A aposta arriscada do Presidente de militarizar o Governo e o Estado pode ser uma faca de dois gumes
Ainda se escreverá muito sobre o cara e coroa da forte presença militar no Governo de Jair Bolsonaro que pode superar a dos governos da ditadura. Por enquanto, são especulações. Será positivo ou negativo ao Brasil? Essa convergência da presença militar e religiosa, a cruz e a espada, em uma Presidência consagrada nas urnas, teria todos os elementos para aparecer como um retrocesso dos governos progressistas do Partido dos Trabalhadores. E até um perigo aos valores democráticos.
Frente ao silêncio, por exemplo, do Presidente e do ministro da Justiça, Moro, sobre o caso da suposta corrupção que ronda o senador eleito, Flávio, o filho mais velho do Presidente, foi o general e Vice-presidente do Governo, Hamilton Mourão, que falou mais claro. Mesmo insistindo que ainda “não se trata de um caso do Governo”, e sim pessoal do senador, interrogado dias atrás pela GloboNews, foi taxativo: “Se há crime que seja julgado de acordo com a lei”. E acrescentou: “Qual é a grande glória da democracia? A lei. A lei é fundamental no sistema democrático. E mais, a lei serve para todos”.
Por sua vez, Leonardo Sakamoto, doutor em Ciências Sociais e Conselheiro da ONU na luta contra o trabalho escravo, disse ao correspondente da RFI de Genebra, Rui Martins, sobre o fato de que os militares que entraram no Governo se mostram mais preocupados com a Constituição do que os civis. Segundo ele, “se por um lado preocupa (essa grande presença do Exército), já que a sociedade elegeu um governo civil e não militar, por outro, e isso é o mais interessante, boa parte dos militares escolhidos por Bolsonaro parece mais moderada, racional e atenta em seguir a Constituição do que alguns ministros civis”. E cita entre estes últimos os da Educação e das Relações Exteriores que, afirma, “deram declarações e escreveram textos preocupante em relação aos direitos da coletividade”.
Bolsonaro sem dúvida soube jogar para chegar à presidência derrotando a esquerda com as duas preferências da sociedade como o são o Exército e a Igreja que aparecem, diante da crise da política, como as duas instituições mais confiáveis à maioria dos brasileiros. As duas realidades, a militar e a religiosa, servem por sua vez ao novo Presidente como escudo e garantia contra a mediocridade de sua biografia.
O Presidente alertou seus seguidores que seu fracasso significaria “a volta de Lula e do PT ao governo”. Para evitar esse possível fracasso, o ex-paraquedista Bolsonaro se blindou no Governo com a cúpula militar. Hoje o Exército está presente não somente em quase um terço dos ministérios como conta com 45 membros, entre eles 18 generais e 11 coronéis, espalhados em 21 áreas de infraestrutura que lidarão com bilhões de orçamento. Algo que não aconteceu sequer durante os governos da ditadura. Os militares, a partir dos governos de FHC, saíram pela primeira vez até do ministério do Exército, que passou ao controle de um civil. Eles voltaram aos quartéis.
Para Bolsonaro, a aposta arriscada de militarizar o Governo e o Estado pode ser uma faca de dois gumes. Mas também pode ocorrer o mesmo aos militares. Ao aceitar uma presença tão maciça em um governo saído das urnas, um fracasso comprometeria também sua credibilidade diante da sociedade. Eles sabem, como o Presidente, que neste caso eles também ficariam expostos e em evidência diante da sociedade. E a esquerda, muito provavelmente, voltaria a governar. Uma possibilidade tão temida por eles que, para evitá-la, apoiaram abertamente Bolsonaro para chegar ao Planalto.
Ficará, de fato, para a história a famosa publicação no Twitter de 18 de setembro de 2018, do à época comandante do Exército, Villas Boas, às vésperas de uma decisão crucial do STF sobre a possibilidade de colocar Lula em liberdade. Nela, o comandante lembrava que o Exército “repudiava a impunidade” e que “estava atento às suas missões institucionais”. O Supremo deixou Lula na cadeia e o Supremo Tribunal Eleitoral o impediu de ser candidato ao aplicar contra ele a lei da Ficha Limpa. O Presidente Bolsonaro teve o caminho aberto. Já eleito presidente, agradeceu a Villas Boas pela publicação com essas palavras: “O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”. E acrescentou enigmático: “O que conversamos morrerá entre nós”.
Esse possível pacto secreto, quase de sangue, que o Presidente Bolsonaro e o Exército, dizem, levarão para a tumba, é o grande enigma do novo Governo direitista. De acordo com Bolsonaro se trata de uma “nova era” para o Brasil. Ninguém, entretanto, ainda se atreve a prognosticar seu fim e o que isso poderia significar. Será cara ou coroa?