Depois de interferir no reajuste do diesel, presidente Jair Bolsonaro faz reuniões para tentar reverter queda de 7,75% da empresa na bolsa e evitar crises econômica e política. Motivo principal da ordem dada à estatal foi evitar uma nova paralisação dos caminhoneiros

 
O presidente Jair Bolsonaro mergulhou o governo em uma nova polêmica. Dessa vez, com os agentes econômicos. O chefe do Palácio do Planalto ligou na quinta-feira para o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, determinando que segurasse o reajuste do óleo diesel anunciado na tarde daquele dia, de 5,7%. A ordem repercutiu mal nos mercados e provocou a queda de 7,75% no valor das ações preferenciais da estatal (Leia na matéria abaixo). A classe política também se manifestou e cobrou coerência do liberalismo econômico defendido pelo governo na prática, e não apenas no discurso, uma vez que a ação do presidente da República representou uma interferência direta em uma decisão estratégica. A medida, no entanto, atenuou o clima de revolta entre caminhoneiros, que discutem uma nova paralisação.
 
A controversa decisão de Bolsonaro não coloca o governo diretamente em uma crise, avaliam interlocutores do presidente. De qualquer forma, percebendo as insatisfações generalizadas, convocou ainda ontem uma reunião interministerial para fazer o diagnóstico da situação e analisar a melhor maneira de evitar que o desconforto se alastre e, aí sim, insira o governo em um cenário de instabilidade político-econômica.
 
Foram convocadas duas reuniões. Na primeira, reuniu-se com os ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, da Defesa, Fernando Azevedo, de Minas e Energia, Bento Albuquerque, de Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, da Secretaria-Geral, Floriano Peixoto, e da Secretaria de Governo, Santos Cruz. Na segunda, conversou a sós com Azevedo e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, chefe da pasta que tem por função prevenir a ocorrência de crises e articular o gerenciamento delas.
 
As reuniões definiram um novo encontro para terça-feira, a fim de continuar debatendo as ações decisórias sobre o processo. Participarão ministros da área técnica, como Albuquerque, e o da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, bem como técnicos da Petrobras. O governo, no entanto, descarta que os encontros sejam uma forma de intervenção. “O senhor presidente entende que a Petrobras, uma empresa de capital aberto, sujeita às regras de mercado, não deve sofrer interferência política em sua gestão”, sustentou o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros.
 
O porta-voz reconhece que nunca se discutiu política de preços e que, justamente por isso, o governo se propõe a não impor intervenção, apenas buscar diálogo e identificar aspectos técnicos para a tomada da decisão sobre a política de reajustes feita pela Petrobras aos combustíveis. O governo tem pressa, porque a pressão política já está em ebulição.
 

Intervenção

O presidente nacional do MDB, Romero Jucá, advertiu que a intervenção na política de preços da estatal não é uma ação que fortaleça a empresa. “Já vimos isso no passado e o resultado todos nós sabemos. Essa não é uma ação liberal, consentânea com o discurso eleitoral do governo. É preciso pensar”, declarou, no Twitter. O deputado Vinicius Poit (Novo-SP) entende que a alta de preços nos combustíveis é realmente algo que pega no bolso de todos, mas avalia que não é o populismo econômico e o intervencionismo que devem entrar em cena. “Aqui, a solução caminha por mais concorrência e privatização da Petrobras do que canetada segurando preços”, ponderou.
 
A intervenção feita por Bolsonaro — que teria sido sugerida por Lorenzoni — lembra o congelamento de preços no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, que represou o reajuste da gasolina quando o preço do barril de petróleo subia no mercado internacional. O presidente da República se defendeu. Admitiu ter ligado para Castello Branco e disse que não vai ser intervencionista e fazer práticas que “fizeram no passado”. “Mas quero os números da Petrobras para me esclarecer por que 5,7% de reajuste, quando a inflação deste ano está projetada para menos de 5%. Se me convencerem, tudo bem. Se não me convencerem, tudo bem”, disse ontem, quando alfinetou Dilma e, mais uma vez, usou o argumento de praxe de que não é economista. “Quem entendia de economia afundou o Brasil, está certo? Os entendidos afundaram o Brasil”, enfatizou.
 
O presidente admite ter tomado a medida como uma forma de prevenir uma nova paralisação de caminhoneiros. Ivar Luiz Schmidt, líder do Comando Nacional do Transporte, reconhece que a decisão possa ter evitado um novo movimento, mas avalia que o governo ainda não sabe a melhor maneira de agir em relação à categoria. “Como brasileiro, acho que foi uma decisão equivocada. Esse aumento evitado na quinta pode ser maior depois por conta disso. Há outras políticas que podem ser adotadas para melhorar nossa situação”, argumentou. O caminhoneiro Wallace Landim, conhecido como “Chorão”, outro líder da categoria, limitou-se a agradecer. “Isso prova que, mais uma vez, o presidente está do nosso lado”, ponderou. 
 
Perda de R$ 32,4 bilhões

Ao ressuscitar a prática da ex-presidente Dilma Rousseff, de segurar os preços do combustível, a intervenção do presidente Jair Bolsonaro na Petrobras abalou o mercado, a estatal e o setor de combustíveis. Ontem, a petroleira perdeu R$ 32,4 bilhões em valor com a queda das ações. As ordinárias despencaram 8,54% e as preferenciais caíram 7,75%.

A medida vai contra a agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes — que, de Washington, disse desconhecer o assunto. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reconheceu que os liberais defendem a menor intervenção possível no controle de preços. Para o economista Alexandre Espírito Santo, da Órama, a intervenção, se não for bem explicada pelo governo, vai na contramão da proposta de liberalismo que elegeu Bolsonaro. “Foi um baita ruído, talvez um dos piores dos 100 dias de governo, potencializado pelo vencimento das opções na segunda-feira”, assinalou.

De acordo com o economista da BlueMetrix Ativos, Renan Silva, o movimento não é nada saudável. “Não é o que o mercado quer ouvir, os investidores estão sensíveis a esse tipo notícia”, destacou. O dólar fechou em R$ 3,89, com alta de 0,83%, também consequência da decisão de Bolsonaro, segundo o diretor da Mirae Asset, Pablo Spyer. “Aumentou a percepção de risco na visão dos investidores estrangeiros”, avaliou. No entender do economista-chefe da Ativa Investimentos, Carlos Thadeu Filho, o impacto foi grande, mas “menos pior” do que uma eventual paralisação dos caminhoneiros. “Uma greve pode tirar 1% do Produto Interno Bruto (PIB) de um ano já complicado. Ele optou corretamente”, opinou.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sérgio Araújo, a intervenção piora as condições de competitividade do setor. “No nosso cálculo, a defasagem é de R$ 0,14. O reajuste da Petrobras, de R$ 0,12, ainda seria pouco”, disse. Os associados estão com operações paralisadas, porque a estatal pratica preços abaixo da importação. “Dos nove, a metade não importou nem um litro este ano”, lamentou.

A interferência também cria insegurança regulatória e jurídica, segundo o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires. “Está na hora de o governo usar criatividade para reduzir a volatilidade do petróleo, criar um fundo de estabilização, imposto flexível, ou chamar os governadores para mostrar que as alíquotas de ICMS são absurdas”, sugeriu. Com a suspensão do reajuste, Pires calcula que a Petrobras perderá R$ 400 milhões por mês. Paulo Tavares, presidente do Sindicombustíveis-DF, defendeu a revisão do modelo de reajustes. “A Petrobras tem 75% dos custos em reais e pratica 100% atrelado ao dólar”, afirmou. Presente em um encontro nacional setorial, Tavares comentou que todos os dirigentes ficaram surpresos com a intervenção.

Procurada, a Petrobras enviou uma declaração do presidente da companhia, Roberto Castello Branco: “Recebi ontem, no fim do dia, uma ligação telefônica do presidente Bolsonaro me alertando sobre os riscos do aumento do preço do diesel. Considerei legítima a preocupação do presidente. A Petrobras decidiu, então, suspender, por alguns poucos dias, o reajuste. Reitero que a empresa é completamente autônoma para a tomada de decisões”.