RESPOSTA

 A busca de uma solução para as dívidas dos Estados com a União virou uma ofensiva entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente do Congresso Nacional e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O entrave maior é com ações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tem tentado driblar o mineiro. Pacheco, no entanto, não atua para esconder que está descontente com a movimentação. 

O presidente do Congresso tem revidado a tentativa de escanteio. Nos últimos dias, assinou decisões que dificultam planos da gestão Lula no Congresso. Uma delas foi para iniciar o debate sobre a limitação do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). A decisão desagradou parlamentares, que tendem a reverter a revogação. Isso enquanto o governo anunciou que trabalhava em um texto específico sobre o tema. 

A intenção de Pacheco é mostrar que, mesmo com essa tentativa de ficar com os ônus das situações, tem nas mãos o poder de avançar em pautas tidas como fundamentais para o governo Lula, especialmente no campo econômico, já que basicamente tudo precisa da aprovação do Congresso. E, se não houver um jogo de mão dupla, não há qualquer disposição em colaborar. 

As divergências não se esgotam no assunto da dívida, que toma o debate com tom eleitoral em Minas Gerais. Outro impasse nessa relação é a desoneração da folha de pagamento para setores da economia, além de municípios, pauta que foi uma queda de braço. “O problema da política é que a data chega”, dizem nos corredores da política, frase que tem a concordância de Pacheco. O mineiro entende que não tem que “segurar o rojão” de Lula, que não finalizou um texto de acordo para que as prefeituras não fossem reoneradas a partir desta terça-feira (2).  

O presidente do Senado também não está feliz com a postura do governo, que aparece na voz do líder do governo na Casa, senador Jaques Wagner (PT-BA), de liberar a bancada para votar como quiser em dezenas de projetos em análise. A avaliação é de que essa atuação fragiliza as discussões, enquanto o Executivo se acomoda sem orientar de forma incisiva sua base. 

Entenda a cronologia dos impasses entre Pacheco e o governo Lula: 

Novembro de 2023: Pacheco fez o primeiro movimento para ser o "pai" da solução das dívidas dos Estados. Na ocasião, ele abriu negociação com Lula e Haddad e desestabilizou o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que não tinha interlocução com o governo federal.

No mesmo mês, o texto foi entregue ao presidente da República com pontos como a federalização de estatais e a cessão de créditos do acordo de Mariana e da Lei Kandir para a União. 

Dezembro de 2023: Pacheco recebeu Haddad na Residência Oficial do Senado, em Brasília (DF). Ele informou que pediria ao Supremo Tribunal Federal (STF) que Minas Gerais fosse desobrigada a pagar as parcelas da dívida até 31 de março. O prazo também foi indicado como razoável para que a equipe econômica do governo analisasse a proposta do presidente do Congresso e apresentasse um parecer. 

A conversa gerou expectativa em outros governadores que veem seus Estados afundando em passivos com a União. De acordo com dados do Tesouro Nacional, o saldo devedor acumulado de todos os Estados atinge a cifra de R$ 740 bilhões. Desse valor total, apenas quatro (São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais) representam R$ 660 bilhões, o que equivale a 90% do estoque da dívida. 

26 de março/2024: Fim do prazo sinalizado pelo Ministério da Fazenda, Haddad reuniu governadores do Sul e do Sudeste e apresentou um plano, mas frustrou as expectativas. O ministro condicionou a redução dos juros das dívidas dos Estados com a União ao investimento em ensino médio técnico (EMT). Da proposta de Pacheco, foi considerada apenas a amortização extraordinária com ativos, mas de forma limitada. 

O plano apresentado por Haddad gerou surpresa e até certa indignação nos governadores, que esperavam ouvir sobre a reformulação do Regime de Recuperação Fiscal (RFF), criado em 2017 para minimizar as dívidas, mas com exigências impopulares. No mesmo dia, eles foram até Pacheco após se reunirem com Haddad e declararam apoiar a federalização de estatais, defendida pelo presidente do Congresso, mas com debates sobre o indexador da dívida. 

O escanteio a Pacheco na proposta de Haddad, após o mineiro se colocar à frente dessa articulação por meses, não foi visto com bons olhos. Antes desse movimento, o mineiro era apontado como autor do projeto do governo no Congresso. Depois, anunciou que manterá sua proposta ao avaliar que o plano do governo não trata do cerne do problema, que é o estoque da dívida.   

27 de março/2024: Pacheco deu um recado claro de sua insatisfação ao governo. Ele determinou a instalação da comissão especial para discutir a Medida Provisória (MP) assinada por Lula que, desidratada na questão da reoneração, trata basicamente do Perse. O entrave é que, menos de um mês antes, Haddad acertou com líderes partidários que o programa seria refeito por um texto de consenso, além de ser analisado via projeto de lei.

A decisão foi uma surpresa para o ministro da Fazenda. No mesmo dia, Pacheco se reuniu com Haddad e com o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que participou da construção da proposta sobre educação. 

28 de março/2024: Foi então que Haddad e Padilha decidiram tentar acalmar os ânimos da crise. Eles chamaram veículos de comunicação, especialmente de Estados afetados pelo problema da dívida, para retomar o crédito a Pacheco. Eles declararam que o plano também irá contemplar a possibilidade de federalização de empresas estatais como abatimento de parte do passivo. Em relação à Minas Gerais entrariam nesse escopo, por exemplo, a Copasa, Cemig e Codemig. 

A declaração não foi suficiente para diminuir a irritação de governadores sobre o assunto. Eles seguem perdidos na proposta do governo Lula e se queixam, por exemplo, das viagens a Brasília para uma articulação que não é a que esperam. No fim, esse sentimento dá força a Pacheco, que tentará reunir apoio para sua proposta. 

 1º de abril/2024: O último ato do presidente do Congresso foi nesta segunda-feira (1º). Ele barrou as mudanças feitas pelo governo na desoneração sobre as folhas de pagamento dos municípios e manteve por mais 60 dias o debate sobre outros pontos na MP, como o Perse. Esse tema virou uma queda de braço, com o Congresso concedendo o incentivo fiscal e o governo retirando. No fim, prefeituras poderiam perder o incentivo a partir desta terça-feira (2) se fosse mantida a proposta de reoneração do governo Lula. 

Também nesta terça-feira, Haddad disse que não foi comunicado diretamente por Pacheco sobre a decisão do mineiro. O entendimento nos bastidores, no entanto, é o de que o governo sabia do prazo e não cabia a Pacheco assumir o papel de alertar ou cobrar uma solução. O movimento também levou o ministro a fazer um novo apelo para que todos os Poderes da República, incluindo o Congresso Nacional pelo Legislativo, colaborem em um pacto pelas metas fiscais. 

 

Fonte:otempo.com.br