Dinheiro Público


De fevereiro a agosto, ministro Walton Alencar, decano da Corte de Contas, fez sete viagens para fora do Brasil, de Paris às Ilhas Cook, que custaram cerca de R$ 450 mil em passagens e diárias; TCU alega aumento de compromissos internacionais do órgão

Em menos de oito meses, o Tribunal de Contas da União (TCU) já pagou R$ 449.890,38 apenas em passagens e diárias do ministro Walton Alencar Rodrigues, o decano da Corte, que é o campeão de gastos com viagens a serviço neste ano. O órgão alega que a alta cifra está relacionada ao aumento recente de compromissos internacionais da instituição.

Responsável por zelar pelo dinheiro público no País, o TCU desembolsou mais de R$ 3,9 milhões, ao todo, para arcar com viagens nacionais e internacionais de cerca de 50 ministros e assessores em 2024. A informação é de levantamento exclusivo do Diario de Pernambuco, feito por meio do portal da transparência, com dados de 16 de janeiro a 24 de agosto.

Líder de despesas, Walton Alencar foi sete vezes ao exterior nesse período, para representar a Corte de Contas em eventos, reuniões e visitas técnicas. Entre os destinos do ministro, estão diferentes cidades da Europa, Estados Unidos e até as paradisíacas Ilhas Cook, na Oceania, famosas por atrair turistas e mergulhadores.

Só as passagens do decano da Corte custaram R$ 204.481,55. O ministro recebeu mais R$ 245.408,83 por 62 diárias internacionais. Ou seja, a cada três dias e meio, Walton Alencar passou pelo menos um deles no exterior.

Questionado pelo Diario, o TCU diz que o número de viagens está ligado à “forte atuação em diversas organizações internacionais de controle” e ao “dever e responsabilidade de comparecer a inúmeras reuniões técnicas e assembleias”. A reportagem também procurou o gabinete do ministro e não obteve retorno.

Segundo o tribunal alega, Walton Alencar foi designado como supervisor da nova Secretaria de Controle Externo das Nações Unidas (SecexONU), criada há menos de um ano. A pasta é dedicada a acompanhar o Conselho de Auditores da ONU (Board of Auditors), para o qual o Brasil foi eleito em novembro de 2023.

Esse conselho é responsável por auditar os fundos, missões e programas das Nações Unidas em diferentes partes do mundo. As outras atribuições internacionais do TCU incluem presidir a Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle (Intosai, na sigla em inglês) e o grupo de engajamento formado por países do G20 (SAI20).

Agenda cheia

Em 2022, antes mesmo de o Brasil ser eleito para o Conselho da ONU, Walton Alencar chegou a se envolver em uma viagem polêmica de nove dias para Ukulhas, nas Maldivas, para participar de um evento que só durou três dias. À época, as passagens e diárias do ministro custaram R$ 79.723,85.

Já neste ano, a viagem para fiscalizar a Missão de Paz da ONU na República do Kosovo, nos Bálcãs, saiu ainda mais cara. O decano do TCU ficou duas semanas na capital Pristina, de 25 de julho a 8 de agosto, com gasto total de R$ 87.834,57 aos cofres públicos. 

Pouco antes de embarcar para Kosovo, Walton Alencar passou dez dias em Nova York, onde participou de conferência da Intosai, no Consulado-Geral do Brasil, e fez parte da comitiva que compareceu à posse no Board of Auditors, na ONU, ocorrida em 24 de julho. Era a segunda visita aos Estados Unidos em dois meses.

Em maio, Walton Alencar já havia se hospedado em Washington, para visitar o Banco Mundial e acompanhar uma rodada de apresentação de projetos em infraestrutura de transportes para investidores. Presidente do TCU, o ministro Bruno Dantas também participou dessas agendas na capital norte-americana.

Por causa dos compromissos em Washington, o presidente Bruno Dantas recebeu 7,5 diárias (R$ 28.941,69), correspondentes ao período de 8 a 14 de maio, segundo os dados do TCU. Já no caso do ministro Walton Alencar, a viagem bancada pela Corte se esticou até o dia 17. Foram dez diárias no total – ou, em cifras, R$ 38.288,99. O tribunal não explicou a razão dos dias a mais.

Logo em seguida, em 18 de maio, o decano do TCU pegou o avião com destino a Rarotonga, a capital das Ilhas Cook, onde ficou uma semana. O motivo era uma assembleia da Associação das Instituições Superiores de Controle do Pacífico (PASAI). Considerando todas as despesas, a viagem custou R$ 79.178,71.

Walton Alencar foi, ainda, outras três vezes à Europa para participar de reuniões e seminários. Em Paris, na França, ficou de 24 de fevereiro a 5 março. Já em Lisboa, em Portugal, teve duas estadias: de 1º a 6 de abril e entre 1º e 9 de julho.

Sem entrar em detalhes sobre as viagens citadas, a Corte de Contas defende os custos desembolsados e afirma, na nota, que a “cooperação internacional entre instituições superiores de controle (ISCs) contribui ativamente para a resolução de problemas coletivos”.

“Esse intercâmbio de boas práticas ajuda a aumentar o já elevado grau de excelência do TCU, possibilitando entregas de maior qualidade para benefício da sociedade brasileira”, diz.  

“Como forma de transparência ativa, o TCU divulga todas as informações sobre viagens de autoridades e servidores, com o respectivo destino, em seu Portal, na página de Transparência e Prestação de Contas”.

Ministro “gastão” foi relator de decisão que excluiu PE em Transnordestina

Líder de gastos com viagens oficiais do TCU, Walton Alencar Ribeiro é o ministro mais antigo em atividade na Corte de Contas, convive em uma família de juristas e já julgou processos de grande repercussão para Pernambuco.

Entre eles, o decano do tribunal relatou o acórdão que aprovou a retirada do trecho entre Salgueiro, no Sertão, e o Porto de Suape, no Grande Recife, das obras da Ferrovia Nova Transnordestina, considerada um dos principais projetos de desenvolvimento regional.

A exclusão de Pernambuco foi oficializada em um novo contrato, assinado pela gestão Jair Bolsonaro (PL), em dezembro de 2022, no apagar das luzes do governo. Na época, a concessionária responsável pela construção, a Transnordestina Logística SA (TLSA), que é controlada pelo grupo CSN, alegava não haver viabilidade econômica no trecho.

Àquela altura, a empresa já havia consumido R$ 6,2 bilhões e o ramal Salgueiro-Suape só tinha 181 dos 542 quilômetros de malha ferroviária construídos. Em 2016, o TCU chegou a suspender os repasses federais por suspeita de superfaturamento. As obras, que já andavam a passos lentos, foram abandonadas. 

Exclusão de Pernambuco 

No decorrer do processo, o ministro Walton Alencar acatou que o contrato fosse repactuado e deu aval para a concessionária retomar apenas as obras que ligam a Transnordestina ao Porto de Pecém, no Ceará, autorizando novos aportes públicos. A decisão do relator foi confirmada em Plenário em 2022.

O acórdão causou forte reação pelo risco de Pernambuco ficar de fora dos avanços promovidos pelo projeto. A expectativa da Transnordestina é gerar 90 mil novos empregos e incrementar R$ 7 bilhões ao PIB por ano na sua região de influência. 

Em março de 2023, uma frente parlamentar para cobrar a construção do ramal Salgueiro-Suape foi formada na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) e chegou até a bancada federal, composta por 25 deputados e os três senadores. Os governos Lula (PT) e Raquel Lyra (PSDB) também fizeram uma série de articulações para retomar as obras.

O novo edital do governo federal, no entanto, só foi lançado em abril deste ano, com previsão de investimento inicial de R$ 450 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Com a nova contratação ainda em trâmite, a construção do ramal continua parada.

Troca de favores

Nomeado para o TCU em 1999, Walton Alencar esteve à frente de outros processos de interesse político, como a aprovação de contas de governo ou o mandato de agências reguladoras. Ao longo da carreira, o ministro também chegou a ser acusado de troca de favores para emplacar familiares em altos postos do Judiciário.

O caso de maior repercussão foi revelado pela Veja em 2014. Na ocasião, a revista divulgou troca de mensagens entre Walton Alencar e Erenice Guerra, então braço-direito de Dilma Rousseff, que era ministra da Casa Civil à época, apreendidas pela Polícia Federal (PF).

Segundo a publicação, o ministro repassava informações de processos sigilosos para fortalecer a indicação da própria mulher, Isabel Gallotti, ao cargo de ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ela foi nomeada por Lula em agosto de 2010.

Já no governo Bolsonaro, Isabel Gallotti chegou a ser cotada para assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) – episódio em que, mais uma vez, Walton Alencar foi apontado como o principal articulador. 

No ano passado, a ministra tomou posse como titular do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ela também assumiu, nesta semana, a Corregedoria Geral Eleitoral, que é responsável por processos de investigação de crimes como abuso de poder.

O Diario procurou o TCU e o gabinete do ministro Walton Alencar para comentar o episódio. Não houve manifestação até o momento.

 

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