RACHA

A votação da reforma tributária na Câmara dos Deputados colocou uma lupa sobre uma cisão pré- anunciada no partido de maior representação na Casa. Com 99 parlamentares, o Partido Liberal (PL), tradicional legenda do ‘Centrão’, experimentou uma explosão no número de vereadores ao trazer para seu quadro o ex- presidente Jair Bolsonaro e, com ele, alguns de seus representantes mais histriônicos.

Quando a pauta econômica chegou ao plenário com mais força e após o derrame de milhões de reais em emendas parlamentares pelo governo federal, a divisão do partido entre os bolsonaristas apaixonados e nomes mais moderados ficou clara. Na bancada mineira não foi diferente e conta com um elemento a mais, a aproximação crescente do governador Romeu Zema (Novo) do 22 nas urnas.

 

Os parlamentares a aprovaram a reforma em dois turnos com larga margem no que foi considerada uma das mais importantes vitórias da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), no Legislativo. No segundo turno, o projeto teve aval de 375 parlamentares contra 113 contrários. Dos que votaram a favor, 20 eram do PL. Embora o número seja minoria na bancada de 99 nomes do partido, a adesão surpreendeu por ir contra a orientação da legenda e do ex-presidente Bolsonaro e foi motivo de brigas internas.

Nos dias que sucederam a votação, o noticiário passou a divulgar uma briga no grupo do WhatsApp do PL protagonizada pela ala bolsonarista e pelos parlamentares mais moderados. Trechos vazados da discussão mostram que a celeuma chegou à bancada mineira.

"O Globo", por exemplo, veiculou uma mensagem indignada do deputado Junio Amaral (PL-MG) sobre a adesão de colegas à pauta considerada governista: "Essas tentativas de justificar o voto aqui no grupo da bancada fica parecendo que nós, bolsonaristas, somos otários para acreditar que se trata de um posicionamento verdadeiro a favor do texto, me ajuda aí. Como se ninguém soubesse como funciona".

O parlamentar está entre os oito mineiros do PL que votaram contra a reforma; só três votaram a favor. Em entrevista ao Estado de Minas, Amaral disse que não há reuniões prévias entre a bancada do PL mineiro para definir votos e que cada parlamentar toma suas decisões livremente. O deputado justificou a mensagem no grupo e levantou hipóteses sobre a responsabilidade do vazamento da conversa.

"Minha fala no grupo foi em um ambiente interno e, provavelmente, vazada por alguém dessa ala fisiológica. Eu me posicionei em repúdio aos parlamentares que tentam fazer a gente de bobo e acham que nós somos ingênuos de acreditar que eles têm um posicionamento próprio a favor daquele texto ou de outros que já votaram junto com o governo. Isso é uma farsa. Não vou atacá-los por isso, mas os motivos não são as próprias convicções. É meu posicionamento, não faço ataques pessoais a nenhum deles, mas tenho total liberdade para criticar esse posicionamento assim como eles podem criticar o meu", afirmou.

A crítica ao que considerou um comportamento fisiológico dos colegas acontece em meio à liberação recorde de emendas parlamentares pelo governo federal. O Executivo tem adotado uma postura de liberar valores ao Legislativo de forma porcionada às vésperas de votações importantes e, antes da reforma tributária, bateu um recorde ao destinar R$ 5,4 bilhões reservados do orçamento para os deputados. PP e PL foram as legendas mais beneficiadas.

Lincoln Portela, 1º vice-presidente da executiva estadual do PL, é outro dos que votaram contra a reforma tributária. À reportagem, o deputado se disse desconfortável com a rapidez com que a pauta tramitou na Câmara até a votação, considera que o país está vivendo uma transição para uma agenda comunista, mas contemporiza sobre a postura de seus colegas de bancada mineira que decidiram votar a favor da PEC.

"Há uma discussão aberta no partido da ala bolsonarista e da ala que foi eleita por causa do bolsonarismo, mas que não está agora votando de acordo com as orientações do ex-presidente. É um direito de cada um. A partir do momento que eu sou um livre pensador, eu fui eleito e tenho um mandato, sou livre para votar como quiser. O que não quer dizer que eu concorde com a maneira como eles votaram. Eu não concordo com a maneira como a reforma tributária foi colocada. Estão há 50 anos trabalhando a reforma tributária e, em uma semana, você convoca os deputados para votar, até tarde, sem se aprofundar nos prós e contras, nas minúcias da matéria e nas mudanças no texto. As entrelinhas é que são complicadas", afirmou.

A favor 

Samuel Viana foi um dos deputados do PL mineiro que votaram a favor da reforma junto de Rosângela Reis e Zé Vitor. O parlamentar já adota um tom mais moderado desde o período eleitoral e se afasta da possível imagem de bolsonarista que a filiação ao PL poderia lhe conferir. Ele destaca que os representantes bolsonaristas da legenda em Minas não costumam se sobressair nas discussões na Câmara.

"Quando vamos reunir a bancada mineira como um todo, tenho notado que essa parte ideológica não tem tanto peso. Normalmente, os parlamentares ligados à ala mais extrema não participam dessas discussões ligadas a grandes obras de minas, rodovias e tal. Porque a agenda deles está ligada a pautas de costumes", disse.

Viana destacou à reportagem que o PL tem voto fechado em pautas relacionadas a costumes como a liberação de drogas e ampliação da legalização do aborto, mas acolhe divergências em temas econômicos. Ele criticou colegas de partido que se recusam a dialogar e analisar as propostas do governo pelo fato único do partido se colocar como oposição ao Planalto.

"Essa oposição por oposição, é, no meu entendimento, radical. Isso não comunica com meus eleitores e é uma posição da qual eu tenho me afastado. Mas o problema é que essa ala busca uma unidade do partido para mostrar força e, quando nós saímos dessa pauta de costumes e entramos em pauta de políticas públicas, votando contra o que eles querem eles fazem esse canibalismo político. Vão à internet nos chamar de traidores, de melancias e afins", comentou.