CONGRESSO NACIONAL

Um projeto de lei em debate na Câmara dos Deputados ganhou repercussão por tratar sobre a proibição ou não do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. O tema está na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) e tem alimentado a onda de divisão entre parlamentares conservadores e progressistas.

A proposta foi apresentada em 2007 pelo então deputado Clodovil Hernandes (SP), também famoso estilista e apresentador de TV. Ele morreu em 2009, após sofrer um acidente vascular cerebral. Homossexual assumido, Clodovil tinha a intenção, com o projeto, de garantir em lei a união civil entre pessoas do mesmo sexo, incluindo o direito à divisão patrimonial.

Na época, ele justificou atender a "uma tendência mundial de tolerância em relação as diferenças" e à "reivindicação dos grupos homossexuais com vistas a integrá-los no ordenamento jurídico e caminhar para a eliminação de preconceitos em razão da orientação sexual".

A pauta teve pouco andamento ao longo dos anos. Mas, em 2008, o então deputado Maurício Trindade (BA) recomendou a rejeição em seu parecer na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF). Ele justificou que o projeto não era "oportuno".

"Embora as relações patrimoniais entre pessoas do mesmo sexo sejam cada vez mais comuns e as relações homossexuais sejam aceitas há algum tempo, os companheiros ou companheiras não podem constituir família, no tradicional e exato termo em que ser assenta nossa sociedade", escreveu Trindade, acrescentando que a posição não impedia uma união fora dos termos legais.

O parecer pela rejeição não foi votado e não houve qualquer andamento significativo até este ano de 2023. O tema deixou a CSSF, que foi extinta, e passou a integrar os debates da CPASF, colegiado criado para os assuntos equivalentes.

O deputado Pastor Eurico (PL-PE), da ala conservadora, foi então designado relator em março. Em agosto, ele apresentou seu parecer também pela rejeição e citou trechos bíblicos, frisando que "o casamento entre pessoas do mesmo sexo é contrário à verdade do ser humano”. 

"O que se pressupõe aqui é que a palavra 'casamento' representa uma realidade objetiva e atemporal, que tem como ponto de partida e finalidade a procriação, o que exclui a união entre pessoas do mesmo sexo. O Brasil, desde sua constituição e como nação cristã, embora obedeça ao princípio da laicidade, mantém, na própria Constituição e nas leis, os valores da família, decorrentes da cultura de seu povo e do Direito Natural", escreveu.

Em vez da permissão da união civil entre pessoas do mesmo sexo, Pastor Eurico propôs a aprovação de um outro projeto em sentido oposto. O relator sugere o aval a uma proposta apresentada em 2009, pelo então deputado Capitão Assumção (ES), que diz: "Nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar".

Assumção declarou que "não existe de nossa parte a intenção de discriminar ou violar direitos materiais de qualquer pessoa", mas que "que nenhuma sociedade subsiste, ou subsistiu, sem a célula mater denominada família". Ele completou que, de acordo com termos constitucionais, "não pode haver outro entendimento, senão no sentido de que família é a união entre homem e mulher".

Entre os anos que se passaram desde a apresentação do projeto por Clodovil e o retorno do debate, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade, em 2011, equiparar as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar.  

Em 2013, para cumprir essa decisão do STF, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) definiu que nenhum cartório poderia rejeitar a celebração dessas uniões. Em 2017, o STF equiparou a união estável, homoafetiva ou não, ao casamento civil.

O debate mira, agora, o parecer de Pastor Eurico. Se for aprovado como escreveu o relator, o texto pode caminhar para a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo. A questão, no entanto, tem caminho para ser amplamente judicializada e questionada no STF. Pelo entendimento anterior da Suprema Corte, as alegações seriam embasadas na inconstitucionalidade da eventual nova lei.

Uma aprovação na CPASF, no entanto, não coloca o assunto tão próximo de virar lei. A ala conservadora precisa se sobrepor aos parlamentares progressistas, que têm feito intensa campanha contra a proposta. "O Estado não pode ser a extensão da igreja. Eu entendo que a Constituição é suficiente. Não tem que fazer debate bíblico para o conjunto da população porque tem milhares de pessoas que não creem na Bíblia e não devem ser obrigadas a crer", rebateu o deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ).

Se aprovado nesse primeiro colegiado, o tema seguirá para análise em outras comissões da própria Câmara e do Senado Federal, além de votações nos plenários das duas casas.

A última etapa (se receberem o aval nas anteriores) exige a sanção do presidente da República, que também pode vetar parcialmente ou integralmente o texto aprovado pelo Congresso Nacional. Em caso de vetos, a palavra final segue sendo dos deputados e senadores, que podem manter ou derrubar a decisão do presidente.