A defesa do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro quer trazer o caso das orientações da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) à defesa de Flávio Bolsonaro para as investigações de supostas interferências políticas do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal. Em petição enviada nesta sexta, 18, ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, os advogados do ex-juiz da Lava Jato querem cópia dos relatórios da agência e um novo depoimento do diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem.
 
Em entrevista publicada na revista Época desta sexta, a advogada Luciana Pires, que defende Flávio no caso Queiroz, admite que recebeu os relatórios informais diretamente de Ramagem. A ministra Cármen Lúcia determinou que a Procuradoria-Geral da República apure as acusações em um novo inquérito.

A defesa de Moro busca entrelaçar as investigações: ao ministro Alexandre de Moraes, que relata a suposta interferência de Bolsonaro na PF, o ex-ministro ressalta que Ramagem era o nome escolhido pelo presidente para comandar a corporação, e negou em depoimento que repassaria informações de inteligência a Bolsonaro ou a seus filhos.

"Ao que parece, a postura revelada pelos recentes acontecimentos - noticiados pelos órgãos de imprensa - pode ser distinta, razão pela qual, sob nossa ótica, torna-se necessária a tomada de novo depoimento do Delegado Alexandre Ramagem, de modo a fornecer maiores detalhes sobre solicitações de produção de relatórios por pessoas diretamente relacionadas ao coinvestigado Exmo. Presidente, bem como eventuais reuniões formais ou informais cujo objeto tenha sido o atendimento a interesses particulares", apontou o criminalista Rodrigo Sánchez Rios, que defende Moro.

O advogado pede ainda que Moraes cobre à Abin que apresente os documentos produzidos relacionados ao caso Queiroz, incluindo relatórios extraoficiais ou informais.

Os relatórios informais da Abin são desdobramentos de uma reunião realizada em agosto entre a defesa de Flávio com Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e o próprio presidente Bolsonaro, no Planalto. O encontro discutiu uma estratégia para enterrar o caso Queiroz sob argumento de que os dados fiscais de Flávio teriam sido acessados por uma suposta organização criminosa dentro da Receita Federal.

Ao Supremo, Heleno confirmou que o encontro ocorreu, mas se tratou de uma reunião 'marcada para verificar ocorrência de eventual violação de segurança institucional'. O ministro também negou que a Abin produziu relatórios, afirmando que se trata de uma 'narrativa fantasiosa' e 'sem nenhum lastro de veracidade'.


Reportagem da revista Época publicada na sexta, 11, e confirmada pelo Estadão, revelou que a Abin de Ramagem produziu dois documentos em que detalha o funcionamento de suposta organização criminosa na Receita Federal que, segundo a defesa de Flávio, teria feito uma devassa nos dados fiscais do senador. Em um dos documentos, a finalidade descrita é 'Defender FB no caso Alerj'.

As orientações da Abin à defesa de Flávio teriam sido enviadas pelo WhatsApp. São dois textos digitados diretamente no aplicativo e não compartilhados como relatórios de inteligência em arquivo timbrado da Abin ou papel digitalizado.

Entre as sugestões listadas pela agência estão a demissão de servidores do Fisco e da Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável pela fiscalização da administração pública.

A Época mostrou nesta segunda, 14, que um dos servidores citados foi exonerado 'a pedido' há duas semanas e outras duas sugestões foram seguidas pela defesa: apresentação de um pedido de Lei de Acesso à Informação para colher provas de que o perfil de Flávio foi acessado indevidamente pela Receita e a apresentação de uma notícia-crime na Procuradoria-Geral da República.

Em outro trecho, uma advogada de Flávio é aconselhada a conseguir uma audiência para "tomar um cafezinho" com o chefe da Receita Federal do Brasil (RFB), José Tostes Neto. Ela deveria, então, exigir de Tostes informações e avisar que ajuizaria uma ação para obter acesso a relatórios internos da Receita que, no entendimento da defesa, teriam potencial de demonstrar acessos anteriores indevidos aos dados do senador.

Abin paralela. Reportagem da revista Crusoé também publicada nesta sexta-feira afirma que Bolsonaro montou uma espécie de 'Abin paralela' dentro do órgão de inteligência, que é subordinado ao GSI do general Augusto Heleno. Além de Ramagem, outros dois agentes da PF foram levados para integrar a agência e coordenar esse núcleo responsável por levantar informações sensíveis ao presidente.

São eles Marcelo Bormevet, chefe da Coordenação-geral de Credenciamento de Segurança e Análise de Segurança Corporativa, e Flávio Antônio Gomes, superintendente da Abin em São Paulo. Um quarto nome, o papiloscopista da PF João Paulo Dondelli, foi contratado no Ministério das Comunicações e também faz parte do grupo, segundo a revista.

Na peça enviada ao Supremo, a defesa de Moro relembra que na reunião ministerial do dia 22 de abril, tornada pública pelo então ministro Celso de Mello, o presidente Jair Bolsonaro reclamou de não ter acesso a informações de inteligência.

"Eu tenho as as inteligências das Forças Armadas que não tenho informações. ABIN tem os seus problemas, tenho algumas informações. Só não tenho mais porque tá faltando, realmente, temos problemas, pô! Aparelhamento etc. Mas a gente num pode viver sem informação", disse o presidente.

Na mesma reunião, Bolsonaro reclama que iria 'trocar a segurança do Rio'. "Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira", disse.