A 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal pediu à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que questione no Supremo Tribunal Federal a Conselho Nacional do Ministério Público que manteve a competência única do Ministério Público Militar para a investigação sobre os 12 militares pela morte do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador de recicláveis Luciano Macedo, no Rio de Janeiro, no dia 8 de abril.

O Conselhão acolheu pedido do procurador-geral de Justiça Militar, Jaime de Cássio Miranda, e mandou arquivar o inquérito do Ministério Público Federal, e manteve apenas as investigações no MP Militar.

O subprocurador-geral da República Domingos Sávio Dresch da Silveira, coordenador da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão MPF, discorda da decisão e sustenta que a ‘Constituição Federal, em seu art. 142, traz dois princípios basilares das Forças Armadas e que podem ser estendidos aos militares estaduais: a hierarquia e a disciplina’. "Por serem princípios, orientam a interpretação de todas as normas relativas aos militares".

Silveira lembra que a Procuradoria-Geral da República já se manifestou favorável a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo PSOL, junto ao Supremo Tribunal Federal, contra uma lei de 2017, sancionada no governo Michel Temer (Lei n. 13 491/2017), que dispõe sobre a competência da Justiça Militar para julgar crimes de militares contra civis.

Segundo o procurador, ‘antes da referida mudança legislativa, o CPM previa que seriam delitos militares "os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum (…)"‘. "Após a alteração legal, o texto passou a ser "os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal (…)""

"Assim, o legislador infraconstitucional permitiu que todos os crimes previstos no ordenamento jurídico possam ser considerados como militares, o que significa uma expansão indevida do conceito de crime militar previsto nos arts. 5º, inciso LIII, 124 e 125, § 4º da Constituição Federal.", sustenta.

Silveira argumenta que ‘se a intenção fosse atribuir à Justiça Militar o julgamento de qualquer crime praticado por militar, não haveria motivo para a utilização da expressão "crimes militares", bastando ao Constituinte definir a competência em razão da qualidade de militar do agente’.

"No entanto, como se verifica no art. 125, § 4º, da CF, houve a preocupação do legislador constitucional em distinguir a competência em razão do agente (crimes praticados por militares) e em razão da matéria (crime militares). Infere-se, portanto, que a definição de crime militar deve ser excepcional", anota.

Ação penal

Na Justiça Militar, 12 são réus por homicídio qualificado, tentativa de homicídio e omissão de socorro. Eles foram denunciados pelas promotoras de Justiça Militar Najla Nassif Palma e Andrea Blumm Ferreira.

As promotoras detalham que os denunciados dispararam 257 tiros de fuzil de pistola e que, somente o carro de Santos foi atingido por 62 tiros ‘sendo 38 de calibre 5,56mm; 12 de calibre 7,62mm; 1 de calibre 9mm; e 11 de calibre não identificado’. "Não foram encontradas armas ou outros objetos de crime com as vítimas", ressaltam.

Investigações

Em outra esfera, o Ministério Público Federal no Rio instaurou Procedimento Investigatório Criminal (PIC) para averiguar a conduta dos militares. A Procuradoria ressaltou ‘a necessidade de averiguar as circunstâncias em que os fatos ocorreram, tendo em vista a lesão aos serviços e interesses da União devido a participação de agentes federais no exercício da função’.

Em 9 de abril, a 7.ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) da Procuradoria Geral da República expediu orientação na 46.ª Sessão Ordinária de Coordenação, por unanimidade, sobre a ‘inconstitucionalidade da Lei nº 13.491/2017, que transferiu para Justiça Militar a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida cometidos por militar das Forças Armadas contra civil’ - constatada em parecer da procuradora-geral da República na ADI 5901.

O colegiado entende que ‘é função institucional do Ministério Público Federal exercer o controle externo de atividade policial, bem como impulsionar a investigação preliminar e o processo penal’.

No dia 13 de maio, no entanto, o procurador-geral de Justiça Militar pediu, em reclamação ao Conselho Nacional do Ministério Público, que as investigações do MPF fossem suspensas liminarmente e, no mérito, ‘obstadas’.

Jaime de Cássio Miranda disse que se trata ‘de inconstitucionalidade meramente aventada, sem nenhum acolhimento pelo Poder Judiciário até o presente momento, razãopela qual não pode o Ministério Público Federal, por conta própria, furtar-se da vontade do legislador’. "Essa assertiva tampouco é falsa, mas ela só vale, obviamente, para a persecução de crimes federais".

"As mortes que decorreram dos disparos efetuados pelos militares do Exército no dia 7 de abril deste ano, em Guadalupe, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, resultaram - insiste-se - do cometimento, em tese, de crime militar", escreve.

Os argumentos foram acolhidos pelo CNMP.

Fuzilamento

Rosa dirigia seu carro, um Ford Ka sedan branco, rumo a um chá de bebê, e transportava a mulher, um filho, o sogro e uma adolescente. Ao passar por uma patrulha do Exército na Estrada do Camboatá, o veículo foi alvejado com 62 disparos pelos militares. O motorista morreu no local. O sogro ficou ferido, mas sobreviveu. O catador Macedo, que passava a pé pelo local, também foi atingido e morreu dias depois.

Prende e solta

Foram presos o tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo, o sargento Fábio Henrique Souza Braz da Silva e soldados Gabriel Christian Honorato, Matheus Santanna Claudino, Marlon Conceição da Silva, João Lucas da Costa Gonçalo, Leonardo Oliveira de Souza, Gabriel da Silva de Barros Lins e Vítor Borges de Oliveira. Todos atuam no 1º Batalhão de Infantaria Motorizado, na Vila Militar, na zona oeste do Rio.

Posteriormente, por maioria de votos, os ministros do Superior Tribunal Militar decidiram no dia 23 de maio libertar nove militares presos. Do total, 11 ministros votaram pela soltura dos militares. A ministra Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha foi o único voto contra a liberdade do grupo.

Elizabeth apontou, durante o julgamento, ‘uma tentativa visível de manipulação de provas’ por parte dos militares.

"Durante o auto de prisão em flagrante, ao utilizarem-se da mentira, que inclusive comprometeu o Comando Militar do Leste, comprometeu a própria credibilidade do Exército, eles influíram para que viessem aos autos três fotos de viaturas atingidas", afirmou a ministra.

"Tais viaturas de fato possuem marca de tiro, no entanto, tais fotografias que são parte de veículos, se percebe nitidamente que se tratam de automóveis completamente diferentes daquele que estava sendo utilizado na ação. Os militares que engendraram esse esquema ardiloso para enganar o Comando do Leste apresentaram na APF fotos de blindados que foram de fato alvejados por tiros.", afirmou.