Uma combinação de fatores faz o câncer de próstata ser tão perigoso quanto negligenciado. Por um lado, muitos pacientes diagnosticados com a doença, cuja chance de cura chega a 90% se a identificação for precoce, não apresentavam sintomas. E, mesmo quando há manifestações de, por exemplo, dificuldade ou de necessidade de urinar mais vezes durante o dia ou à noite, os sinais podem indicar o crescimento apenas benigno do órgão. Como, historicamente, os homens têm atitude menos proativa do que as mulheres no que se refere aos cuidados com a saúde, o fato de a enfermidade ser assintomática funciona como estímulo para que eles continuem evitando ir ao médico, afinal, tudo parece estar bem. 

Assim, a silenciosa evolução dos tumores na glândula responsável pela produção de sêmen, localizada abaixo da bexiga e à frente do reto, somada ao medo e ao preconceito levam muitos a se descuidarem, procurando auxílio médico apenas após o aparecimento de sinais que evidenciam um quadro mais grave do problema de saúde, como perda de sangue na urina, obstrução do jato urinário e, se já tiver ocorrido metástase, dor óssea. Detalhe: ainda que o problema tenha se tornado evidente, boa parte desses pacientes só buscam ajuda por insistência de suas parceiras: segundo levantamento realizado pelo Centro de Referência em Saúde do Homem do Estado de São Paulo, 70% comparecem às consultas ao lado de suas mulheres. 

Se o cenário já era desfavorável, a pandemia da Covid-19 pode tê-lo piorado ainda mais, pois há evidências de uma redução no número de consultas médicas neste período. Uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), por exemplo, mostrou que a procura por cirurgias eletivas urológicas caiu 50% desde março, quando o novo coronavírus foi oficialmente detectado no país. Já um estudo que investigou como a emergência sanitária pode afetar os tratamentos oncológicos em todo o mundo, publicado pelo renomado periódico científico “The Lancet”, estimou que a mortalidade por problemas relacionados a cânceres pode subir em 15% dado que menos pessoas têm buscado tratamento, informa a oncologista clínica Ana Izabela Kazzi. 

Isso significa que, conforme estimativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca), boa parte das mais de 65 mil pessoas que devem desenvolver tumores na próstata neste ano não vão sequer chegar a descobrir a doença, atrasando o diagnóstico de uma enfermidade que já mata mais de 15,5 mil brasileiros todos os anos, sendo o segundo tipo de câncer mais comum do Brasil, atrás apenas do de pele e, em números absolutos, com mais ocorrências do que o de mama. 

Fundador e presidente do Conselho de Administração do Grupo Oncoclínicas, Bruno Ferrari vê a campanha do Novembro Azul como aliada para superar esse obstáculo sociocultural, que faz com que muitos só façam a descoberta do tumor já em estágio avançado. E isso não é apenas no câncer de próstata. “O câncer de pênis, por exemplo, ainda pouco falado, é responsável por mais de mil amputações por ano no Brasil. E há tumores testiculares. Ainda que menos prevalentes (2% e 5% dos casos gerais de câncer, respectivamente), esses cânceres também merecem atenção. O incentivo a uma rotina de consultas médicas pelo público masculino é fator determinante para que possamos frear esses índices”, avalia. 

Idade é o principal fator de risco, e consulta médica, o melhor aliado contra a doença 

A oncologista clínica Ana Izabela Kazzi também destaca a importância da ação de conscientização neste ano. Ainda há poucas certezas sobre comportamentos de risco que levam ao desenvolvimento de tumores prostáticos – acredita-se que tabagismo e sedentarismo são alguns deles. Certo mesmo é que a idade aparece como fator relevante. Estima-se que 75% dos diagnósticos sejam de homens que têm a partir de 65 anos. A especialista assevera que os índices de mortalidade são 2,4 vezes maiores em pacientes negros.

A hereditariedade é outro elemento a que se deve estar atento: “Quem tem parente de primeiro grau que tenha tido câncer de próstata tem duas vezes mais risco de também receber o diagnóstico. O risco aumenta se o parente teve a doença com menos de 50 anos. E as chances são multiplicadas em cinco se mais de um familiar (consanguineamente) próximo teve o problema de saúde”, observa Ana. 

Entre as medidas de prevenção a serem adotadas, a oncologista destaca ser fundamental a realização de consultas preventivas a partir de 50 anos, para pessoas que não estão no grupo de risco e, para pessoas negras ou com casos na família, a partir dos 45 anos – a regra é válida também para mulheres travestis e transexuais e pessoas intersexuais.

Outras ações que podem ajudar a evitar o aparecimento da doença passam pelo combate ao sedentarismo, pela adoção de hábitos saudáveis e pelo combate ao tabagismo e ao uso excessivo de álcool. Ana frisa que, mesmo com uma rotina sadia, o acompanhamento médico segue sendo crucial. 

Como a enfermidade é invisível e silenciosa, o rastreamento é feito com a dosagem do antígeno prostático específico (PSA), realizada por meio de exame de sangue, em conjunto com o exame físico, o toque retal. “Pacientes que têm inflamação da próstata e hiperplasia prostática vão apresentar alterações no PSA. Portanto, sozinho, o teste não é capaz de identificar o câncer. Daí a necessidade do toque retal, sendo possível identificar nódulos ou se a glândula está endurecida”, pontua Ana, lembrando que o recomendável é que a avaliação seja feita anualmente. 

“Um dos principais objetivos do diagnóstico precoce, além de permitir a adoção de tratamentos menos invasivos e promover chances de cura que podem passar de 90%, é evitar que o paciente tenha outros impactos à saúde em geral. A vigilância ativa poupa os pacientes de possíveis efeitos colaterais do tratamento cirúrgico ou radioterápico. Por outro lado, quando o câncer de próstata é identificado em estágios mais avançados, o tratamento indicado acaba sendo mais agressivo, podendo comprometer inclusive a produção de testosterona. A falta desse hormônio gera, entre outros, elevação no risco de distúrbios cardiovasculares, impotência sexual e distúrbios cognitivos”, completa o oncologista clínico Andrey Soares, do Grupo Oncoclínicas e diretor científico do LACOG-GU (Latin American Cooperative Oncology Group-Genitourinary). 

Tratamento. A oncologista Ana Izabela Kazzi pontua que o tratamento do câncer de próstata dependerá da avaliação da extensão da doença. Se o tumor estiver localizado e sem características agressivas, pode-se adotar apenas uma vigilância ativa, de forma a monitorar a evolução do quadro. Caso a enfermidade esteja progredindo, pode-se optar por procedimentos cirúrgicos, radioterapia e tratamento hormonal – a combinação das três condutas é também uma opção. 

Nos casos em que há mestástase, “os últimos anos têm trazido ótimas notícias para os pacientes com a chegada de diversas novas drogas, tais como uma nova geração de quimioterápicos, terapias hormonais e radioisótopos, moléculas inteligentes com pequena ação radiante que pode tratar diretamente os tumores”, afirma Andrey Soares, ao que Ana Izabela acrescenta que as novas modalidades têm trazido mais bem-estar aos pacientes em tratamento. 

Cânceres de pênis e testículo podem ser identificados com o autoexame 

No caso do câncer de pênis, comportamentos sexuais considerados de risco – isto é, com diversas parcerias e desprotegido – e maus hábitos de higiene aumentam as chances de surgimento de tumores. Quanto ao câncer de testículos, que é mais raro, há poucas informações. Sabe-se que esses tumores costumam aparecer em pessoas jovens, com cerca de 35 anos. Nos dois casos, o autoexame pode revelar tumores.  

“É preciso estar atento a feridas e lesões que possam aparecer no órgão e que busque identificar nódulos por meio do toque. Sintomas como dor na região também servem de alerta”, expõe o residente em urologia do Instituto Mário Penna Marcelo Cançado Frois, inteirando que, se a identificação é precoce, podem-se retirar as partes do tecido que estão doentes por meio de cirurgia. O tratamento é complementado por terapias oncológicas. “Na maioria dos casos, é possível retomar as funções fisiológicas e sexuais”, informa. 

Pessoas transexuais, travestis e intersexuais, mesmo que tenham feito cirurgia de redesignação de gênero, também devem estar atentas a esses sinais, pois os tumores podem se desenvolver nos tecidos residuais do pênis e dos testículos.