SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O relançamento do disco "Let It Be", o último da carreira dos Beatles, veio com atraso de um ano por causa da pandemia. O original, lançado em 1970 –mas quase todo gravado em janeiro de 1969, quando foi idealizado para se chamar "Get Back"–, curiosamente teve o mesmo atraso, após ficar engavetado. 
 
A diferença entre eles está na remixagem e na remasterização feitas pelo produtor Giles Martin –filho de George Martin, produtor dos Beatles– e pelo engenheiro de som Sam Okell. É o quarto relançamento de disco dos Beatles com o trabalho da dupla, depois de "Sgt. Pepper's", "The Beatles", mais conhecido como "Álbum Branco", e "Abbey Road".

Como nos relançamentos anteriores, a sensação é a de que um véu foi retirado das músicas, deixando as faixas cristalinas para nossos ouvidos. Isso permite que, sem reescrever a história, Martin e Okell ressaltem vozes e instrumentos ao longo do disco, como a linha de baixo tocada por George Harrison, e não por Paul McCartney, em "Two of Us".

Crítico das intervenções do produtor Phil Spector no disco original, principalmente em "The Long and Winding Road", Paul McCartney dessa vez pode ouvir seu piano soar melhor e ser um pouco menos ofuscado pelas orquestrações na canção, graças ao trabalho de Martin.

Há um pouquinho de Brasil em "Across the Universe", letra que John Lennon considerava a melhor que escreveu para os Beatles. Gravada em fevereiro de 1968 e lançada no ano seguinte em um disco beneficente, a canção teve a participação da carioca Lizzie Bravo e da inglesa Gayleen Pease nos vocais de apoio.

Mortas recentemente, as duas eram fãs adolescentes que viveram um conto de fadas musical ao cantarem ao lado dos ídolos. Mas suas vozes foram suprimidas na versão que fez parte do "Let It Be" em 1970, quando Phil Spector assumiu a produção.

Com a impressão de ter ouvido, como se fora uma sutileza, um pequeno trecho dos vocais de apoio na nova mixagem, perguntei via Twitter a Giles Martin se era a voz das garotas. Ele disse que não adicionou backing vocal e tudo que se ouve faz parte do lançamento original.


Nos extras do disco não há dúvida. Lá estão as versões das músicas mixadas à época pelo produtor Glyn Johns. Foi a ele que os Beatles confiaram o material antes de Spector, e Johns manteve as vozes de Lizzie Bravo e Gayleen Pease. Mais de meio século depois, no ano de suas mortes, elas finalmente estão no "Let It Be".

É bonito e significativo ouvir os Fab Four ensaiando e cantando juntos "All Things Must Pass", canção de George Harrison que os Beatles não lançaram, mas que virou a faixa título do disco solo triplo de Harrison em 1970. Canções tocadas naquelas sessões acabaram integrando também as carreiras solo de Paul McCartney e John Lennon. Outras, como "Something", fizeram parte do "Abbey Road".

Único músico convidado para as gravações no estúdio da Apple, e essencial naqueles momentos, o pianista Billy Preston canta "Without a Song", canção de 1929, numa jam com os Beatles.

Há também as brincadeiras entre eles, como as risadas e o barulho de xícaras enquanto Ringo Starr apresenta a sua ainda inacabada "Octopus's Garden", que depois faria parte do "Abbey Road".

Ou quando McCartney diz "don't bother me", ou não me incomode, cantarolando o título da primeira composição de Harrison, antes de ele começar a cantar "I Me Mine". Essa foi a última música a ser gravada pelo grupo, quando voltaram ao estúdio um ano depois, sem a presença de John Lennon.

"Let It Be" veio por último, mas aqueles dias não foram o fim. E, mais uma vez, a música dos Beatles surge rediviva. No mês que vem, com o lançamento da série documental dirigida por Peter Jackson, a partir das imagens inéditas filmadas por Michael Lindsay-Hogg em janeiro de 1969, iremos além da imersão sonora, com a possibilidade de virarmos moscas para observarmos os Beatles fazendo a mágica acontecer no estúdio, mesmo que neste caso não tenha sido em Abbey Road.
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LET IT BE (SUPER DELUXE)
Onde Disponível nas principais plataformas
Gravadora Universal
Mixagem Giles Martin e Sam Okell
Avaliação: Ótimo