Terras indígenas e unidades de conservação localizadas no pulmão do mundo
estão na mira das eleições deste domingo
À bordo de uma caminhonete robusta, Almir Narayamoga Suruí, acelerou. “Segura, tá?”, disse ele à repórter do EL PAÍS, enquanto o veículo atravessava parte da selva amazônica, rumo à Terra Indígena Sete de Setembro. É ali que mora seu povo, que lhe dá o sobrenome, a etnia Suruí Paiter. “Temos medo”, diz Almir, ao mencionar o candidato Jair Bolsonaro, que pode ser o próximo presidente do Brasil. Durante a campanha, o ultradireitista repetiu seguidas vezes que acabará com o “ativismo ambiental xiita” e com a “indústria de demarcação de terras indígenas”. As falas soam descoladas de um país que diminuiu o registro oficial de terras dos povos originais já no Governo de Dilma Rousseff, por pressão de ruralistas, e onde notícias de assassinatos de ativistas têm se multiplicado. “Suas palavras de ódio podem representar um retrocesso para nós”, sentencia.
As aldeias da Sete de Setembro – entre os municípios de Cacoal (RO) e Rondolândia (MT), — já convivem com esses sinais de retrocessos na disputa para preservar seu território, cada vez mais cercado por invasores. Há um mês, a área foi alvo de uma operação da Polícia Federal em parceria com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) na região, deflagrada para frear exploração ilegal de madeira nas terras indígenas locais. Segundo a PF, toras de árvores nobres, como mogno e ipê, eram derrubadas das terras dos índios e cortadas em serrarias próximas às reservas indígenas dos Suruí Patier, e também da reserva Igarapé Lourdes, do povo indígena Gavião. O EL PAÍS visitou a região na última semana e encontrou serrarias no entorno das reservas funcionando a todo vapor.
A madeira roubada dali era levada a um depósito na região, que regularizavaas toras com documentação falsa. A ação da polícia havia afastado os madeireiros temporariamente. Mas eles voltaram, como sempre voltam. “Eu só não achei que seria tão rápido”, lamenta Almir Suruí, em meio a imensos troncos derrubados. Muitos acampamentos ilegais sequer foram desfeitos, e o rastro de lixo e até de roupas no meio da floresta evidenciava a presença recente dos exploradores na mata.
A terra Sete de Setembro é onde o desmatamento ilegal mais cresce entre os dois Estados. De 2015 até maio deste ano, a devastação aumentou 77% na reserva, segundo estudo do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) feito em Rondônia e Mato Grosso. Além da exploração madeireira há registros de invasões e atividades ligadas ao garimpo de ouro e diamante, muito presentes na região.
“A extração de madeira vai aumentar drasticamente porque quem é pego nessa atividade é tido como trabalhador, diferentemente do tráfico. Mas tem um lucro tão alto quanto o tráfico e ainda recebe apoio político”
Embora seja crime, o assalto de terras indígenas conta com uma certa aceitação pela falta de controles. “A atividade [de exploração] é intensa, porque compensa financeiramente. O lucro é muito alto e o risco é baixo, porque os órgãos ambientais estão sucateados”, afirma uma fonte que acompanha ações de fiscalização do meio ambiente. Nos últimos cinco anos, o Orçamento do ministério do Meio Ambiente, que sustenta órgãos fiscalizadores como o Ibama e o Instituto Chico Mendes para a Biodiversidade (ICMBio), diminuiu mais de 1,3 bilhão de reais, segundo levantamento da ONG Contas Abertas e a WWF-Brasil, divulgados em março deste ano.
Sem dinheiro para fiscalizar e punir, o quadro futuro é muito preocupante. “A extração de madeira vai aumentar drasticamente porque quem é pego nessa atividade é tido como trabalhador, diferentemente do tráfico. Mas tem um lucro tão alto quanto o tráfico e ainda recebe apoio político”, afirma a mesma fonte. Bolsonaro já desdenhou de órgãos, como o Ibama. Quando passou para o segundo turno, ele declarou suas intenções para o órgão. “Vamos acabar com a indústria de multas do Ibama”. Já prometeu também fundir os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. Acabou recuando dizendo que está aberto a negociar.
Ainda que recue, as palavras do candidato acertam em cheio o já incerto direitos dos indígenas. Arildo Gapane Suruí teme as ameaças proferidas pelo capitão. "Com essas palavras, ele subsidia as ações de quem tem interesses sobre a Amazônia", diz. "Os interesses vão aumentar e as ameaças também. E para qual órgão nós vamos denunciar essas ações, se ele quer acabar com o Ibama e o ICMBio?", questiona.
Ao redor da terra dos Suruí Patier há muitas igrejas —a imensa maioria evangélicas— e pastos para o gado. Parecem reproduzir a sociedade das bancadas da bíblia e do boi no Congresso – deputados que defendem interesses religiosos e dos ruralistas, respectivamente –. A tensão na região, gerada pelos conflitos de terra, ganham força com a representatividade da bancada da bala, formando a tríplice BBB, a ala mais conservadora do Congresso. Com pouca representatividade em Brasília, os interesses de quem defende a mata são deixados de lado.
Nos últimos 30 anos, o desmatamento na Amazônia totalizou uma área equivalente à da Suécia. Somente entre agosto do ano passado e agosto deste ano, a derrubada da floresta cresceu 40%, impulsionada por invasões, caça e pesca, grilagem de terras e queimadas. O estrago só não foi maior porque raramente a derrubada massiva de árvores acontece em territórios indígenas, que pertencem por lei ao ao Governo Federal. Essas áreas costumam ser vigiadas também por órgãos de proteção ao meio ambiente e encontram na cultura nativa, baseada em plantio e caça de subsistência, uma agressão ambiental menor. Mais virgens, e ricos em minério, esses territórios são fortemente cobiçados e estão em constante risco.
O crime que rasga a Amazônia segue um roteiro. Primeiro, limpa-se o terreno. As árvores são subtraídas ilegalmente para que, pouco a pouco, se abra mais espaço para a chegada da agricultura e da agropecuária. “Os cultivos mais rentáveis, como o de soja e de cana, ocupam as melhores terras, do ponto de vista de fertilidade, da topografia e da logística”, explica Marcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Sócio Ambiental (ISA), ONG que atua na preservação ambiental. “Assim, empurra-se a pecuária menos produtiva para as terras menos valorizadas, deixando para os grileiros e madeireiros o serviço sujo do desmatamento nas áreas de expansão da fronteira agrícola”.
Cada vez mais, essa fronteira empurra as reservas e terras indígenas, compactando as áreas, em um avanço facilmente perceptível que mostra quais são os interesses que se sobressaem na Amazônia. As estradas que ligam os centros urbanos às aldeias e interligam os Estados de Rondônia e Mato Grosso são chamadas de linhas e seguidas de números. Muitas delas, como a Linha 9, espelham a realidade do que representa parte do Congresso brasileiro hoje.
Com a chegada da eleição, o clima de tensão que já paira sobre os territórios em disputa na Amazônia se intensificou ainda mais. Dados recentes divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sugerem aceleração da área desmatada durante o período eleitoral: nos meses de julho, agosto e setembro, o desmatamento cresceu 61% na região em relação ao mesmo trimestre do ano passado. Thiago Mendes, secretário de Mudanças do Clima e Florestas do ministério do Meio Ambiente (MMA), confirma esse fenômeno. “Existe uma percepção de que a aplicação de multas por parte de governos municipais e estaduais tendem a perder voto ou financiamento de campanha ou inviabilizam alianças futuras”, diz. “Por isso, às vezes o poder público local diminui um pouco a fiscalização nesses períodos, e o desmatamento acaba aumentando”.
Mas o novo presidente não tem como fechar os olhos ou fragilizar o controle do desmatamento. O Brasil, como signatário do Acordo de Paris, firmou o compromisso de reduzir a emissão desses gases em 37% até 2025. Atualmente, o país é o sétimo maior emissor mundial de gases de efeito estufa no mundo. Thiago Mendes, do Ministério do Meio Ambiente, afirma que, até o momento, o Brasil está caminhando para cumprir a sua meta. “Aquilo que as árvores removem de CO2 que estão manejados dentro das áreas indígenas do Brasil contribuem com um volume de redução de emissão muito significativo”, diz. A rigor, prejuízos ambientais fariam o Brasil perder credibilidade lá fora. E, no meio de uma guerra comercial agressiva, exportações para os países que não aceitam comprar de empresas sem compromisso com o meio ambiente.
Assinado em 2015 por 195 países, o Acordo de Paris foi mais um dos temas ligados ao meio ambiente com os quais Bolsonaro tropeçou. Após dizer que, se eleito, poderia tirar o Brasil do Acordo por não concordar com as premissas, assim como fez Donald Trump nos Estados Unidos no ano passado, o presidenciável voltou atrás nesta quinta-feira afirmando que o Brasil não sairá do tratado. Nessa esteira, a fusão do ministério da Agricultura com o Meio Ambiente foi outra ideia lançada pelo capitão reformado, que reconheceu, nesta semana, estar aberto a “negociar” a proposta. Em maio, durante um discurso em Natal (RN), Bolsonaro, que prega o nacionalismo, afirmou que “a Amazônia não é nossa”. "A Amazônia não é nossa e é com muita tristeza que eu digo isso, mas é uma realidade e temos como explorar em parcerias essa região”.
Essas propostas defendidas por Bolsonaro e sua equipe para o meio ambiente e sua mira sobre os órgãos fiscalizadores deixaram a comunidade ambientalista em alerta, principalmente após o registro de dois ataques na última semana. No sábado, três viaturas do Ibama foram queimadas em Buritis (RO) durante uma operação de combate ao desmatamento. No dia anterior, agentes do ICMBio sofreram uma emboscada no município de Trairão (PA), enquanto verificavam o desmatamento na Floresta Nacional Itaituba 2. A ponte que dava acesso à estrada fora queimada, mas ninguém se feriu. Os ataques, porém, deixam claro que preservar o meio ambiente pode ganhar novos tons a partir de agora.