Cena na capital ressurge com viço e conta com o reforço de time de mulheres


As Ablusadas tocam neste domingo (10) na praça JK

A vida e a morte de Robert Johnson (1911-1938) são fontes inesgotáveis de lendas e mistérios. Conta-se, por exemplo, que músico teria vendido sua alma ao diabo nas rodovias 61 e 49 em Clarksdale, Mississippi (EUA)e de que teria morrido após tomar um uísque envenenado. Essas são algumas das narrativas que compõem uma trajetória findada quando o guitarrista tinha 27 anos e apenas 29 composições registradas, o suficiente para impactar o blues para sempre.

No próximo dia 16 de agosto, completam-se oito décadas de seu falecimento. Seu legado se estabeleceu nas mãos de “embaixadores” como B.B. King e Albert King. O estilo, originado de afro-americanos escravizados, atingiu várias camadas, etnias e gêneros da sociedade em muitas partes do mundo. Após períodos de quase esquecimento, revitalizou-se por meio de figuras como Eric Clapton (nos anos 60 e 70) e Stevie Ray Vaughan (anos 80), brancos que resgataram o som de seus ídolos de pele negra. Parte dessa herança será lembrada na quarta edição do festival BB Seguros de Blues e Jazz, neste domingo (10), na praça JK, em BH.

Em um cast que reúne nomes como Pepeu Gomes, o “bruxo” Hermeto Pascoal e o norte-americano Stanley Jordan, chama atenção outro nome, o da banda Ablusadas, criada em 2017 e formada exclusivamente por mulheres – são cinco integrantes fixas e mais três, responsáveis pelos metais, que se juntam ao quinteto para participar de festivais.

“Minha primeira experiência de tocar com outras mulheres se deu em 2013, quando participei pela primeira vez do “Divas & o Blues” (espetáculo de mulheres da cena blues), dentro do (festival) Horizonte Blues, organizado pelo Aristóteles Caetano (músico e produtor). Naquela ocasião, percebi que não existiam muitas bandas de blues formadas por mulheres e nem tantas tocando, mas sim cantando”, relata a vocalista do grupo, Roberta Magalhães.

O blues se fortaleceu nesta década em BH graças a representantes como Audergang – que já tem dez anos de estrada e já se apresentou ao lado de Celso Blues Boy e Johnny Winter – e o gaitista Eduardo Sanna, nomes importantes da história do gênero desde os anos 80 e 90, como Alexandre Araújo e Gustavo Andrade, à formação de supergrupos em grandes festivais e a uma quantidade de casas de show que abriram suas portas ao estilo.

E as Ablusadas surgiram para erguer uma outra bandeira além da do blues: a do feminismo. “As mulheres sempre ficavam atrás dos homens em várias profissões, inclusive na música. É difícil se lembrar de guitarristas ou baixistas mulheres no blues. Lembro da Nina Simone, que era pianista, mas mais voltada para o jazz. Acredito que no blues havia uma barreira em que havia apenas mulheres cantoras. Mas agora as mulheres têm mais oportunidades e dão conta do recado. Vejo as Ablusadas como um exemplo a ser seguido por outras”, completa Roberta.

Outra musicista da atual cena blues da cidade é a baixista Amanda Nunes, figurinha tarimbada no Divas & o Blues, assim como a cantora Gabi Mello, que transita por vários estilos musicais, mas cujas raízes estão fincadas no blues. “Acho que as meninas sempre fizeram parte de tudo. Mas, devido a uma série de fatores culturais, talvez não tenham seus trabalhos tão bem divulgados. Constatamos um cenário com mulheres muito boas na música, e isso vai crescer cada vez mais”, diz.

Curioso. As Ablusadas não vêm chamando atenção apenas em BH. A repercussão em outros cantos do país tem incitado a curiosidade de artistas como Pepeu Gomes, uma das atrações do BB Seguros de Blues e Jazz e que mal vê a hora de conferir de perto o poderio do grupo. “Acho a iniciativa maravilhosa. Não as conheço ainda, mas vou prestar atenção no show delas”, comenta.

O elo entre Milton Nascimento e Stanley Jordan

Se Stanley Jordan se diz um afortunado em contar com a participação especial de Milton Nascimento em seu próximo disco, muito se deve a um contrabaixista que se tornou alvo de elogios dos dois. Foi o mineiro Dudu Lima, requisitado por ambos, quem apresentou Bituca ao guitarrista e pianista de jazz norte-americano. “Isso aconteceu em 2009 ou 2010. Convidei o Milton a comparecer a um show e o apresentei ao Stanley. Fico feliz de ter feito essa ponte, pois são dois grandes amigos”, ressaltou Lima. Neste domingo (10), ele e seu Dudu Lima Trio se juntarão a Jordan no palco do Festival BB Seguros de Blues e Jazz (confira ao lado e abaixo as outras atrações do evento).

“Vai ser um grande prazer esse show. São 17 anos tocando junto com o Stanley. E será uma honra fazer esse show com meu trio (Dudu Lima Trio). Vamos tocar coisas autorais dele (Stanley Jordan), coisas minhas, do Milton Nascimento, do (Tom) Jobim e de outros grandes compositores. Um show com muita energia”, revela Dudu Lima.

A parceria com o norte-americano sempre rende ótimos frutos no palco, garante o contrabaixista. “É tudo muito legal, é uma troca, tem toda uma concepção musical do Stanley. A gente criou uma identidade. Temos uma similaridade muito grande desde 2001. Fizemos mais de 300 shows, vivenciando maravilhosos momentos, de muita espiritualidade e de muita amizade”, disse o mineiro.

E o entusiasmo de Dudu Lima para o show deste domingo (10) vai além de sua parceria com o guitarrista. Essa junção de artistas cuja veia artística passeia pelo blues, pelo jazz e por outros estilos em um espaço público o atrai.

“É muito importante esse espaço musical e a disposição do músico no palco. Fico muito feliz de levar essa música para as pessoas de uma forma verdadeira. É muito prazeroso fazer o que vem do coração. Comecei na música com 14 anos e estou com 46. Para mim, é um prazer tocar em eventos assim”, disse.

“O menos importante da cena”

Apesar de ser citado como referência por grande parte dos músicos de blues da capital, como Alexandre Araújo e Gustavo Andrade, o guitarrista Affonsinho Heliodoro – ou, simplesmente, Affonsinho – se rotula como “o menos importante da cena de blues de BH e de Minas”, frase repetida por ele durante vários momentos da entrevista. “Não tenho nenhum mérito pelo crescimento do blues na capital. O mérito é dessa turma mais nova”, prosseguiu Affonsinho, 58, que garante não fazer uso de “falsa modéstia” ao fazer tal afirmação.

Um fator geográfico poderia servir de explicação, mas outro ponto também surge de forma cirúrgica no discurso do músico belo-horizontino. “Uma das razões é que, quando a cena de BH começou, eu tinha me mudado para o Rio de Janeiro, aos 24 anos. Lá, montei bandas de blues. Então, pode-se dizer que eu integrava a cena do Rio e não daqui. Além disso, toquei com o Hanói Hanói, que era uma banda de pop rock. Depois, quando voltei para cá, em 1994, lancei muitos discos de MPB”, lembra o músico.

O discurso tem fundamento. De 2000 em diante, Affonsinho gravou 11 discos de MPB e apenas um de blues, “Bluesing” (2015). Mesmo assim, reconhece que utiliza uma pegada vinda do blues em seus trabalhos. Curiosamente, ele lembra, o pessoal do rock às vezes o considera muito MPB e a turma da MPB o acha muito roqueiro. “Isso é algo que gosto. Curto ficar fora de uma cena específica. Quero entrar em qualquer uma delas quando eu quiser. Poder fazer como um Caetano Veloso e um Gilberto Gil, que experimentaram de tudo, como chorinho, rock, blues. Os Beatles também foram assim, só não fizeram samba. Minha formação musical é blues, Beatles, Tropicália, Clube da Esquina e jazz”, diz Affonsinho.

Supergrupos e festivais em alta

O encontro de gerações distintas e a união de músicos, formando “supergrupos”, além das tradicionais jam sessions, ajudaram a reaquecer o cenário do blues em BH. Alexandre Araújo faz questão de citar a aliança forjada com expoentes como Affonsinho, Bauxita e Wilson Sideral. Juntos, os quatro formaram o Blue Heart no festival Tudo É Jazz, em Ouro Preto, neste ano.

Sideral, por sinal, lançou no ano passado um disco chamado “Tropical Blues”, em que o artista dá uma roupagem blues a músicas como “Esperando na Janela” (de Targino Gondim e que foi gravada por Gilberto Gil) e “Ela Partiu” (Tim Maia).

A vinda de artistas internacionais de blues a festivais em Belo Horizonte também tem colaborado para a cena na capital, atesta o organizador do Rota do Blues, Bruno Marques. “Idealizei o Rota do Blues para trazer os artistas norte-americanos genuínos do gênero que estavam em turnê pela América Latina, mas que não passavam por BH e região. Com isso permite-se fazer um intercâmbio da nossa cena musical local com a linguagem desses artistas. E o público tem acesso a uma experiência musical e artística única”, afirma.

Agenda

O quê. Festival BB Seguros de Blues e Jazz

Onde. Praça JK (av. dos Bandeirantes, 240, Sion)

Quando. Neste domingo (10), das 11h às 19h

Quanto. Gratuito

Programação

11h. BB Seguros Jazz Band
12h. As Ablusadas
13h10. O Bando
14h10. Nuno Mindelis
15h15. Pepeu Gomes
16h20. Hermeto Pascoal
17h40. S. Jordan e Dudu Lima Trio