Com a vacinação abaixo da meta estipulada pelas autoridades, especialistas alertam para o perigo do retorno de enfermidades consideradas controladas. O sarampo, por exemplo, voltou a infectar dois anos depois de ser contido no país
Por:AE
De nove vacinas prioritárias do calendário infantil, nenhuma atingiu a meta de 95% de imunização no ano passado. A maior parte delas ficou, em média, na casa dos 70%. O dado explica um fenômeno que tem preocupado autoridades de saúde: a volta de doenças consideradas controladas. Febre amarela, sarampo, difteria, tétano, coqueluche e o risco da poliomielite mostram como o desleixo com a vacinação trouxe para o Brasil enfermidades do passado, sinônimo de atraso.
No início do século 20, as doenças imunopreveníveis, como poliomielite e varíola, eram endêmicas no país. Elas causavam elevado número de casos e mortes. As ações de imunização e, especialmente, os 44 anos de existência do Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde, foram responsáveis por mudar o perfil epidemiológico das doenças imunopreveníveis. Essa é considerada uma importante conquista da sociedade brasileira.
O presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri, alerta que, em mínimos descuidos, as doenças retornam. “A lição é que o relaxamento das ações de imunização não é bom e tem seu preço. O controle e a eliminação das doenças se mantêm com a vacinação contínua. É um equívoco acreditar que as doenças não estão infectando porque deixaram de existir. Sem vacinação, os riscos de essas doenças do passado voltarem são constantes”, pondera.
O Brasil já vive problemas causados pelo abandono das vacinas. O sarampo voltou a infectar dois anos depois de ser erradicado. A circulação do vírus na Venezuela, aliada à baixa imunização no Brasil, desencadeou surto no Norte do país, sobretudo no Amazonas e em Roraima. Ao todo, seis unidades da Federação registraram casos. Quase mil pessoas adoeceram este ano. Além disso, a mortalidade infantil teve a primeira alta em 26 anos. Desde 1990, isso não acontecia.
O risco de contaminação subiu enquanto a parcela da população imunizada caiu. As vacinas que protegem contra o mal tiveram queda. A tríplice viral passou de 96% de cobertura da população em 2015, para 83,87% no ano passado. A tetraviral saiu de 77,37% para 70,6% no mesmo período. O mesmo aconteceu com a poliomielite. A cobertura caiu de 98,29% em 2015, para 84,43% em 2016. No ano passado, mais um decréscimo: 77%.
Mas não para por aí. O Brasil registrou um crescimento no número de casos de hepatite A em 2017, com 2.086 confirmados, contra 1.206 em 2016, um aumento de 73%. Entre julho de 2017 e maio deste ano, o Ministério da Saúde confirmou 1.266 registros de febre amarela no país e 415 mortes. Houve ainda 1.548 casos de coqueluche, surtos de caxumba — a doença não é de notificação obrigatória, entre outros males.
A presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabella Ballalai, explica os riscos de se boicotar as vacinas. “Não vacinar adolescente e adulto já é um risco. Deixar de proteger as crianças é ainda maior. O perigo é ter de volta doenças que estavam controladas, como o sarampo. O risco deixou de ser teórico e se tornou realidade. Essas doenças, quando não matam, deixam sequelas graves. A pólio deixou um sem-número de famílias que convivem com as sequelas da doença até hoje”, ressalta.
O Ministério da Saúde alerta que a vacinação é de extrema importância para evitar doenças e suas sequelas (como surdez, cegueira, paralisia, problemas neurológicos, entre outros) e, consequentemente, a morte, proporcionando qualidade de vida para toda a população, além de evitar que doenças se propaguem. “No Brasil, ainda há um desconhecimento individual sobre a importância e os benefícios das vacinas. Em muitos casos, pais e responsáveis não vêm mais algumas doenças como um risco, como é o exemplo da poliomielite. Por isso, é necessário ressaltar a importância da imunização e desmistificar a ideia de que a vacinação traz malefícios”, destaca o órgão, em nota.
Embora o Brasil esteja livre da paralisia infantil, por exemplo, é fundamental a continuidade da vacinação para evitar a reintrodução do vírus da poliomielite no país. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, três países ainda são considerados endêmicos (Paquistão, Nigéria e Afeganistão). Com relação ao sarampo, tem-se registro de casos em alguns países da Europa e das Américas, inclusive na Venezuela, que faz fronteira com o Brasil. Atualmente, há registro de casos em Roraima, Amazonas, Rio Grande do Sul e São Paulo.
“Retrocessos”
Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, defende que governo e sociedade civil se unam para combater o problema e evitar retrocessos. “Temos que ter um conjunto de ações para recuperar a crença na vacina. Tudo depende da informação correta. A primeira coisa a se falar é que as vacinas são eficazes e importantes na prevenção de doenças graves”, conclui.
Pedro Luiz Tauil, especialista em medicina tropical e controle de doenças da Universidade de Brasília (UnB), avalia a necessidade de maior controle dos registros. “Temos que ver como os estados estão notificando a vacinação. Isso é importante para sabermos se houve uma redução ou se a notificação está ruim. Independentemente disso, a vacina é a principal medida custo-benefício na prevenção de saúde. Isso revolucionou o mundo. Eliminamos muitas doenças com as vacinas. A varíola não existe mais por conta da vacina”, explica.
Eduardo Espíndola, especialista em doenças infectocontagiosas, defende que essas enfermidades são difíceis de combater, mas é possível fazer o controle. “Há muitos anos não vemos casos de pólio. O sarampo estava erradicado. Já nos casos de coqueluche, percebemos vacâncias na vacinação das mães e dos bebês. O mais importante é fazer o monitoramento para ver a frequência. Manter um diagrama de controle contínuo e não abrir mão das vacinas”, avalia.