Depois da vitória na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o governo calcula quantos votos terá na Comissão Especial da reforma da Previdência. Otimista, a articulação política prevê sucesso na discussão do mérito em uma proporção semelhante à admissibilidade. A confiança é respaldada por especialistas. Levantamentos de consultorias políticas estimam que, se a votação do relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019 ocorresse hoje, o Palácio do Planalto venceria com 35 votos. Ou seja, 71,4% dos 49 membros indicados para o colegiado. 
 
 
A dimensão do potencial de votos do governo na nova etapa de tramitação da reforma está em linha com a vitória na CCJ. O relatório teve 48 votos favoráveis de um total de 66 integrantes, ou seja, 72,7%. As projeções animam o Planalto. Articuladores da Casa Civil se vangloriam da previsão de superar ambos os  resultados da PEC 287/2016, encaminhada pela gestão do ex-presidente Michel Temer. A interlocução política do emedebista obteve apoio de 60,8% na discussão da admissibilidade e 62,2% no debate do mérito. 
 
É o resultado dos esforços realizados na última semana, depois de ceder aos pedidos do Centrão e vencer a batalha na CCJ. O Executivo acenou para o bloco, que tem maioria na Câmara, e conseguiu dar continuidade à tramitação da proposta. Assim como ocorreu na CCJ, a história deve se repetir. Ficaria de fora da aprovação apenas a oposição, que fechou questão contra a reforma. É o que aponta estudo da Arko Advice.  A consultoria prevê um total de 14 votos para o bloco oposicionista, que contará com PT, PSol, PCdoB, PSB, Pros, PV e PDT. 
 
O sucesso do governo na Comissão Especial vai impor desafios à articulação política. A poucos dias de completar cinco meses, o presidente Jair Bolsonaro ainda tem dificuldades em conquistar a confiança de parlamentares no Congresso. Com um processo ainda tímido de diálogo, o Planalto tem buscado primeiro um apoio de “projeto a projeto”, como é no caso da reforma. O próprio alto número de parlamentares favoráveis ao texto representa uma adversidade, de modo a reforçar a dependência do Centrão. 
 
É como analisa o vice-presidente da Arko Avice, Cristiano Noronha. A Presidência da comissão, designada a Marcelo Ramos (PR-AM), e a relatoria, a Samuel Moreira (PSDB-SP), reforçam a autonomia do Congresso. E, principalmente, do bloco. “O PSL, partido de Bolsonaro, não está em nenhuma das áreas. São as outras siglas independentes ao governo que estão. Isso aumenta o protagonismo do Centrão, que vai ditar o ritmo dos trabalhos”, explica. “Não foi um nome que agradou a todos, mas foi um nome com decisão coletiva”, acrescenta.
 
O especialista destaca que a indicação de Ramos ao cargo foi pensada não apenas pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas, também, pelas lideranças do Planalto e caciques do Centrão. “O comando da comissão ficar nas mãos desse grupo reflete a viabilidade de convergência de um texto que tenha mais apoio entre os deputados”, destaca Noronha. O momento, reforça, é “crucial”. A cada sinalização que o relator der de alterar o parecer, o mercado vai repercutir e vai forçar o governo a agir. “Principalmente porque tem o prazo para a apresentação de emendas”, justifica.

Reativo
 
A estimativa do presidente da Comissão é aprovar o relatório em até 70 dias — tempo indicado por Maia. Entretanto, o regimento interno da Casa prevê um máximo de 40 reuniões, contadas a partir da instalação, que ocorreu na última quinta-feira. As sessões, que são pautadas, no máximo, três vezes na semana, geralmente ocorrem de terça a quinta. Ou seja, se colocar na ponta do lápis, levariam, ao menos, três meses para concluir os trabalhos. “Mas nós vamos fazer um esforço concentrado”, frisa Ramos. As primeiras 10 sessões servem para parlamentares apresentarem emendas para modificar o texto enviado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A partir da 11ª sessão, o relator poderá apresentar o parecer.
 
Mesmo que a sinalização seja de maioria governista para a Comissão Especial, ainda é cedo para falar em articulação a médio e longo prazos. É o que alerta Thiago Vidal, gerente de análise da Prospectiva. Como o governo age de forma reativa, sem métodos concretos de negociação em busca de apoio como estratégia principal, ele adota uma análise mais cautelosa. “Esses sinais são sempre de reação. O grau de desconfiança dos parlamentares é alto. O governo ainda não entende que há uma articulação política concreta. Age por reatividade”, explica. 
 
A sobrecarga de funções do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, é apontada pelo governo como um dos motivos para o Executivo não conseguir engatar a articulação no Congresso. O articulador político deveria ser o protagonista no diálogo com os deputados. Entretanto, nos corredores do Parlamento, as queixas em torno dele e das lideranças de governo são extensas. A fim de tentar conter o problema, há quem defenda uma minirreforma ministerial para retirar da pasta algumas atribuições e deixá-la focada apenas na interlocução. O tema, entretanto, ainda está em estudo.
 
Questão fechada
Os governadores das regiões Sul e Sudeste, que gerem sete estados, fecharam apoio à reforma da Previdência. O compromisso é de articular a aprovação junto às bancadas estaduais e partidárias no Congresso. Os gestores exigem, no entanto, um compromisso do governo federal sobre a renegociação de débitos com a União e a securitização da dívida dos estados — processo em que os governos locais podem vender dívidas a receber no mercado, tributárias ou débitos inscritos na dívida ativa, com deságio. Cobram também, que a articulação do governo encaminhe uma ampla reforma tributária. O acordo foi firmado em carta formalizada após a segunda reunião de trabalho do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud). “Cada estado tem sua particularidade, suas características e, principalmente, suas necessidades. Não obstante, manifestamos clara e objetivamente o apoio à reforma da Previdência, compreendendo que ela muda o país. Ela estabelece uma condição fiscal melhor para estados e municípios e confere, sobretudo, a oportunidade de novos investimentos que vão se traduzir em mais empregos e desenvolvimento”, destaca o governador de São Paulo, João Doria.
 
Governo disposto a dividir o desgaste
O governo está disposto a compartilhar o ônus de aprovar a reforma da Previdência. O pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro em rede nacional na última quarta-feira para parabenizar o Parlamento e defender o texto foi um recado bem claro para os partidos, especialmente os de centro, de que ele está, enfim, aberto ao diálogo. Ao longo dos três primeiros meses de trabalho legislativo, ficou comprovado que quem sai perdendo é o Palácio do Planalto, caso o compromisso não seja cumprido, e não o Congresso. 
 
A defesa de Bolsonaro pela reforma foi, também, um recado claro ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Peça importante na guerra da Previdência, cobrou mais ênfase do presidente da República na proteção ao texto. Para o parlamentar, o chefe do Planalto havia, até então, se omitido, dizendo ser contra a matéria, embora expressasse que, sem ela, o Brasil quebraria. Depois do pronunciamento, a avaliação no Congresso é de que o discurso mudou. 
 
Até porque não tinha outro caminho a ser adotado pelo governo, ponderam lideranças do Centrão. Pelo número expressivo de legendas do bloco — formado por Solidariedade, PP, PR, DEM e PRB —, não é surpresa que o grupo tenha tanta influência na governabilidade de Bolsonaro. Chama a atenção, no entanto, a estremecida relação logo no início do mandato, período que era para ser a "lua de mel" entre os dois poderes. 
 
O vínculo foi testado durante a tramitação da reforma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. O placar foi positivo, mas o caminho para a vitória foi complicado. Ao longo das sessões, alguns sinais preocuparam o governo. O silêncio dos aliados, o protagonismo da oposição, a falta de defesa do projeto, a demora para conseguir colocá-lo em votação e, principalmente, a necessidade de mudar partes do texto logo na primeira fase, que costuma ser a mais tranquila.
 
Depois de ter conquistado a antipatia de boa parte dos deputados pelo que considera como tentativas de desmoralizar o Parlamento, o governo precisou de várias conversas com o Centrão para convencer o grupo de bancar a reforma na CCJ. Ainda assim, o placar positivo foi colocado na conta de Maia. “Não houve diálogo. A aprovação deve-se, exclusivamente, ao apoio do presidente Maia e dos partidos do centro, que aceitaram manter a reforma sem a provável redução de valores que teria”, destaca o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO).
 
O governo aposta na capacidade de articulação do secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, que também recebeu uma parcela dos créditos pela aprovação na CCJ. Ex-deputado pelo PSDB, ele tem bom trânsito entre os colegas. Foi a pedido dele que a discussão sobre o abono salarial, que os deputados queriam tirar logo na CCJ, ficou para depois. “É um cara que, diferentemente de boa parte do governo, tem um grande crédito com a gente. Ele fez um apelo para deixar o abono para a Comissão Especial”, comenta um líder do Centrão.

Sorte
A dúvida de especialistas é se o governo, depois de observar as reações dos deputados e constatar a influência deles, realmente vai passar a ouvi-los. “A partir do momento que o Bolsonaro abrir mão dessa história de atacar a 'velha política', pode mudar. Mas a situação ainda está muito cômoda para ele”, avalia o cientista político César Alexandre de Carvalho, da CAC Consultoria. O governo sabe que a pauta prioritária, da Previdência, é consenso entre a maioria dos parlamentares de centro e, portanto, é baixo o risco de que nada passe.
 
No frigir dos ovos, é o Centrão que vai poder dizer se a reforma aprovada vai ser mais próxima ou mais distante do que a equipe econômica gostaria, ponderou Carvalho. “O governo tem sorte de que a agenda, nesse caso, coincide com a desses deputados”, analisa. “Os deputados de centro querem a reforma da Previdência, porque controlam governos estaduais que vão economizar com ela, não por apego ao governo”, pondera o especialista. A leitura vale, também, para a reforma tributária, que interessa a praticamente todos os partidos.
 
O governo está nas mãos do Centrão. Mesmo outras pautas, como o pacote “anticrime”, encaminhado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, dependem do bloco político. O mesmo vale para pautas conservadoras, como o Escola sem Partido. Nesses casos, não dá para contar com uma oportuna convergência de agendas. “Qualquer matéria que venha do Planalto vai dar trabalho. Se quiser aprovar pauta própria, não basta discussão com bancadas temáticas, nem dá para apostar na boa vontade do Centrão, que não tem compromisso em bancar a agenda do governo", alerta Carvalho.