ELEIÇÕES 2026

BRASÍLIA – Arquiteto do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), condenado e preso por corrupção na esteira da Lava Jato, o carioca Eduardo Cunha, de 67 anos, pretende voltar à Câmara dos Deputados concorrendo por Minas Gerais em 2026.

Ao mesmo tempo em que mantém influência, com a filha Dani Cunha (União Brasil-RJ) como deputada federal, ele tenta construir um reduto eleitoral no Triângulo Mineiro. A base é Uberaba, onde já atua no futebol, agronegócio e em rádios e igrejas evangélicas.

Torcedor do Flamengo, Cunha tornou-se patrocinador do Uberaba Sport Club, centenário time da cidade escolhida como base eleitoral, que disputa a segunda divisão do Campeonato Mineiro – é o lanterna do Grupo A; são dois grupos com seis equipes cada. 

“Olá! Eu sou Eduardo Cunha, da nossa Rádio Maravilha, que está sendo instalada em Uberaba. Passo aqui para desejar todo sucesso ao Uberaba Sport Club nessa sua luta para chegar à primeira divisão. Contem conosco. Um abraço”, comunicou Cunha em rede social em abril.

A Rádio Maravilha, do ex-deputado federal, se comprometeu a transmitir todos os jogos do Uberaba. Fundado em 1917, o clube, que tem o boi zebu como mascote, não participa da primeira divisão do Mineiro desde 2012, quando foi rebaixado ao ficar na última colocação.

Participação na Expozebu e em leilão de gado 

Cunha tenta se aproximar do agronegócio de Minas Gerais participando de eventos do setor. No fim de abril, ele visitou a abertura da Expozebu.

A feira de gado recebeu também os governadores Romeu Zema (Minas), Ronaldo Caiado (Goiás) e Ratinho Jr. (Paraná), além do deputado Arthur Lira (PP-AL), outro ex-presidente da Câmara. 

Na ocasião, Cunha teve reuniões com parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), integrantes da diretoria da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) e políticos da região.

Antes, em fevereiro, Cunha marcou presença em um leilão de gado em Uberaba, ao lado do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e, de novo, Lira, entre outros políticos. 

O evento foi organizado por uma empresa de Ibaneis Rocha e pelo Grupo Monte Verde, dirigido por Felipe Picciani, filho do ex-deputado Jorge Picciani, antigo correligionário de Cunha, que morreu em 2021.

Além de participarem de leilão de gado de elite numa sexta-feira, almoçaram juntos em uma fazenda no sábado. Cunha estava acompanhado de assessores e de alguns políticos fluminenses. 

Rádios evangélicas e apoio do apóstolo Valdemiro Santiago

Cunha também tem investido em rádios evangélicas no interior de Minas, como fez no início da carreira parlamentar no Rio, quando ficou conhecido por participações diárias em uma rádio gospel. De acordo com o jornal O Globo, ele abriu cinco rádios no interior mineiro. 

Em Uberaba, o político adquiriu a estação Agora FM, que pertencia ao empresário local Hermany Andrade Junior, e a rebatizou em fevereiro como Rádio Maravilha — mesmo nome de uma estação, também ligada a Cunha, que foi aberta em 2024 no Rio, voltada à programação gospel. 

No universo evangélico, Cunha tem como forte aliado o apóstolo Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus. O ex-presidente da Câmara tem ido a muitos cultos. Ele, inclusive, participou da inauguração de uma unidade da MPD em Araxá (MG), no Alto Paranaíba, em abril.

Na ocasião, o político recebeu um afago público de Santiago. Os dois ficaram juntos no palco montado em frente ao novo templo. Quando desceu para dar bênção aos fiéis, o apóstolo, de microfone em punho, passou a fazer elogios a Cunha.

“Esses dias eu desejei que o senhor estivesse lá (na Câmara), de novo; porque foi o que teve coragem de colocar em pauta um assunto que ninguém mais teve coragem (…) E eu tiro o chapéu quando alguém tem coragem, mesmo que depois tenha que pagar um preço alto”, disse Santiago. 

“Vamos em frente, porque Deus vai abençoar e tudo vai voltar a ser como era antes: coragem, ousadia, e poder de decisão. Eu nunca esqueci isso e nunca vou esquecer. O povo também não esquece não”, disse o apóstolo, sem explicar qual seria o assunto colocado em pauta por Cunha no Legislativo.

Apesar de ter a região do Triângulo como novo reduto eleitoral, o ex-presidente da Câmara escolheu Belo Horizonte como moradia. Ele costuma passar a semana em um prédio na Savassi, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, um dos metros quadrados mais valorizados da capital mineira.

O imóvel serve como seu escritório político. É nele que recebe autoridades estaduais e nacionais, além de lideranças evangélicas. Filiado ao Republicanos, teria mantido conversas com Valdemar da Costa Neto para concorrer na chapa do Partido Liberal (PL) no ano que vem.

Partido de Bolsonaro descarta filiação de Eduardo Cunha

Políticos mineiros também têm sido procurados pelo carioca. A opção favorita dele é o PL, que elegeu Jair Bolsonaro presidente da República e hoje detém a maior bancada da Câmara com 91 deputados. 

As demonstrações de expansão do PL e a ligação do partido com o público evangélico o atraem, mas a vontade dele não é a única variável que importa nesse cálculo. Nomes do diretório mineiro do partido avaliam que Cunha não cabe nesse tabuleiro político. 

O assunto surgiu durante reunião entre os mineiros do PL e foi amplamente refutado. A amizade com Valdemar também não seria suficiente. O próprio disse ao colega, segundo relatou uma fonte, que ele não deveria alimentar qualquer expectativa de se filiar ao partido.

A avaliação é que a trajetória política de Cunha colaria uma pecha negativa no sigla, atraindo para ele adjetivos ruins como “corrupto”.

Outro ponto colocado é que a carga de eleitores que ele poderia atrair não é necessária para o bom desempenho da sigla na eleição, principalmente porque o partido tem em Minas um de seus principais cabos eleitorais e puxadores de voto: o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG)

Soma contra Cunha o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG). Cotado para disputar o governo de Minas em 2026, em chapa com o PL, ele externou publicamente a rejeição ao ex-presidente da Câmara, em discurso na tribuna do Senado, em dezembro.

“A vontade que eu tinha era de dar um murro na cara de um cara como o Eduardo Cunha, que quer ser candidato. Mas não pode, porque o culpado ainda vira a gente. Esses caras devem estar tomando uísque e rindo da cara do povo. Estão fazendo apostas para ver quem ganha eleição”, disse.

Além do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Cleitinho citou o ex-ministro José Dirceu e o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral. Para o senador mineiro, “não há moral, para quem desviou dinheiro público, se candidatar novamente”.

Elo com evangélicos torna Cunha atraente para outros partidos

A rejeição do partido de Bolsonaro empurra Cunha para o meio do espectro político e atrai para ele o interesse de partidos do Centrão — que ganharam mais poder quando ele era presidente da Câmara. 

A influência que ainda exerce sobre poderosos pupilos, como Lira, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o ministro dos Esportes, André Fufuca, o tornam desejável. 

Pesa a favor dele também os votos do eleitorado evangélico. A recente aproximação com a Igreja Mundial garantiria ao menos 15 mil votos a ele. O suficiente para elegê-lo deputado federal.

“Que partido poderia dispensar esse número de votos?”, questiona uma liderança mineira. Inevitavelmente, pela filiação atual, o Republicanos sai na frente de outros concorrentes. 

Eduardo Cunha, o pai do Orçamento Secreto

Cunha não deixou só herdeiros políticos na Câmara dos Deputados, desde a cassação de seu mandato em setembro de 2016. Seu grande legado são as emendas cada ano mais robustas e o controle do Congresso sobre o Orçamento. 

Foi Cunha quem fortaleceu o papel do Legislativo na distribuição bilionária do dinheiro público e foi ele quem ensinou a Lira o bê-a-bá que mais tarde se transformaria no Orçamento Secreto. 

Nos 17 meses na presidência da Câmara, Cunha usou o Orçamento e as emendas como instrumentos de barganha política. Foi graças a ele que as emendas individuais se tornaram impositivas, ou seja, de pagamento obrigatório pelo governo federal. 

A mudança garantia ao Congresso o poder de exigir a liberação desses valores, e o Palácio do Planalto — na época dirigido por Dilma Rousseff — era obrigado a pagar se quisesse destravar votações que interessavam à Presidência. 

Mais: o Legislativo começou a negociar diretamente com os ministérios a execução do Orçamento. A articulação envolvia a liberação de dinheiro em troca de apoio político. Depois de Cunha, a lógica de barganha ganhou fôlego com Lira e as Emendas de Relator — ou RP9. 

Essas emendas RP9 ficaram conhecidas como “Orçamento secreto” e são aquelas indicadas pelo relator-geral do Orçamento; ele não precisa explicar quem é o verdadeiro nome por trás da emenda — qual deputado ou senador pediu. 

Na prática, elas eram um jeito de beneficiar aliados e trocar apoio em votações importantes. Em 2022, o Supremo declarou essa modalidade de emenda como inconstitucional. A Corte julgou que o modelo não é transparente. Mas, desde então, o Legislativo vem buscando novas alternativas para driblar a regra.

Influência na Câmara ainda continua por meio da filha deputada

Em 2022, Cunha se candidatou por São Paulo, pelo PTB, mas não foi eleito como deputado federal. Nos mandatos anteriores, ele representou o Rio de Janeiro. A nova estratégia, de ser eleito com os votos dos mineiros, serve para evitar atrapalhar a candidatura à reeleição da filha.

Desde que saiu do Poder, Dani Cunha herdou o espólio eleitoral e político do pai. Em Brasília, Eduardo Cunha frequentemente usa o gabinete da filha para despachar. A parceria vai além. 

Em Minas, as estações de rádio a cargo do ex-deputado estão em nome de Daniel Cardoso Sá, genro dele, casado com Dani Cunha. Deputada em primeiro mandato, ela capitaneou as articulações na Câmara para garantir o aumento em 18 vagas do número de deputados federais. 

Aprovada em maio pela Câmara, a medida impõe um aumento dos atuais 513 deputados para 531 a partir de 2027. Ela também tem um impacto de R$ 65 milhões para os cofres públicos por ano. A proposta ainda depende de aprovação do Senado e de sanção do presidente Lula.

Eleição de Motta é legado de Cunha na Câmara dos Deputados 

A presença de Eduardo Cunha na festa que Hugo Motta deu para festejar a eleição como presidente da Câmara dos Deputados expôs para quem ainda não conhecia a proximidade entre eles. A relação, entretanto, é antiga e bastante conhecida entre figuras políticas e articuladores do Congresso. Cunha não escondia sua predileção por Motta enquanto ainda era presidente da Câmara dos Deputados e também não negou que o político paraibano foi um de seus pupilos. 

Motta se forjou à sombra do reinado de Eduardo Cunha. A união perdurou mesmo quando o cacique perdeu a presidência da Câmara, sofreu a cassação do mandato e foi condenado à inelegibilidade por 10 anos. Enquanto ainda protagoniza os vaivéns da política no Congresso, Cunha impulsionou Motta ao indicá-lo para a presidência da CPI da Petrobras. Aquela foi a primeira grande aparição política do paraibano. 

A aliança que se seguiu à indicação de Motta para a CPI foi alimentada com demonstrações de lealdade que Cunha narrou em um livro autobiográfico sobre o processo que resultou no impeachment de Dilma Rousseff (PT). 

Aparecem ali reuniões na residência oficial da Câmara, relatos de articulações e até os movimentos de Eduardo Cunha para eleger Motta líder do PMDB — a quem ele classificou como "cumpridor de compromissos". A ligação com o político alçou Motta à posição de fiel partidário na tropa de choque que articulou uma rede de proteção a Eduardo Cunha — e que falhou no intento.

Homem de confiança de Collor e Garotinho

Eduardo Cunha foi importante aliado do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que, quando comandava o país, lhe deu a presidência da Telecomunicações do Rio de Janeiro (Telerj). Ambos integravam o Partido da Reconstrução Nacional (PRN). 

Já filiado ao Partido Progressista Brasileiro (PPB), Cunha comandou a Companhia Estadual de Habitação no Rio de Janeiro durante o mandato do governador Anthony Garotinho, que também foi preso e condenado por esquemas de corrupção. 

Cunha candidatou-se pela primeira vez a um cargo eletivo em 1998. Ficou como suplente de deputado estadual do Rio e assumiu uma vaga na Assembleia Legislativa em 2001. Elegeu-se deputado federal em 2002, ainda no PPB, sendo reeleito pelo PMDB em 2006, 2010 e 2014.

No comando da Câmara, Cunha foi o responsável por instaurar e conduzir o processo de impeachment de Dilma. Ele presidiu a Casa entre 1º de fevereiro de 2015 e 7 de julho de 2016, quando renunciou ao cargo pouco antes de o plenário aprovar, em definitivo, a cassação de seu mandato, em setembro daquele ano.

Condenando a 14 anos de prisão, mas beneficiado pelo STF

Eduardo Cunha foi um dos alvos da força-tarefa da Operação Lava Jato. O então procurador-geral da República Rodrigo Janot o denunciou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2016 por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Em maio do mesmo, o plenário do STF unanimemente manteve a decisão do então ministro Teori Zavascki que determinou o afastamento de Cunha de seu mandato de deputado federal e consequentemente do cargo de presidente da Câmara.

Acusado de mentir na CPI da Petrobras, instalada para apurar as denúncias da Lava Jato, Cunha teve contra si aberto processo que resultou em sua cassação por quebra de decoro parlamentar em 12 de setembro de 2016, tornando-o inelegível até o fim de 2026.

Em outubro de 2016 foi preso preventivamente. Já em março de 2017 foi condenado a 15 anos e quatro meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Em maio de 2017, teve um novo mandado de prisão expedido pela Justiça.

Ao fim de março de 2020, teve a prisão preventiva substituída pela prisão domiciliar em razão da pandemia de Covid-19, por estar no grupo de risco da doença. Em setembro de 2020, voltou a ser condenado na Lava Jato, e teve sua aposentadoria cassada na Alerj pelo Tribunal de Justiça do Rio.

Em maio de 2023, o STF anulou a condenação de Cunha a 15 anos e 11 meses por corrupção e lavagem de dinheiro em um dos processos da Lava Jato. Os ministros aceitaram o argumento da defesa de que o processo deveria ter sido conduzido pela Justiça Eleitoral, e não pela Justiça Federal em Curitiba.

Mesmo assim, Cunha ainda responde a processos na Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro, relacionados a contratos entre a Petrobras e o estaleiro Samsung Heavy Industries, firmados entre 2006 e 2012.