Sensação na internet, o mineiro Djonga é um dos rappers mais importantes do Brasil
O cara do momento do rap brasileiro é de BH. Seu nome vem de um apelido de rua: Djonga. Gustavo Pereira Marques, de 24 anos, está “estourado”: bateu 10 milhões de visualizações no YouTube só com o clipe "A música da mãe", lançado em 20 de agosto, que causou polêmica porque ele aplica uma “voadora” num menino branco. No concurso sobre a melhor canção nacional lançado no dia 22 pelo site Red Bull, Djonga e sua “voadora” estão em primeiro lugar, com 4,7 mil votos, seguidos por O céu é o limite (1,8 mil), em que o mineiro divide a cena com Mano Brown, Emicida, Rael, BK e Rincon Sapiência. O ex-integrante do coletivo de poesia Sarau Vira-Lata e ex-universitário (deixou o curso de história para se dedicar à música) lançou dois álbuns – "Heresia" (2017) e "O menino que queria ser Deus" (2018), ambos elogiados pela crítica. Com apenas seis anos de carreira, Djonga ganhou o respeito dos veteranos Mano Brown, Edi Rock e Criolo.
O rap de Belo Horizonte está no primeiro time, impulsionado por Gustavo e sua turma – formada pelo coletivo DV Tribo, que deu um tempo este ano, e artistas revelados pelo Duelo de MCs. Realizado desde 2007, o concurso de freestyle (rimas improvisadas) é organizado por outro coletivo, o Família de Rua (FDR). A capital mineira ganhou até o apelido de “BH Compton”, referência ao polo californiano do hip-hop, de onde saíram os ícones americanos Ice Cube, Dr. Dre e Kendrick Lamar.
Djonga tem rodado o país, vem lotando casas de shows, apresenta-se com os astros Mano Brown e Criolo. Construiu sua carreira na internet, assim como os jovens de sua geração. Atleticano doente, avisa: “Estou aqui em BH e nunca vou sair”. Ele mora na Região Leste – sempre lembrada em seus versos –, onde deu entrevista para o Estado de Minas. “Cresci neste bairro (São Lucas) e vou continuar aqui, porque gosto e me sinto à vontade. É pertencimento, tenho um filho em BH”, diz, referindo-se a Jorge, de pouco mais de 1 ano.
“Graças a Deus, estou conseguindo fazer tudo aqui. Pra que vou morar em São Paulo ou no Rio? A gente tem de firmar o pé, tem coisa boa aqui em BH também”, frisa.
DUELO Djonga garante: a capital mineira abriga a maior cena de hip-hop do Brasil atualmente. “Nossa cultura própria é forte. Temos o maior movimento contínuo de rap, o Duelo de MCs, com 11 anos, que põe mais de 1 mil pessoas embaixo de um viaduto e é aberto pra geral. O que falta é mais gente virar (estourar). Pra isso, é preciso visibilidade e profissionalismo”, diz
Ele busca fazer sua parte nessa cena coletiva. “Sempre tento trazer visibilidade, colocar minhas irmãs e meus irmãos para ‘jogar’ comigo nos meus discos, nas minhas músicas solo... Onde posso, tento trazer essa galera – do funk ao rap.” A turma é grande – e talentosa: Fabrício FBC, BK, Paige, Sidoka, Hot, Sant, Clara Lima, Oreia e o produtor Coyote Beatz, entre muitos outros.
“Tenho uma coisa que talvez possa parecer arrogância, mas não é. Tenho muita confiança na minha qualidade, em onde quero estar, com quem quero estar. Isso não me assusta. Estou preparado, sou guerreiro”, afirma. Conta que trabalhou muito para isso, nada veio de graça. Djonga veio de lar humilde, foi um dos primeiros da família a chegar à universidade.
Suas rimas falam de racismo, exclusão social, violência policial e desafios enfrentados por jovens da periferia, sobretudo negros. Também falam de amor, sexo, da complexidade das relações afetivas e de machismo. Shakespeare, Renato Russo, Tupac Shakur, Milton Nascimento são referências para ele.
MANIFESTO Nessas eleições, o rapper que estudou história usou a internet para se manifestar. No primeiro turno, defendeu Ciro Gomes. No segundo, assinou o Manifesto Rap pela Democracia, contra Jair Bolsonaro (PSL). “A gente vive um momento de desespero, de desesperança mesmo. As pessoas se decepcionaram com um partido que fez muitas promessas, mas também cumpriu muitas coisas boas para a história deste país. Decepcionadas com algumas atitudes, elas querem outra coisa. Acho que não justifica correr atrás de algo tão negativo radicalmente, tão negativamente radical, para tapar a crise de representatividade”, analisa. “Mas democracia também é isso: cada um vai exercer seu direito de voto e de voz da maneira necessária. Estou bem triste, mas não desesperançoso. Desesperança é luxo de quem tem a vida ganha”, afirma.
Por falar em vida ganha, Djonga é um empreendedor. Adepto da autogestão, investe no próprio negócio: o Sensação Tattoo Shop – mix de loja, ateliê de tatuagem e bar, no Bairro Santa Efigênia. Seu único patrocínio por contrato firmado vem da Adidas. “É legal isso. Se você tem uma visão empresarial e acha que vale a pena, é show mesmo. Se você é o Djonga, o músico, você é uma empresa também. E já é uma marca”, explica.
“Posso pegar todo o meu dinheiro e ficar comprando roupa, carro e não sei o quê. Isso é legal, mas mais legal é pegar essa grana e investir de forma que ela possa retornar em maior quantidade pra mim e pras pessoas em quem acredito. O grande lance do dinheiro é estar na mão de pessoas certas”, conclui.
* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria