“Vivo hoje sob violência psicológica”, afirma a vereadora de Belo Horizonte Iza Lourença (PSOL), de 29 anos. Negra, bissexual e mãe de uma menina de 3 anos, Iza e a filha foram alvo de mensagens apócrifas com ameças de assassinato e violência sexual, em uma série de ataques contra parlamentares progressistas, que começaram há duas semanas.

Iza é uma das sete parlamentares vítimas de ameaças apócrifas de morte e estupro feitas desde 14 de agosto, mesmo mês em que se comemoram dois anos da entrada em vigor da Lei 14.192, que estabelece regras para criminalizar práticas de assédio, constrangimento, humilhação, perseguição ou ameaça com o objetivo de impedir ou dificultar a campanha eleitoral ou o exercício do mandato eletivo das mulheres. Essa lei tirou o Brasil do rol de países da América Latina que ainda não tinham legislação semelhante.

Além de Iza, também foram vítimas em Minas Gerais de ameaças com conteúdo semelhantes a vereadora da capital Cida Falabella (PSOL) e as deputadas estaduais Bella Gonçalves (PSOL) e Lohanna França (PV).

Nesse mesmo período, outras parlamentares brasileiras também receberam ameaças de assassinato e violência sexual: a vereadora carioca Mônica Benício (PSOL-RJ), viúva de Marielle Franco (PSOL-RJ), a deputada estadual Rosa Amorim (PT-PE) e a federal Daiana Santos (PCdoB-RS).

Ameaças explícitas contra crianças
“Ler um e-mail com uma violência tão brutal descrita em detalhes é indignante. Pensar que alguém sentou em um computador, imaginou e redigiu uma violência sexual e assassinato contra uma criança de três anos deu medo”, afirma Iza, que está, ela e a filha, sob escolta da Guarda Municipal.

A vereadora conta que ao longo deste seu primeiro mandato, a vereadora recebeu inúmeras ofensas e ameaças de cassação, mas nunca ameaças de morte e estupro. Inicialmente ela recebeu um e-mail com ameaças dirigidas a ela. Poucos dias depois, chegou uma nova mensagem, desta vez com graves ameaças à sua filha.
Ameaças ocorreram no mesmo mês em que se celebra 2 anos de lei que criminaliza práticas de assédio e outras ações contra mulheres em campanha ou mandato eletivo(foto: Soraia Piva/EM/D.A Press)

“Se é difícil pra minha cabeça lidar com uma escolta 24 horas, você imagina como é para uma criança que precisa se sentir segura. Imagina ter que andar sob o alerta de que a qualquer momento qualquer coisa pode acontecer com ela”, conta a vereadora, que afirma que sua luta agora, juntamente com outras parlamentares, é garantir a apuração, descobrir e punir os responsáveis.

"Tanto a polícia quanto os promotores do caso terão nosso total apoio e acompanhamento. Isso é um ataque à democracia". Emmanuel Levenhagen, promotor de Justiça e coordenador-geral do Observatório de Direitos da Democracia do MPMG

Além da Polícia Civil, que investiga as ameaças por meio da Delegacia Especializada de Investigação de Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTFobia e Intolerâncias Correlatas (Decrin), o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) também atua no caso. O promotor de Justiça e coordenador geral do Observatório de Direitos da Democracia do MPMG, Emmanuel Levenhagen, disse que já recebeu as denúncias – ele aguarda apenas a da Lohanna – e que elas serão acompanhadas pela entidade com atenção.

Ele classificou as ameaças como repugnantes e disse que já requisitou à polícia cópias dos inquéritos. “Tanto a polícia quanto os promotores do caso terão nosso total apoio e acompanhamento”. Para ele, as ameaças são muito graves, ultrapassam os limites da crítica e tentam intimidar as parlamentares no exercício do mandato eletivo. “Isso é um ataque à democracia”.

Requintes de crueldade
Os ataques parecem ter a mesma origem, já que as primeiras mensagens recebidas tinham texto semelhante. Já nas ameaças seguintes, eles tinham cunho mais pessoal, revelando detalhes da rotina e ameaças às famílias e funcionários dos gabinetes de algumas delas. Neles, um homem ameaça as parlamentares de estupro “corretivo” para curá-las do “homossexualismo feminino”.

Em entrevista após as ameaças, a vereadora e viúva de Marielle Franco disse considerar muito violento e simbólico que esses ataques tenham acontecido no mês da visibilidade lésbica. Segundo ela, a mensagem afirma que “ser lésbica era uma aberrarão é que existia uma correção para isso”. “E a correção era descrita no e-mail com requintes de crueldade, o que seria, na verdade, uma prática de estupro corretivo. Isso para nós, mulheres lésbicas, é uma realidade infelizmente muito comum”, disse Mônica Benício.

"Mulheres negras, LGBT e com postura ideológica mais progressistas são as mais atacadas"
Para Ana Cláudia Santano, advogada e coordenadora-geral da Transparência Eleitoral, organização não governamental responsável pelo Observatório da Violência Política de Gênero, criado em 2020, os ataques têm por objetivo intimidar a participação da mulher na vida pública, principalmente aquelas que “têm em seu norte ideológico pautas mais progressistas”.

“As mulheres negras, LGBT e com postura ideológica mais progressistas são as mais atacadas”, afirma a coordenadora da organização que vai lançar daqui a cerca de 30 dias um relatório sobre a violência política sofrida pelas mulheres no pleito passado, que elegeu candidatos a cargos estaduais e federais. O perfil descrito por Ana é o mesmo das vítimas dessa escalada de ataques.

Segundo ela, essa violência é de longa data, mas somente a partir desta década começou a ser discutida e tratada às claras. Em sua avaliação, elas contribuem em muito para que o Brasil tenha baixa representatividade feminina nos cargos eletivos. “Os ataques homofóbicos feitos por deputados às parlamentares também estimulam ameaças como essa”.

"Tentativas de silenciar as mulheres na política"
Além das parlamentares, uma organização não governamental de defesa de direitos da população LGBTQIA+, o Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (Cellos-MG), também foi alvo de ameaças semelhantes nesse mesmo período.

A deputada estadual Macaé Evaristo (PT), líder da bancada feminina na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, onde foram registrados duas ameaças, repudiou os ataques e disse que as ações são orquestradas pelo submundo da internet. “É uma tentativa vil de calar e amedrontar mulheres e militantes LGBT fundamentais na política. Os autores das ameaças precisam ser imediatamente identificados e punidos. As tentativas de silenciar as mulheres na política não vão nos deter”.

Nota conjunta das Forças de Segurança
Em nota conjunta, o governo de Minas, por meio das Forças de Segurança, informou que “tem tomado todas as providências necessárias para garantir a segurança das parlamentares ameaçadas e identificar e punir os autores do crime.”

O texto reforça que a Polícia Civil “abriu inquérito para investigar as ameaças de violência sofridas por deputadas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e vereadoras da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH)” e que “as primeiras providências policiais já foram adotadas, com o objetivo de preservar dados e garantir as informações necessárias para identificação dos responsáveis e responsabilização criminal dos envolvidos nos ataques contra pessoas e instituições democráticas.”

A nota ressalta que a PM fará a escolta das parlamentares de forma ostensiva e que o governador Romeu Zema “se solidariza com as vítimas e repudia quaisquer atos ou discursos de violência contra parlamentares”.