Belo Horizonte convive com fechamento de teatros e queda da atividade

Segundo o Sinparc, entre 2005 e 2015, dez teatros particulares foram fechados na capital mineira

A história do Teatro Francisco Nunes foi pintada com as cores ricas que remontam a um tempo efervescente na cena cultural de Belo Horizonte. Conhecido como “Teatro de Emergência”, por “tapar o buraco” no interregno entre o fechamento do Cine Teatro Metrópole e a inauguração do Palácio das Artes, nos anos 60, o Chico Nunes foi palco para grandes nomes da MPB, como Elis Regina, Vinicius de Moraes e Baden Powell. Perto dali, o Teatro Marília foi palco de importantes nomes da cena mineira na mesma década de 60. Jota Dângelo, Pedro Paulo Cava e Wilma Henriques eram alguns dos que se apresentavam por ali.

Anos mais tarde, já em meados dos anos 90, o Chico Nunes se tornou o QG da equipe das primeiras edições do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua, o FIT-BH, sob a direção de Carlos Rocha. Antes disso, ainda na década de 80, o Marília era, além de teatro, ponto de encontro da classe artística, com o Bar Stage Door, que ficava na sua sobreloja.

O histórico de ambos os teatros municipais demonstra sua importância para artistas e público, que se acostumaram com as peças que se apresentavam. Daí veio a administração do prefeito Marcio Lacerda e ambos foram fechados: o Chico Nunes, pelo período relativamente extenso de cinco anos, e o Marília, por um. Com isso, a relação criada com o público da cidade por meio de anos de programação intensa foi sendo aos poucos minada. Hoje, as casas – reabertas em 2014 – ainda não conseguem consolidar uma rotina de bons públicos com sua programação.

“É curioso pensar nessa comparação entre os teatros e os espaços públicos e particulares. A rede pública não tem autonomia, não tem gestão e tem pouco financiamento. De alguma forma, isso implica que os gestores desses espaços sejam meros administradores de pauta”, pontua Chico Pelúcio, coordenador do Galpão Cine Horto, espaço cultural que funciona há 20 anos na zona Leste de Belo Horizonte. “Esses espaços têm dificuldade para atrair público porque não conseguem criar uma identidade, uma cara para a programação que oferecem”, completa.

A diretora de ação cultural da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Aline Vila Real – responsável pela gestão dos teatros municipais –, garante que a gestão do secretário Juca Ferreira tem interesse em pensar novas estratégias para voltar a fazer do teatro Francisco Nunes uma referencia na cidade. “Estamos tentando fazer com que esses espaços voltem para a cidade. Como fazer que sejam convidativos? O que podem ter de atrativo para a população? É importante pensar em formas de habitar esses espaços com áreas de convivência. Um café no foyer, por exemplo. Ou a possibilidade de terem bibliotecas com obras sobre teatro”, destaca.

Pensando em um contexto mais amplo, os espaços públicos da cidade não acompanham a produção teatral local, nacionalmente respeitada. Para se ter uma ideia, o Francisco Nunes e o Marília foram abertos na década de 60 e somente em 2015, ou seja, 50 anos mais tarde, a prefeitura voltou a investir num espaço cênico.

Localizado no bairro Alípio de Melo, o Teatro Raul Belém Machado teve seu projeto votado por meio do Orçamento Participativo, sendo inaugurado em 2015. Com plateias móveis e vasta área externa, o espaço é polivalente: pode abrigar espetáculos, performances e sua esplanada comporta, com tranquilidade, feiras ou mesmo uma lona de circo. O espaço já recebeu algumas mostras temáticas, como a Mostra de Teatro e Direitos Humanos, proposta pela companhia ZAP 18 e pelo grupo Os Conectores, mas tem concentrado sua ocupação com espetáculos de comédia produzidos pela Cia. Leo e Leo. Para o segundo semestre de 2018, o espaço e os dois outros teatros municipais terão a ocupação decidida por meio de edital. O resultado da seleção deve sair no próximo dia 18.

Uma reivindicação de alguns artistas é que os editais ofereçam algum apoio financeiro para as temporadas, de modo a potencializar a produção e sua respectiva divulgação. Segundo Aline, no edital lançado mês passado, não foi possível colocar em prática tais reivindicações, mas ela diz que “tudo está numa grande nuvem sobre nossas cabeças”. “Abrimos um edital com mudanças pequenas, mas significativas. A primeira foi pensar uma gama maior de linguagens para ocupar os espaços. Às vezes, os proponentes mostram uma nova viabilidade de ocupação. É importante ouvir a vocação desses espaços. Também recebemos propostas de pessoas física, o que é uma mudança também”.

A diretora da FMC destaca que a atual gestão está pensando em formas de integrar e potencializar o uso dos espaços públicos. Há o exemplo de outras cidades, como Rio de Janeiro, onde artistas ocupavam teatros e geriam espaços públicos em parceria com o poder público. “Não necessariamente será no teatro, pode ser em outros espaços. Estamos tentando criar um pensamento comum em torno dos equipamentos disponíveis da Fundação Municipal. Temos centros culturais, museus, espaços que podem ser ocupados por artistas e grupos locais em parcerias que podem gerar outros frutos para essas regionais. Será que os centros culturais poderiam estabelecer parcerias com a cidade? Tudo isso está na nossa citada nuvem. Como a possibilidade de um circuito municipal de cultura, trabalhando coletivamente para otimizar os espaços em suas características”, salienta Aline.

Poucas opções

Belo Horizonte tem apenas três teatros públicos municipais: Marília, Francisco Nunes e Raul Belém Machado. A Fundação Municipal de Cultura deve anunciar o resultado da ocupação dos teatros até 18 de maio.

Fechados!

Segundo o Sinparc, entre 2005 e 2015, dez teatros particulares foram fechados em BH. E outros três estariam correndo o risco de encerramento das atividades: Imaculada, Teatro da Cidade e Kléber Junqueira.