Com as dificuldades de articulação do governo, deputados confiam nas negociações entre eles para definir os rumos da PEC das aposentadorias na Comissão Especial. É esperado um bom trânsito do relator e do presidente entre os parlamentares
A disposição para o diálogo sobre a reforma da Previdência tem norteado o discurso do governo na segunda fase de tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) 6/2019 na Câmara, na Comissão Especial. Mas, na prática, o Planalto ainda tem dificuldade de se comunicar com o parlamento, que aposta mais em conversas internas para decidir os rumos da proposta. O presidente do colegiado, Marcelo Ramos (PR-AM), e o relator da matéria, Samuel Moreira (PSDB-SP), receberam bem a tarefa de articuladores e têm se mostrado abertos a discussões e cobranças sobre o texto.
Moreira, cuja nomeação foi criticada por uma ala do Centrão, reforçou que “o momento é de ouvir”. No Twitter, ele garantiu que terão espaço nesse diálogo “deputados, lideranças partidárias e sociedade”. Dois dias depois de ser nomeado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o tucano ressaltou a vontade de conversar com o colegiado e defendeu a necessidade de que a reforma seja aprovada. “O deficit da Previdência afeta a saúde fiscal do Brasil. Promover um ajuste robusto no sistema é o primeiro passo para sanear as contas públicas”, escreveu.
Conhecido por ter assumido a chefia da Casa Civil do governo de São Paulo, que tinha à frente Geraldo Alckmin, o tucano tem experiência com articulação política. Um deputado próximo a ele afirmou, que, além disso, Moreira é “conceituado, disciplinado e estratégico”. A aposta do parlamentar é que ele foi o escolhido com a missão de conseguir a transferência de votos da Comissão Especial para a aprovação no plenário. “O nome dele causa uma divisão no parlamento. Muitas pessoas não gostam, mas, quem conhece o trabalho dele sabe que é muito competente”, explicou.
As críticas não vieram apenas da oposição, mas também de boa parte dos deputados do Centrão. A escolha “não foi legal”, comentou um líder do grupo. “Foi para atender duas coisas: João Doria (governador de São Paulo) e mercado financeiro”, criticou. Como o relator é responsável pelo texto que será votado pelo colegiado — e, se passar, levado ao plenário —, o parlamentar teme que o tucano acabe prejudicando as discussões ou passando por cima de algum tema. “Mas não deve chegar a interferir, de fato, no resultado final. Se ele for inteligente, pega a ideia da maioria. Se não pegar, não aprova”, ponderou. Outro deputado do Centrão comentou que a nomeação incomodou alguns setores, “porque não queriam um relator tão alinhado com as ideias do ministro da Economia, Paulo Guedes”.
Alguns colegas próximos têm aconselhado Moreira a não apressar a elaboração do parecer, para não se indispor com os colegas e dificultar a aprovação no plenário. Esse grupo acredita que estipular um prazo para apresentá-lo seria um tiro no pé. Eles consideram que aumentar o número de integrantes da comissão, de 34 para 49, foi uma boa ideia justamente por isso. Assim, há mais gente para opinar, para discutir e construir algo minimamente consensual. Mas, além disso, tem mais apoiadores para ajudar a conseguir voto no plenário.
Expectativas
Como a articulação do governo ainda é alvo de críticas, um bom trânsito do relator e do presidente é esperado entre parlamentares. “Os deputados já mostraram que querem conversar com o governo. Agora, cabe a ele entender isso. Até o momento, quem quis a reforma foi o parlamento, não o governo”, disse o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO).
O Planalto sinalizou ao Congresso, algumas vezes, durante esta semana, que também está aberto para conversas. Cedeu à pressão e alterou o parecer na CCJ; agradeceu publicamente aos deputados depois da aprovação do parecer e ao chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni; e negociou R$ 10 milhões em emendas a deputados que topassem votar favoravelmente à reforma no plenário.
Entretanto, parlamentares ainda veem com resistência o processo de negociação do governo — colocam em xeque a credibilidade da atual gestão. Acreditam que Bolsonaro consegue aprovar projetos específicos por negociar caso a caso, mas não têm confiança para firmar acordo e fazer parte de uma base aliada. Um estudo da Prospectiva consultoria, que entrevistou 205 deputados, mostra que 56,9% deles temem que acordos feitos com o Executivo sejam descumpridos por deslealdade (8,7%), incapacidade (23,2%) ou ambos (25%). Mesmo dentro dos partidos da base, a confiança em acordos é de 59,5%.
“Os deputados já mostraram que querem conversar com o governo. Agora, cabe a ele entender isso. Até o momento, quem quis a reforma foi o parlamento, não o governo”
Delegado Waldir (GO), líder do PSL na Câmara