(FOLHAPRESS) - Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) procuraram se distanciar do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e afirmaram não ter conhecimento da minuta de decreto golpista revelada nesta quinta-feira (12) pela Folha de S.Paulo. Outros preferiram silenciar sobre o assunto.

A Polícia Federal encontrou na casa do ex-titular da Justiça uma proposta para Bolsonaro instaurar estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Em um primeiro momento, ex-integrantes do governo se disseram surpreendidos e, reservadamente, chegaram a aventar a teoria de um documento plantado para prejudicar Bolsonaro. A hipótese caiu por terra quando o próprio Torres admitiu nas redes sociais a existência minuta.

Então, integrantes do primeiro e segundo escalão de Bolsonaro adotaram silêncio, alegando não ter conhecimento do caso; ou disseram que Torres, que está nos Estados Unidos, deveria simplesmente se entregar à Justiça e prestar esclarecimentos.

Ex-palacianos também afirmaram nunca terem tido ciência de discussões sobre o assunto ou da existência de qualquer documento elaborado para reverter o resultado das eleições. Bolsonaro nunca reconheceu a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O antigo entorno de Bolsonaro e parlamentares aliados afirmam reservadamente que o ex-ministro deveria se entregar logo à PF. A avaliação é de que quanto mais Torres demorar, maior será o desgaste para o grupo político do ex-presidente.

A situação de Torres coloca ainda mais pressão sobre Bolsonaro, que já sofreu o desgaste da associação com os vândalos que depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. O ex-presidente também está nos Estados Unidos. Ele viajou para o exterior antes do término de seu mandato e ignorou o rito democrático de passar a faixa presidencial a seu sucessor.

Procurados pela Folha, outros parlamentares bolsonaristas disseram que a defesa de Torres já se manifestou.

Há um mandado de prisão contra o ex-ministro de Bolsonaro, expedido por Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). O magistrado fala em "uma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas".

"No caso de Anderson Torres e Fabio Augusto Vieira [ex-comandante da PM do DF, que foi preso], o dever legal decorre do exercício do cargo de Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e de Comandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, e a sua omissão ficou amplamente comprovada pela previsibilidade da conduta dos grupos criminosos e pela falta de segurança que possibilitou a invasão dos prédios públicos", afirmou o ministro.

A reportagem procurou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filhos do ex-presidente, mas nenhum deles se manifestou. Também entrou em contato com a assessoria do ex-vice-presidente da República Hamilton Mourão (Republicanos-RS), senador eleito, mas não houve retorno.

A Folha procurou ainda bolsonaristas como os deputados federais Carla Zambelli (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF) e o líder do PL na Câmara, Altineu Cortês (PL-RJ). Não houve resposta.

Ex-líder do governo Bolsonaro, o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) procurou se distanciar do assunto. "Não tenho conhecimento. Nunca ouvi falar", afirmou.

Torres disse nas redes sociais que o documento foi "vazado fora de contexto". O ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de segurança de Ibaneis Rocha (MDB-DF) afirmou que havia uma pilha de papéis em sua casa para descarte.

"No cargo de ministro da Justiça, nos deparamos com audiências, sugestões e propostas dos mais diversos tipos. Cabe a quem ocupa tal posição o discernimento de entender o que efetivamente contribui para o Brasil", escreveu no Twitter.

"Havia em minha casa uma pilha de documentos para descarte, onde muito provavelmente o material descrito na reportagem foi encontrado. Tudo seria levado para ser triturado oportunamente no MJSP [Ministério de Justiça e Segurança Pública]."

No Senado, líderes já dão como certa a abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a invasão ao Congresso, Palácio do Planalto e STF no domingo.

O requerimento apresentado pela senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS) já recebeu o apoio de 47 senadores -dos quais 34 ainda terão mandato na próxima legislatura, a partir do dia 1º de fevereiro.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou na terça-feira (10) que considera a CPI "muito pertinente". Pacheco disse a pessoas próximas que o Parlamento precisa dar uma resposta à sociedade, e que vai apoiar a CPI se for reeleito para o comando do Senado.

Principal adversário de Pacheco na disputa pela presidência da Casa, o senador eleito Rogério Marinho (PL-RN), já sinalizou a pessoas próximas que também daria andamento à investigação, como manda o regimento interno.

A minuta de decreto golpista foi encontrada no armário da casa de Torres durante busca e apreensão realizada na última terça. A PF vai investigar as circunstâncias da elaboração da proposta.

O objetivo, segundo o texto, era reverter o resultado da eleição. Tal medida seria inconstitucional.