Líder nas pesquisas troca audiência do último debate por uma entrevista postiça na evangélica TV Record
A máquina de fake news de Jair Bolsonaro alcançou seu clímax nesta quinta-feira, 4, com a primeira entrevista do candidato presidencial desde que recebeu alta do hospital. Bolsonaro se aproveitou da TV Record, propriedade do bispo evangélico e aliado político Edir Macedo, para tentar humanizar seu retrógrado perfil, a três dias do primeiro turno. Na mesma hora, na TV Globo, seus demais adversários se enfrentavam num tedioso último debate.
Bolsonaro, visto no resto do mundo como uma mistura do norte-americano Donald Trump com o filipino Rodrigo Duterte, mostrou seu lado mais contido para dissecar suas intenções, uma espécie de “Make Brazil Great Again”, com contínuos ataques ao Partido dos Trabalhadores (PT), cujo candidato, Fernando Haddad, ele descreveu como “um fantoche” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Graças às perguntas amáveis, com tímidas réplicas do entrevistador, Bolsonaro abordou por alto as grandes polêmicas que cercaram sua campanha, como seu amplo histórico de declarações fora de tom e insultos machistas, homofóbicos e racistas. “Onde tem vídeo disso?”, perguntou. Alegou que boa parte dessas frases são intrigas de imitadores distribuídas via redes sociais —ou seja, fake news (inventadas, deu a entender, pelo PT). Na verdade, há vídeos e testemunhos de sobra de seus momentos mais toscos.
Longe de precisar responder por eles, só admitiu um, tão provado que Bolsonaro teve que pagar uma multa por ele: em 2003, disse pela televisão à deputada Maria do Rosário (PT): “Não te estupro porque você não merece”. Nesta quinta-feira, longe de retirar o que disse, justificou: “É que essa mulher estava defendendo um estuprador”.
O mais destacado da condescendente entrevista não foi o conteúdo, e sim a encenação. Apesar de ter sido gravada, foi interrompida em duas ocasiões com a aparição de um suposto médico — negro, porque também era preciso aliviar seu manifesto racismo —, que recordou a Bolsonaro que ele não podia falar por muito tempo seguido, para não se cansar. O candidato direitista deixou no sábado, 29, o hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde passou três semanas internado por causa da facada que levou de um lunático durante um ato de campanha em 6 de setembro.
Não é só na retórica que Bolsonaro lembra Trump. O manejo das redes sociais, em muitos casos através de notícias falsas que se espalham entre as pessoas, é equiparável ao que levou o magnata à Casa Branca. Um tema tratado rapidamente durante a entrevista. “Não tenho controle sobre milhões de pessoas que me seguem. Talvez uma ou outra acabe saindo do caminho, mas nós não publicamos fake news”, afirmou Bolsonaro.
A entrevista constatou a importância que o líder nas pesquisas confere à televisão, num país onde 44,8% do eleitorado decidirá seu voto influenciado pelo que vê na tela, segundo uma recente pesquisa. Sabendo disso, Bolsonaro, como Trump com o canal Fox, trata de fazer da Record a sua televisão. A cândida conversa desta quinta-feira foi uma prova. No trecho em que coincidiram, a entrevista com Bolsonaro obteve metade da audiência do debate na Globo. A Record, segunda principal rede do país, é propriedade do bispo Edir Macedo, máximo representante da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que tem um templo faraônico para 10.000 fiéis em São Paulo.
Sobre as manifestações que levaram centenas de milhares de mulheres às ruas de todo o país no sábado passado, num protesto contra seu estilo racista, homofóbico e machista, Bolsonaro esquivou-se: “Esse movimento é composto por artistas, não os artistas sertanejos que carregam a cultura brasileira, e sim por alguns que estão há anos mamando das ajudas de empresas que contribuem para a cultura”.
Apesar das críticas, Bolsonaro não para de crescer nas pesquisas. Segundo a última, publicada pelo Datafolha pouco antes da entrevista e do último debate, tem 35% das intenções de voto, contra 22% de Haddad, com quem, desse modo, disputaria o segundo turno. Para Bolsonaro, seu crescimento nas pesquisas reflete que os brasileiros perceberem “de quem são” seus críticos. “Dizem que sou tão, tão malvado. Não é verdade.” Não houve resistência por parte do entrevistador.