Após sete anos, Mundo Livre S/A lança CD de inéditas que têm como uma das inspirações o “Domingão do Faustão

No ar desde 1989 pela Rede Globo, o “Domingão do Faustão” é uma das inspirações do novo álbum do Mundo Livre S/A, o primeiro de inéditas da trupe pernambucana em sete anos. O próprio título, “A Dança dos Não Famosos”, é uma referência a uma das atrações do programa de Fausto Silva. “É um trocadilho com um quadro que se tornou um standard da classe média brasileira”, afirma Fred Zero Quatro. Mas não é só isso. De acordo com o vocalista e guitarrista, as bases eletrônicas foram, naturalmente, conduzindo a banda para “algo dançante, de pista”.

Já os rascunhos das letras não guardavam papas na língua na hora de abordar o “momento de truculência que o país atravessa”. “O golpe que derrubou a Dilma Rousseff da Presidência foi uma ‘vídeocassetada’, uma espécie de pegadinha na classe trabalhadora, que recebeu corretivos por cometer o pecado de, em dado momento, acreditar na soberania nacional”, critica Zero Quatro.

Da palavra “cassetada”, o músico faz a ligação direta com “cassetete”. A capa do disco reproduz o flagrante feito pelo fotógrafo Luiz da Luz do momento em que o estudante Mateus Ferreira da Silva foi agredido por um policial militar durante um protesto contra a reforma trabalhista em Goiânia, em maio de 2017.

Na ocasião, o estudante recebeu na cabeça um golpe de cassetete e ficou 14 dias internado. “Por questão de centímetros, Mateus teria sido morto”, denuncia Zero Quatro. Apesar da violência da imagem, o compositor foi capaz de tecer ilações com obras artísticas. No movimento de desespero do estudante para escapar da agressão policial, o pernambucano viu semelhanças com a capa de “London Calling” (1979), em que Joe Strummer, então vocalista do The Clash, se abaixa com uma guitarra na mão. Por sua vez, a banda britânica emulava no LP a tipografia e o enquadramento do primeiro álbum de Elvis Presley, lançado em 1956. “Achei dramático o parentesco do passo de dança com o corpo que foge da violência. Representa esse nosso momento de distúrbio, degeneração e convulsão social”, observa Zero Quatro.

Repertório. Das 12 faixas autorais, algumas já começam a cair no gosto dos fãs. A que fecha o álbum, “A Maldição (Das Páginas que Não Viram)”, está no topo das plataformas digitais. Já “Tóxico” tem sido a preferida das rádios de Pernambuco. No entanto, Zero Quatro revela que “Special Manguechild” o leva para um lugar único. Ele a compôs para seu filho caçula, de 12 anos. Quando ela já estava quase pronta, o músico foi às lágrimas. Enquanto finalizava a melodia, recebeu a notícia da morte de um de seus ídolos, o “camaleão” David Bowie. “Meu filho me viu chorando e ficou impressionado. Essa música tem uma carga emotiva forte para mim porque me remete a essas duas coisas”, admite o cantor.

Outro atrativo do álbum é a presença das francesas Kenza Said e Mejdaline Mihri em “Je Vais Danser... Nu”.

Álbum de 1998 é relançado como vinil duplo

Depois de dois discos bem avaliados pela crítica e de apelo popular, o Mundo Livre S/A encarou, em 1998, o desafio de entrar em estúdio pela primeira vez desfalcado de seu percussionista, que partira em carreira solo para se arriscar como cantor. “Quando Otto saiu da banda, passamos um período meio estremecidos, mas essa crise não durou muito tempo”, lembra Fred Zero Quatro, que mantém-se à frente da trupe desde 1994.

Decorridas duas décadas, “Carnaval na Obra” é agora relançado no formato de vinil duplo, como parte da série “Clássicos em Vinil”, que tem edição da Polysom. Com 14 faixas, o disco já apresentava, naquela época, um som que ainda hoje conserva o conjunto na vanguarda, graças à então recente transição do analógico para o digital, que estimulou os músicos a apostar alto na experimentação, afinal os custos de produção tinham ficado mais baixos.

Aproveitando a oportunidade, eles gravaram o disco com quatro produtores diferentes: Carlos Eduardo Miranda, Apollo Nove, Edu K e Mario Caldato.

“As pessoas tinham o receio de que o álbum ficasse fragmentado, sem unidade, mas a banda sempre foi marcada por uma linguagem de diversidade e não se intimidou com esse risco”, destaca Zero Quatro, que se vale do ensejo para avaliar o legado do movimento mangue Beat. “Ele acabou com o sectarismo, de o roqueiro não gostar do rapper. Isso contaminou o país inteiro, tanto que se transformou no conceito de Carnaval multicultural de Recife, o cenário pop precisava disso”, aponta.

Com um olho na história e outro no presente, ele revela o plano de um projeto coletivo com nomes de Pernambuco. Por enquanto, Otto está confirmado.