MUDANÇA DE VENTOS

BRASÍLIA - O ex-embaixador dos Estados Unidos (EUA) no Brasil Thomas Shannon declarou, em entrevista à BBC News Brasil, que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é “página virada” para o presidente norte-americano Donald Trump. Segundo ele, Trump sentiu que estava mal informado sobre o Brasil ou foi induzido ao erro ao aplicar as tarifas de 50% aos produtos brasileiros.

“Trump sabe que sua tentativa de proteger Bolsonaro da prisão e garantir que ele pudesse disputar eleições fracassou Por que ele vai fracassar de novo quando já fracassou uma vez? Trump é astuto nesse ponto. Ele sabe quando não pode avançar em uma frente e procura outra”, disse.

“Acho que perdeu relevância principalmente porque o Brasil deixou muito claro que não iria ceder. E a instituição brasileira em questão — o Supremo Tribunal Federal — deixou muito claro que iria continuar com a acusação e manter a proibição de Bolsonaro concorrer nas próximas eleições. Uma vez que isso ficou evidente, o que os Estados Unidos poderiam fazer?”, continuou.

Em carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em julho, Trump citou o processo contra Jair Bolsonaro como um dos motivos ao anunciar as tarifas de 50%. Na avaliação do presidente dos EUA, Bolsonaro sofria uma "caça às bruxas".

Desde então, o ex-presidente foi condenado a a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, e o governo dos Estados Unidos aplicou a Lei Magnitsky contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e seus familiares.

Mudança de estratégia

Na entrevista, Shannon afirmou que a mudança de estratégia de Donald Trump se deu à sinalização de que o Brasil e as instituições brasileiras não iriam ceder. A mudança nas relações ocorreu na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em 23 de setembro, após um breve encontro nos bastidores. Em seu discurso, Trump relatou que teve uma "química boa" entre ele e Lula e que os dois combinaram de se encontrar.

"Trump estava adotando uma estratégia que, quase certamente, continuaria até pelo menos as eleições brasileiras. Era um longo período. E as tarifas não apenas teriam impacto no Brasil, mas também nos Estados Unidos — não apenas nos consumidores americanos, mas nas empresas americanas que dependem de produtos brasileiros ou que têm empresas brasileiras em suas cadeias de suprimento". 

"E elas teriam que aumentar os preços de seus produtos. Isso se tornaria cada vez mais controverso e desafiador, especialmente se o Brasil não desse sinais de ceder — e o Brasil não deu sinais de ceder", declarou.

Shannon acredita, no entanto, que as sanções contra ministros do STF e outras autoridades devem ser mantidas. Para ele, as negociações entre EUA e Brasil devem se concentrar em questões econômicas.

"Acho que o presidente foi exposto, por meio do setor privado americano, a uma espécie de curso intensivo sobre o impacto que essas tarifas teriam no dia a dia de muitos americanos", avaliou o diplomata.

Shannon foi embaixador no Brasil nomeado pelo ex-presidente Barack Obama. Atualmente, o diplomata aposentado atua em um escritório de advocacia que foi contratado pela AGU (Advocacia Geral da União) nos EUA para defender os interesses do Brasil no caso do tarifaço.

Encontro de Lula com Trump

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, confirmou que deve se encontrar com o presidente Lula (PT) na Malásia. A expectativa é que os dois se reúnam neste domingo (26/10). Lula disse que “trabalha com otimismo” para buscar uma solução e resolver os impasses entre os dois países.

“Não tem exigência dele e não tem exigência minha ainda. Vamos colocar na mesa os problemas e tentar encontrar uma solução. Então pode ficar certo que vai ter uma solução”, afirmou em entrevista a jornalistas na chegada de um compromisso no país asiático. 

Em agenda anterior, Lula destacou que pode discutir qualquer assunto com Trump. "Não existe veto a nenhum assunto. Não tem assunto proibido para um país do tamanho do Brasil conversar com um país do tamanho dos Estados Unidos. Podemos discutir de Gaza à Ucrânia, de Rússia a Venezuela, materiais críticos, minerais, terras raras. Qualquer assunto", afirmou o petista. 

Enquanto embarcava nos EUA rumo à Malásia, Trump foi questionado se encontraria Lula e respondeu: “Acredito que sim”. O norte-americano também foi indagado se reduziria as tarifas de 50% aplicadas a produtos brasileiros, e informou que “sob as circunstâncias certas”.