array(31) {
["id"]=>
int(166091)
["title"]=>
string(38) "Haddad e o custo social da austeridade"
["content"]=>
string(6582) "OPINIÃO
As reformas recentes empreendidas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, trouxeram à tona um tema já conhecido na política econômica brasileira: a austeridade fiscal. Em um cenário de déficit público acumulado de R$ 105,2 bilhões, o pacote anunciado busca economizar R$ 70 bilhões em dois anos. No entanto, as medidas adotadas reacendem um debate essencial: quem, afinal, paga a conta do ajuste fiscal?
É impossível ignorar que o Brasil não enfrenta um problema de arrecadação, mas de má gestão dos gastos. Com um impostômetro que ultrapassa a marca de R$ 3 trilhões, a questão central reside em como os recursos públicos são alocados. Infelizmente, as reformas atuais demonstram mais uma vez uma tendência histórica: cortar onde é mais fácil e politicamente menos custoso, sacrificando os mais vulneráveis.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é o exemplo mais emblemático. Criado para garantir uma renda mínima a idosos e pessoas com deficiência em situação de extrema pobreza, o BPC simboliza um dos pilares da proteção social brasileira. As alterações propostas pelo governo, sob o argumento de "aperfeiçoar" o controle, representam um retrocesso.
A ampliação do conceito de família para incluir rendas de parentes distantes e a exigência de incapacidade total para o trabalho e a vida independente, conforme a definição de deficiência, enfraquecem a efetividade do benefício.
Essas mudanças contradizem compromissos internacionais, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e ferem direitos estabelecidos pelo Estatuto do Idoso e da Pessoa com Deficiência. Ao endurecer as regras de concessão, o governo não apenas diminui o alcance do benefício, mas também reforça barreiras sistêmicas que perpetuam a exclusão social.
De um ponto de vista sociológico, essas reformas refletem uma escolha política e estrutural. A sociedade brasileira, marcada por extensas desigualdades, tem operado historicamente dentro de uma lógica que privilegia os interesses das elites econômicas. Gastos com privilégios, como subsídios e renúncias fiscais a grandes empresas, raramente são alvo de cortes tão incisivos. Em contraste, políticas voltadas às classes populares frequentemente sofrem restrições sob a justificativa de equilíbrio fiscal.
A noção de "merecimento" no acesso a benefícios sociais reforça estereótipos sobre pobreza e invalidez. A ideia de que é necessário comprovar incapacidade total para receber auxílio desconsidera a complexidade das condições que afetam a vida de pessoas com deficiência e idosos em situação de vulnerabilidade. É uma visão reducionista que ignora a interseccionalidade entre classe, gênero, raça e deficiência.
Por outro lado, é preciso reconhecer que o ajuste fiscal é necessário para garantir a sustentabilidade das contas públicas. Contudo, a forma como ele é conduzido revela prioridades que nem sempre dialogam com as demandas de justiça e equidade. A austeridade não pode ser uma sentença que recaia exclusivamente sobre os mais pobres, enquanto as elites econômicas continuam a desfrutar de privilégios intactos.
O caminho para um ajuste fiscal mais justo passa pela revisão dos gastos com isenções fiscais, pela implementação de uma reforma tributária progressiva e pela reavaliação de subsídios direcionados às elites. O debate precisa transcender o imediatismo das contas e incluir uma visão de longo prazo sobre o papel do Estado na promoção do bem-estar social e na redução das desigualdades.
As reformas de Haddad, embora apresentadas como uma necessidade técnica, são, antes de tudo, decisões políticas. Elas nos convidam a refletir sobre o modelo de sociedade que desejamos construir. Um modelo que prioriza o equilíbrio fiscal à custa dos mais vulneráveis amplia os abismos sociais e compromete os ideais de uma democracia inclusiva. As perguntas que ficam são: 1) Até quando a austeridade será a solução?; e 2) Por que o ônus dessa escolha recai sempre sobre aqueles que menos têm?
Fillipi Nascimento é cientista Social. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper
https://www.em.com.br/
"
["author"]=>
string(19) "FILLIPI NASCIMENTO*"
["user"]=>
NULL
["image"]=>
array(6) {
["id"]=>
int(621923)
["filename"]=>
string(14) "adadicusto.jpg"
["size"]=>
string(5) "80609"
["mime_type"]=>
string(10) "image/jpeg"
["anchor"]=>
NULL
["path"]=>
string(7) "bbb/aa/"
}
["image_caption"]=>
string(174) ""Com um impostômetro que ultrapassa a marca de R$ 3 trilhões, a questão central reside em como os recursos públicos são alocados"/ crédito: Sergio Lima/AFP – 27/11/24"
["categories_posts"]=>
NULL
["tags_posts"]=>
array(0) {
}
["active"]=>
bool(true)
["description"]=>
string(299) "As reformas recentes empreendidas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, trouxeram à tona um tema já conhecido na política econômica brasileira: a austeridade fiscal. Em um cenário de déficit público acumulado de R$ 105,2 bilhões,...
"
["author_slug"]=>
string(18) "fillipi-nascimento"
["views"]=>
int(64)
["images"]=>
NULL
["alternative_title"]=>
string(0) ""
["featured"]=>
bool(false)
["position"]=>
int(0)
["featured_position"]=>
int(0)
["users"]=>
NULL
["groups"]=>
NULL
["author_image"]=>
NULL
["thumbnail"]=>
NULL
["slug"]=>
string(38) "haddad-e-o-custo-social-da-austeridade"
["categories"]=>
array(1) {
[0]=>
array(9) {
["id"]=>
int(431)
["name"]=>
string(9) "Política"
["description"]=>
NULL
["image"]=>
NULL
["color"]=>
string(7) "#a80000"
["active"]=>
bool(true)
["category_modules"]=>
NULL
["category_models"]=>
NULL
["slug"]=>
string(8) "politica"
}
}
["category"]=>
array(9) {
["id"]=>
int(431)
["name"]=>
string(9) "Política"
["description"]=>
NULL
["image"]=>
NULL
["color"]=>
string(7) "#a80000"
["active"]=>
bool(true)
["category_modules"]=>
NULL
["category_models"]=>
NULL
["slug"]=>
string(8) "politica"
}
["tags"]=>
NULL
["created_at"]=>
object(DateTime)#539 (3) {
["date"]=>
string(26) "2024-12-11 10:47:35.000000"
["timezone_type"]=>
int(3)
["timezone"]=>
string(13) "America/Bahia"
}
["updated_at"]=>
object(DateTime)#546 (3) {
["date"]=>
string(26) "2024-12-11 10:47:35.000000"
["timezone_type"]=>
int(3)
["timezone"]=>
string(13) "America/Bahia"
}
["published_at"]=>
string(25) "2024-12-11T10:50:00-03:00"
["group_permissions"]=>
array(4) {
[0]=>
int(1)
[1]=>
int(4)
[2]=>
int(2)
[3]=>
int(3)
}
["image_path"]=>
string(21) "bbb/aa/adadicusto.jpg"
}
OPINIÃO
As reformas recentes empreendidas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, trouxeram à tona um tema já conhecido na política econômica brasileira: a austeridade fiscal. Em um cenário de déficit público acumulado de R$ 105,2 bilhões, o pacote anunciado busca economizar R$ 70 bilhões em dois anos. No entanto, as medidas adotadas reacendem um debate essencial: quem, afinal, paga a conta do ajuste fiscal?
É impossível ignorar que o Brasil não enfrenta um problema de arrecadação, mas de má gestão dos gastos. Com um impostômetro que ultrapassa a marca de R$ 3 trilhões, a questão central reside em como os recursos públicos são alocados. Infelizmente, as reformas atuais demonstram mais uma vez uma tendência histórica: cortar onde é mais fácil e politicamente menos custoso, sacrificando os mais vulneráveis.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é o exemplo mais emblemático. Criado para garantir uma renda mínima a idosos e pessoas com deficiência em situação de extrema pobreza, o BPC simboliza um dos pilares da proteção social brasileira. As alterações propostas pelo governo, sob o argumento de "aperfeiçoar" o controle, representam um retrocesso.
A ampliação do conceito de família para incluir rendas de parentes distantes e a exigência de incapacidade total para o trabalho e a vida independente, conforme a definição de deficiência, enfraquecem a efetividade do benefício.
Essas mudanças contradizem compromissos internacionais, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e ferem direitos estabelecidos pelo Estatuto do Idoso e da Pessoa com Deficiência. Ao endurecer as regras de concessão, o governo não apenas diminui o alcance do benefício, mas também reforça barreiras sistêmicas que perpetuam a exclusão social.
De um ponto de vista sociológico, essas reformas refletem uma escolha política e estrutural. A sociedade brasileira, marcada por extensas desigualdades, tem operado historicamente dentro de uma lógica que privilegia os interesses das elites econômicas. Gastos com privilégios, como subsídios e renúncias fiscais a grandes empresas, raramente são alvo de cortes tão incisivos. Em contraste, políticas voltadas às classes populares frequentemente sofrem restrições sob a justificativa de equilíbrio fiscal.
A noção de "merecimento" no acesso a benefícios sociais reforça estereótipos sobre pobreza e invalidez. A ideia de que é necessário comprovar incapacidade total para receber auxílio desconsidera a complexidade das condições que afetam a vida de pessoas com deficiência e idosos em situação de vulnerabilidade. É uma visão reducionista que ignora a interseccionalidade entre classe, gênero, raça e deficiência.
Por outro lado, é preciso reconhecer que o ajuste fiscal é necessário para garantir a sustentabilidade das contas públicas. Contudo, a forma como ele é conduzido revela prioridades que nem sempre dialogam com as demandas de justiça e equidade. A austeridade não pode ser uma sentença que recaia exclusivamente sobre os mais pobres, enquanto as elites econômicas continuam a desfrutar de privilégios intactos.
O caminho para um ajuste fiscal mais justo passa pela revisão dos gastos com isenções fiscais, pela implementação de uma reforma tributária progressiva e pela reavaliação de subsídios direcionados às elites. O debate precisa transcender o imediatismo das contas e incluir uma visão de longo prazo sobre o papel do Estado na promoção do bem-estar social e na redução das desigualdades.
As reformas de Haddad, embora apresentadas como uma necessidade técnica, são, antes de tudo, decisões políticas. Elas nos convidam a refletir sobre o modelo de sociedade que desejamos construir. Um modelo que prioriza o equilíbrio fiscal à custa dos mais vulneráveis amplia os abismos sociais e compromete os ideais de uma democracia inclusiva. As perguntas que ficam são: 1) Até quando a austeridade será a solução?; e 2) Por que o ônus dessa escolha recai sempre sobre aqueles que menos têm?
Fillipi Nascimento é cientista Social. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper
https://www.em.com.br/