PREFEITURAS

Nas eleições municipais de outubro deste ano, Minas Gerais teve um índice de reeleição de 44,6% ao considerar o cargo de prefeito. Dos 853 municípios, 381 terão continuidade da atual gestão a partir de janeiro. Sem contar, claro, a grande quantidade de vencedores do pleito que alcançaram o feito com apoio do atual dono da caneta, que muitas vezes não pode se candidatar novamente por já ter cumprido os dois mandatos consecutivos permitidos pela legislação. Esse baixo índice de renovação tem como peça fundamental as chamadas “transferências especiais”, emendas de parlamentares da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Na prática, as chamadas “emendas pix” não dependem de celebração de convênios para realização dos repasses financeiros. Assim, os prefeitos têm carta branca para usar a quantia como bem entender, o que configura uma arma e tanto para o período eleitoral, sobretudo para quem tem o objetivo de continuar dono da cadeira de maneira direta, por meio da reeleição, ou indireta, indicando algum nome para o cargo principal da cidade.

Entre as 20 cidades que mais receberam emendas pix, apenas duas tiveram alternância de poder, segundo levantamento feito pelo Núcleo de Dados do Estado de Minas. Em Marilac, no Vale do Rio Doce, Edmilson Valadão (MDB) tentou a reeleição com R$ 9,3 milhões em transferências especiais, mas perdeu para Aldo França (PSDB). A cidade só não recebeu mais recursos do tipo do que BH.

Já em Santa Luzia, na Grande BH, Wander do Delegado (PSD) tentou se eleger prefeito pela primeira vez com amplo apoio, até no nome de chapa, do ex-chefe do Executivo e atual deputado estadual, Delegado Christiano Xavier (PSD). Wander recebeu R$ 5,7 milhões em emendas pix, mas perdeu o pleito para Paulo Bigodinho (Avante). Cerca de 80% do recurso saíram do gabinete do padrinho político da Assembleia.

Os números mostram que o governo de Minas já pagou R$ 707,8 milhões em emendas pix neste ano, por meio de 3.598 transferências especiais diferentes. Elas variam entre R$ 6 milhões e R$ 9 milhões. A maior foi paga pelo deputado estadual Elismar Prado (PSD) a Ituiutaba, no Triângulo, onde Leandra (Avante) conquistou a reeleição em outubro.

Quando se olha para as cidades, a que mais recebeu dinheiro por meio do mecanismo de pouquíssima transparência foi justamente Belo Horizonte: R$ 13,3 milhões. A maior parte do recurso do tipo dirigido à cidade veio da deputada estadual Bella Gonçales (Psol), que foi candidata a vice-prefeita na chapa do deputado federal Rogério Correia (PT), derrotada no primeiro turno. Ela encaminhou R$ 4,4 milhões ao município.

Postulante em BH, Mauro Tramonte (Republicanos) enviou R$ 220 mil via transferências especiais, enquanto Bruno Engler (PL) não destinou verba para a capital com esse tipo de mecanismo.

Goleadas

O alto repasse em emendas pix da Assembleia não só garante perpetuação no poder, mas também com muita folga de votos, sem qualquer chance para os adversários. Entre as 20 cidades que mais receberam dinheiro a partir do mecanismo, nove tiveram reeleições ou vitórias de apadrinhados com mais de 70% dos votos válidos.

O caso mais emblemático ocorreu em Mathias Lobato, no Vale do Rio Doce, cidade com aproximadamente 3 mil habitantes. Karla do Fabiano (PSDB) bateu os adversários com 95,3% dos votos válidos. Ela irá para o segundo mandato consecutivo. O município recebeu a quarta maior quantia em emendas pix da ALMG neste ano: R$ 7,4 milhões, a maior parte da deputada estadual Alê Portela (PL), exatos R$ 2,6 milhões.

Em Santana do Paraíso, também no Vale do Rio Doce, com quase 45 mil habitantes, Bruno Morato (Avante) reconquistou a cadeira mais prestigiada da cidade com 90% dos votos válidos. A prefeitura recebeu R$ 5 milhões em emendas pix, quase tudo a partir do deputado estadual Repórter Rafael Martins (PSD), que enviou R$ 4,2 milhões.

Grande BH

Não é só no interior que as emendas pix são parte importante de vitórias com folga de candidatos a prefeituras. Em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de BH, Túlio Raposo (Progressistas) recebeu apoio do atual prefeito Junynho Martins (União) e da Assembleia para bater os concorrentes no primeiro turno com 81,6% dos votos válidos.

Os R$ 3,9 milhões em transferências especiais vieram, principalmente, do deputado estadual Vitório Júnior, correligionário de Túlio e ex-vice-prefeito. Só ele enviou R$ 2,5 milhões para a cidade por meio do mecanismo.

 “Poder oligárquico”

O cientista político e professor da ESPM, Paulo Ramirez, afirma que há um processo histórico, relacionado às emendas pix, que fortalece partidos de centro, aqueles sem ideologia bem definida, longe da polarização. "Existe uma forte articulação entre os deputados e as prefeituras por essas verbas de gabinete. Isso tem um maior efeito em cidades pequenas, onde as obras públicas são mais evidentes e perceptíveis pela população. No fim das contas, essa articulação só fortalece os partidos de centro, que têm o maior número de parlamentares. Essas emendas reforçam o poder oligárquico de alguns prefeitos e seus grupos políticos”, analisa.

Ainda de acordo com o especialista, esse cenário reflete diretamente no comportamento do eleitor. “As obras públicas visíveis reforçam as preferências eleitorais. Os benefícios são mais evidentes, e o prefeito acaba ganhando notoriedade para o pleito. Se não há reeleição, há manutenção do poder, da hegemonia, a partir de um sucessor”, diz.

Como funciona o mecanismo

A emenda parlamentar é o instrumento que permite aos deputados realizarem alterações no orçamento anual do Poder Executivo. São quatro tipos: a individual, a de bancada, a de comissão e a de relator. O Poder Executivo não é obrigado a dar cumprimento a todas as indicações do tipo. As únicas que devem ter execução orçamentária e financeira obrigatórias são as emendas individuais, limitadas a 2% da receita corrente líquida. Até o ano passado, esse limite era de 1%, mas a Assembleia Legislativa dobrou o patamar em uma PEC aprovada em abril de 2023. Já a transferência especial é uma modalidade de emenda criada em 2019 para viabilizar o repasse de recursos sem celebração de convênio, com objetivo de “reduzir a burocracia”.

Manutenção do poder

Das 20 cidades que mais receberam transferências especiais, só em duas houve alternância de grupo político no pleito de outubro

 Prefeitura           Valor recebido              Status da eleição

Belo Horizonte     R$ 13,3 milhões          Prefeito reeleito


Marilac                R$ 9,3 milhões             Prefeito perdeu


Frei Gaspar          R$ 9,2 milhões              Apoiado pelo prefeito foi eleito


Mathias Lobato     R$ 7,4 milhões             Prefeito reeleito


Patos de Minas      R$ 7,5 milhões              Prefeito reeleito


Divinópolis           R$ 7,1 milhões                Prefeito reeleito


Ituiutaba               R$ 6,7 milhões               Prefeito reeleito


Itabirinha              R$ 6,0 milhões               Prefeito reeleito


Santa Luzia            R$ 5,7 milhões                Apoiado pelo prefeito perdeu

 

Vespasiano                R$ 5,7 milhões                Vice-prefeito eleito


Nova Módica              R$ 5,5 milhões                 Apoiado pelo prefeito foi eleito


Santana do Paraíso      R$ 5,0 milhões                Prefeito reeleito


Nova Belém                R$ 5,0 milhões                 Prefeito reeleito


Chapada do Norte R$   4,8 milhões                    Prefeito reeleito


Santana do Manhuacu  R$ 4,5 milhões              Prefeito reeleito


Cuparaque                 R$ 4,3 milhões                Prefeito reeleito


Ribeirão das Neves     R$ 4,0 milhões               Apoiado pelo prefeito foi eleito


Tres Pontas                R$ 3,9 milhões                Vice-prefeito eleito


Prudente de Morais     R$ 3,6 milhões                Prefeito reeleito


Andradas                   R$ 3,5 milhões                 Prefeito reeleito


Fonte: Portal de Emendas do Governo de Minas Gerais