EM MINAS

A política mineira sempre foi pródiga em gerar personagens conciliadores, capazes de assumir o protagonismo de forma serena e acomodando diferentes correntes de pensamento entre seus apoiadores. Afonso Penna, JK, Tancredo Neves, Itamar Franco e José Alencar são exemplos que extrapolaram o estado e se tornaram figuras nacionalmente conhecidas por sua capacidade de articulação.

Atualmente, o protagonismo mineiro tem mais holofotes do lado do bolsonarismo, com o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) puxando a fila com seus vários asseclas locais, o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos) correndo por fora e o governador Romeu Zema (Novo) buscando seu lugar junto ao eleitorado do ex-presidente. Diante do tarifaço imposto por Donald Trump, esses mesmos políticos, radicais e agressivos, tentam emanar a importância da negociação na diplomacia. Mas o argumento bolsonarista, como sói ocorrer, não escapa da falácia.

Nikolas Ferreira atua como a vanguarda do “duplipensamento” bolsonarista e aposta agora em comparar a situação entre o governo norte-americano e a União Europeia e a relação entre Trump e o Brasil. No X, o deputado federal comentou sobre o acordo alcançado pelos europeus com os Estados Unidos com a seguinte frase: “Negociação de gente grande: sem jabuticaba e jogo de truco”, em referência às declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a dificuldade de diálogo com a Casa Branca.

A comparação em si é esdrúxula. A sobretaxa aos europeus não chegou aos absurdos 50% impostos ao Brasil. Em segundo lugar, a balança comercial entre os americanos e o bloco do velho continente apresentava um déficit histórico para os Estados Unidos. Isso, por si só, oferece argumentação econômica razoável como justificativa para a imposição das tarifas como um instrumento de correção de eventuais descompassos na relação comercial entre as partes. No caso brasileiro, o país presidido por Trump experimenta um superávit de bilhões de dólares há mais de uma década.

Terceiro, e mais importante, a tarifa de Trump não exigiu que a União Europeia colocasse na mesa de negociação valores intrínsecos à existência do bloco. Em sua carta ao Brasil, o presidente americano pede que a independência entre os poderes seja rompida em favor de Jair Bolsonaro. Afinal de contas, o que o governo federal poderia fazer para interromper a “caça às bruxas” movida contra o ex-presidente brasileiro? Como também poderia atuar para que o Supremo Tribunal Federal (STF) deixe de atuar para fazer valer a nossa constituição sobre a atuação das big techs americanas em solo nacional?

Um bolsonarista como Nikolas Ferreira querer, nessa altura do campeonato, exaltar os valores de conciliação e negociação é, no mínimo, curioso. A mesma linha é seguida por Zema, que acumula entrevistas classificando a diplomacia brasileira como “desastrosa” e culpando Lula pelo tarifaço movido por Trump em solidariedade a Bolsonaro.

Negociação nunca foi o forte desses políticos. Na verdade, essa característica nunca foi nem sequer almejada por quem sempre preferiu as vias de confronto: “Quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”, como defendeu o próprio Jair em uma suposta defesa da soberania brasileira na Amazônia no já longínquo 2020. Acontece que pega mal abraçar de vez a verdadeira intenção dos bolsonaristas que é sequestrar o Brasil em troca da libertação de seu líder. Entre as figuras de maior relevância, Eduardo e Flávio, filhos de Jair, ao menos são coerentes em sua defesa do tarifaço como instrumento de anistia prévia.

Ao deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) cabe, inclusive, agir de forma oposta ao que seus aliados pedem a Lula e ao Itamaraty. O filho 03 de Jair já age nos Estados Unidos há três meses pela imposição de sanções ao país que o elegeu como parlamentar e ao seu pai como presidente. Nas últimas semanas, ele e seu parceiro Paulo Figueiredo assumiram também o papel de sabotadores da comitiva de senadores que viajou a Washington para buscar uma via de diálogo com autoridades americanas.

O grupo de senadores inclui ex-ministros de Bolsonaro em Marcos Pontes (Republicanos-SP) e Tereza Cristina (PP-MS), além do ex-aliado Carlos Viana (Podemos-MG), o único mineiro da comitiva. Sem uma conexão com o governo federal, eles representam o interesse do Legislativo em evitar os trágicos efeitos do tarifaço para o Brasil.

A comitiva viajou e desembarcou nos Estados Unidos temendo não conseguir agendas com autoridades do primeiro escalão e com dificuldades de interlocução com os republicanos mais próximos de Trump. O motivo: Eduardo e Paulo se movimentam nos bastidores para sabotar a tentativa de negociação. Para eles, é anistia ou nada. Mesmo assim, no Brasil, os bolsonaristas querem criticar Lula pela falta de capacidade diplomática. Tempos sombrios.

Adiamento do tarifaço

O senador Carlos Viana (Podemos) solicitou nessa segunda-feira o adiamento dos efeitos da tarifa de 50% imposta por Trump ao Brasil à Câmara Americana de Comércio. Em viagem a Washington com uma comitiva de parlamentares brasileiros, o senador mineiro quer mais tempo para dialogar com o governo dos EUA. “Nós não queremos negociar com uma espada sobre a nossa cabeça a todo momento. Queremos igualdade na possibilidade de acharmos soluções. Esse tem sido o nosso posicionamento muito claro aqui. Queremos que os EUA sejam parceiros, mas queremos também ser respeitados como povo, como país soberano que somos”, afirmou Viana.

Perde e perde

De acordo com o senador Carlos Viana, a Câmara Americana de Comércio ainda se comprometeu a se manifestar oficialmente em um texto enumerando como a sobretaxa de 50% afetará as empresas de ambos os países. “Eles não querem o envolvimento político, mas um texto que represente com clareza os prejuízos que os dois países terão caso nós não consigamos a reabertura do diálogo e o adiamento das sanções É prejuízo, um jogo de perde-perde para norte-americanos e brasileiros”, disse.