CRISE


Depois de passar o período da pandemia do coronavírus evitando entrar em atrito com o governo federal e com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), tem, nos últimos dias, se distanciado da imagem do chefe do Planalto e endurecido as críticas à condução realizada por Brasília diante da crise sanitária. 

O desgaste do governador com políticos ligados ao presidente começou há alguns dias, quando o Estado implementou a Onda Roxa em algumas regiões no programa Minas Consciente, no qual, entre algumas medidas, estão o “toque de recolher” entre 20h e 5h e o fechamento do comércio não essencial. Pesou também o agravamento da doença pelo país e, politicamente, o fato de o Partido Novo se posicionar formalmente como oposição ao governo federal em Brasília.

Anteontem, quando a Onda Roxa começou a valer em todo o Estado, Zema participou de uma entrevista pelas redes sociais com a jornalista Leda Nagle e endureceu as críticas ao presidente. Ao responder que não teria alternativa a não ser decretar o lockdown, o governador disse que a outra opção, que seria a vacina, “está em uma velocidade aquém do que deveria”.

Momentos depois, ao explicar como funcionam as medidas de restrição em Minas, Zema voltou a criticar o governo federal. Entre as queixas, a “falta de condução adequada”, a “guerra de comunicação” e o menosprezo à gravidade da pandemia. “O que nós estamos fazendo em Minas Gerais são aquelas medidas que fazem com que fiquem funcionando apenas as atividades essenciais, aquelas que fornecem alimentos, farmácias, postos de combustíveis, mas o restante das atividades fica com funcionamento suspenso por 15 dias. Houve muita falha de coordenação central, que até hoje não existe”, declarou.

Zema defendeu que o governo federal criasse, desde o início, protocolos para que todos os Estados e municípios pudessem proceder de forma uniformizada no combate ao coronavírus. “Mas nós começamos a ver, infelizmente, foi uma guerra de comunicação. Então a sociedade acabou não tendo a informação necessária, não tendo esclarecimento necessário”, disse. 

Sobre o novo titular do Ministério da Saúde, o quarto desde o início da pandemia, em março do ano passado, o governador disse esperar que “o novo ministro que está aí ainda consiga fazer alguma coisa, apesar de ser muito tarde dentro desse cenário”.

Motivos

A reportagem procurou mandatários e pessoas ligadas ao Partido Novo para entender os motivos para a mudança de postura do governador. Todos, sem exceção, disseram que não há um descolamento de imagem entre o chefe do Executivo mineiro e Bolsonaro. “O governador sempre foi imparcial. Ele defende seus pontos de vista, pensando sempre no seu dever de governador e no que se comprometeu ao ser eleito”, disse uma das fontes.

O deputado federal Tiago Mitraud avaliou as críticas feitas pelo governador como pertinentes e que refletem as falhas da União. “Quem antes achava que ele estava se colando no governo por elogiar uma medida positiva, pode ser que agora enxergue que ele está querendo se descolar, uma vez que há cada menos coisas a se elogiar no governo federal, e as questões a se criticar vão aumentando”, declarou.

A assessoria do governo foi procurada, mas não havia respondido até o fechamento da reportagem.

Repúdio

Ao longo da pandemia, os governadores enviaram diversas cartas e notas de repúdios ao Planalto pelos mais diversos motivos. Por mais de uma dezena de vezes, o governador mineiro não endossou os documentos. Em outras ocasiões, Zema saiu em defesa do presidente da República contra os textos. “Se ele arrotar, vai virar motivo de alguém se manifestar”, disse.

No início deste ano, Zema afirmou em entrevista a uma rádio que os problemas do Brasil são complexos e que “criticar por criticar” não resolveria os problemas. Para ele, o presidente “pode ter os erros dele, mas também tem os acertos, mas vê que é uma pessoa bem-intencionada”.

No início do mês, governadores voltaram a enviar cartas de repúdio a Brasília. Zema, entretanto, não endossou, mais uma vez, o documento. 

Ingratidão

No início do mês, ao cumprir agendas em Brasília e visitar o presidente Jair Bolsonaro, o governador Romeu Zema também apareceu em uma publicação feita pelo deputado estadual Bruno Engler (PRTB) ao lado do deputado federal Cabo Junio Amaral (PSL). Os parlamentares elogiaram o governador por não ter assinado, na ocasião, com outros governadores, uma carta de repúdio ao presidente. O chefe do Executivo mineiro disse, no vídeo publicado por Engler, que procurava resolver os problemas e que atacar é muito fácil.

Nos últimos dias, entretanto, Engler fez um discurso contra o governador na tribuna da Assembleia Legislativa (ALMG). Questionado pela reportagem sobre as declarações dadas por Romeu Zema recentemente, Engler afirmou que “é de profunda ingratidão e beira a canalhice” o governador reclamar da velocidade da vacinação.

“Eu não sei o motivo dessa mudança de postura do governador, não sei a questão partidária interna, não sei se é alguma orientação, não sei quem está aconselhando o governador nesse processo e por que é que ele está tomando esse rumo. Só acho que é lamentável, ele vinha sendo tratado com muito respeito pelo governo federal. Tem gente que sempre fala que Bolsonaro é negacionista, o governo, desde que as vacinas foram aprovadas pela Anvisa, trabalhou muito para comprá-las. Governador reclamar de vacina é de profunda ingratidão e beira a canalhice”, disparou o deputado.

Engler afirma que mantém o vídeo com Romeu Zema nas suas redes sociais porque quem mudou de postura foi o governador mineiro, e não ele.