A teia de irregularidades que esvaziou aposentadorias de milhões de brasileiros e abriu um rombo superior a R$ 6 bilhões no INSS continua revelando novos personagens. Agora, mais dois deputados federais de Minas Gerais estão na mira da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga o caso. A informação foi confirmada pelo presidente da comissão, senador Carlos Viana (Podemos-MG), em entrevista ao Estado de Minas.

Os nomes dos mineiros ainda não foram revelados. Segundo Viana, o sigilo é necessário porque as apurações ainda irão delimitar a extensão da responsabilidade de cada parlamentar. O que se sabe até o momento é que há movimentação de recursos nas contas desses deputados oriundos de entidades já investigadas pela CPMI e pela Polícia Federal (PF).

“Em Minas, nós temos três nomes que apareceram dentro da investigação. Um é já conhecido, alvo da operação da PF. Os outros dois, eu não vou citar porque ainda precisamos ‘delinear bem a culpa’. É preciso entender se existe envolvimento efetivo no esquema ou se se trata de outra atividade em paralelo”, afirmou o senador. 

No total, 27 parlamentares do país aparecem nas apurações: três senadores e 24 deputados federais, distribuídos por 17 estados. “O que posso adiantar é que todos têm algum tipo de ligação com entidades envolvidas no desvio. As quebras de sigilo estão revelando isso. Mas existe uma questão jurídica: o foro privilegiado. Esses parlamentares podem estar cobertos de falarem somente com o Supremo. A advocacia do Senado está analisando essa questão e me dará uma resposta nos próximos dias sobre o assunto”, explicou Viana.

As investigações apontam que o rombo foi longevo. As irregularidades começaram no governo Michel Temer (2016–2018), atravessaram integralmente o governo Jair Bolsonaro (2019–2022) e chegaram ao governo Lula. O esquema envolvia entidades sindicais e associações que descontavam mensalidades de aposentadorias e pensões sem autorização dos beneficiários.

“Esse grupo de servidores públicos corrompidos pelos operadores e laranjas sobreviveu de governo a governo. Começou no governo Temer, atuou no fim do governo Bolsonaro e conseguiu sobreviver por dois anos no governo Lula”, relata Viana. A operação ganhou novos contornos na última quinta-feira, quando Alessandro Stefanutto, presidente do INSS no início do governo Lula, foi preso; e José Carlos Oliveira, ex-ministro da Previdência no governo Bolsonaro, também foi alvo da PF.

Para o senador, essa longevidade só foi possível graças ao abrigo político. “Porque os servidores do INSS ocupavam cargos indicados, apesar de serem de carreira. E eles para ocuparem esses cargos de governo a governo, eles contaram com ajuda da política”, afirmou.

Próximos passos
A CPMI iniciou seus trabalhos em agosto e dividiu a apuração em duas frentes. A primeira, já praticamente concluída, trata dos descontos associativos irregulares. A segunda investigará empréstimos consignados fraudulentos. “A primeira fase está muito bem concluída. O núcleo que roubou a Previdência e distribuiu o dinheiro via laranjas e empresas fantasmas está praticamente todo preso. Estamos agora finalizando os operadores de laranjas. Queremos terminar agora no final do ano”, afirma o senador.

Viana adianta que a comissão já tem uma delação premiada fechada e negocia outra.  “Há uma segunda delação em andamento. Ela deve trazer informações relevantes para avançarmos ainda mais na responsabilização”, adiantou. A etapa seguinte, prevista para começar em fevereiro de 2026, vai mirar os bancos responsáveis pelos pagamentos. A CPMI tem prazo para encerrar em março de 2026, mas pode ser prorrogada. “Nessa última fase agora, nós também temos a questão política”, completou.

Segundo as investigações, o núcleo do esquema operava a partir de Brasília, mas se espalhou pelo país. “À medida que os operadores, especialmente Antônio Carlos Camilo, foi ganhando espaço, foi se sentindo protegido, inclusive, pelos políticos, ele foi trazendo novos casos, novas associações. Isso ramificou para Sergipe, para o Ceará, para o Maranhão, Pará, Amazonas, e por aí vai. O núcleo operativo era Brasília. Mas existem braços do país todo”, detalhou.

A estrutura envolvia federações e sindicatos ligados a organizações nacionais, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Em Minas, documentos e ações judiciais mostram participação da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetaemg) e de seus cerca de 540 sindicatos. Os descontos, de cerca de 2% do benefício mensal, eram feitos sem conhecimento dos aposentados, como mostrou reportagem exclusiva do Estado de Minas, publicada em maio deste ano.

“Quebramos o sigilo de 17 federações de trabalhadores ligadas à Contag. Mesmo quando a CGU (Controladoria-Geral da União) identificou fragilidade das autorizações, nem a Contag nem o Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos) pararam de descontar. Isso facilitou que o escândalo continuasse”, afirmou Viana.

Para Viana, a exposição pública do escândalo permitiu avanços. “O Governo Federal vem tentando fugir das consequências desse escândalo, devolvendo dinheiro aos aposentados, buscando até mesmo os bancos para poder ter ressarcimento de contratos irregulares. Isso tudo por uma pressão muito clara nossa na CPMI", declarou.

"Estamos expondo à população brasileira as entranhas dessa roubalheira. Sem a pressão popular, sem a divulgação do tamanho e a profundidade desse escândalo, dificilmente os processos de defesa de reembolso dos aposentados caminhariam tão rápido”, completou.

Em julho, a União iniciou o ressarcimento dos aposentados. Cerca de 2,5 milhões de beneficiários aderiram ao acordo, e o montante reservado para os pagamentos foi de R$ 3,3 bilhões. A CPMI também conseguiu aprovar um projeto que proíbe qualquer desconto associativo direto em benefícios do INSS, algo que, segundo o senador, deve “fazer os aposentados dormirem mais tranquilos”.