido pelo compositor, e até mesmo a programação televisiva era censurada previamente.

A censura durante o regime militar foi um dos elementos mais marcantes da austeridade do regime autoritário e de exceção que governava o país. O povo brasileiro era controlado pelos órgãos do governo que tentavam transparecer a paz e a estabilidade social no país tendo como sustento o desenvolvimento econômico, o fantasmagórico combate a corrupção e a luta contra os "terroristas".

Hodiernamente, em pleno século XXI, em um país que se pretende democrático não há espaço e nem lugar para censura, como dito, própria de regimes autoritários e de exceção.

4 - Conclusão:

A morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), de maneira trágica, chocou todo o país em outubro do ano passado. Não somente pela maneira como ocorreu – suicídio em um shopping center – mas, principalmente, pelas razões que levaram o reitor a cometer o ato extremo.

Um bilhete foi encontrado no bolso da calça de Luiz Carlos Cancellier de Olivo com os seguintes dizeres: "Minha morte foi decretada no dia do meu afastamento da universidade".

Talvez por isso, os fatos que decorreram de mais uma, de tantas espetaculosas e midiáticas operações da PF, em conjunto com o MP e com aval do judiciário, esteja perturbando tanto aqueles que atuaram em nome do Estado penal, alimentados pela mídia opressiva e punitivista.

Contudo, ao que parece, desgraçadamente, ela (censura) voltou ou nunca foi embora. Quando se imaginava que a censura tinha sido sepultada, definitivamente, ela renasceu das cinzas como Fênix. A censura voltou na mordaça que é imposta aos magistrados que defendem a legalidade democrática e o Estado constitucional, mas ela, também, retornou nas decisões autoritárias que como da PF em Santa Catarina impede a livre manifestação. A censura voltou tentando calar a todos que se colocam contra o autoritarismo e o fascismo. A censura voltou. Às vezes mascarada, travestida, dissimulada. Outras vezes, abusada e escancarada.

Desgraçadamente, com base no discurso da impunidade, o autoritarismo em suas diversas formas vem abarcando adeptos da necessidade de se aumentar a repressão e cercear direitos. Direitos e garantias constitucionais e fundamentais resultante de conquistas históricas são considerados, no discurso do autoritarismo, estorvos para desejada segurança pública.

A Polícia (Federal, Civil e Militar), em um Estado Democrático de Direito, deve agir de acordo com os limites impostos pelo Estado Constitucional, sem perder de vista os direitos e garantias do indivíduo. O Estado policial é incompatível com a democracia. Por fim, não é demais martelar que o respeito a dignidade da pessoa humana é postulado do próprio Estado Democrático de Direito. E é em nome deste, tão proclamado Estado Democrático de Direito que deve ser repudiada a tentativa abominável de criminalização da livre manifestação de pensamento e crítica.