LEI "POLITIQUEIRA"

O vereador Vítor Costa (PT) protocolou no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) antes mesmo de a lei que permite a leitura da Bíblia como material paradidático em escolas públicas e particulares de Divinópolis ser sancionada. A proposta, de autoria do vereador Matheus Dias (Avante), foi aprovada na terça-feira (5/8) com 12 votos favoráveis e segue para sanção ou veto do prefeito Gleidson Azevedo (Novo).

Vítor afirma que a lei aprovada é "vaga, mal formulada e politiqueira". Conforme ele, o texto não define qual versão da Bíblia deve ser usada — se católica, evangélica, judaica ou outra. Além disso, lembra que a competência para legislar sobre conteúdo escolar é da União, e não dos municípios.

O vereador citou decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal, que já considerou inconstitucionais leis semelhantes em outros estados. De acordo com ele, Divinópolis repete um erro já "reconhecido pela mais alta Corte do país".

"Religião é algo muito sério para ser transformado em palanque político. O papel da escola é ensinar, formar, abrir horizontes, não doutrinar. Infelizmente, Divinópolis segue por um caminho perigoso de misturar política, religião e educação de maneira irresponsável", declarou Vítor em vídeo publicado nas redes sociais.

Os pareceres das comissões, incluindo a de Legislação, foram pela constitucionalidade do Projeto de Lei.

"Intolerância religiosa"

Para ampliar o projeto aprovado na Casa, a vereadora Kell Silva (PV), que é professora, mestre e doutora em História, tentou emplacar uma emenda. Ela alega que o texto buscava um ensino mais inclusivo, plural e culturalmente enriquecedor, autorizando o uso de livros como a Torá, o Alcorão, os Vedas, O Livro dos Espíritos, o Tripitaka, O Livro de Mórmon, o Guru Granth Sahib, além de textos das religiões de matriz africana e saberes dos povos originários.

Contudo, os parlamentares rejeitaram a proposta com a alegação de que 90% da população da cidade é cristã, desconsiderando outras crenças. Ela viu a rejeição da emenda como "intolerância religiosa". A proposta recebeu apenas dois outros votos favoráveis, além do dela: Dr. Delano (PL) e Rodyson do Zé Milton (PV).

"Fiz um discurso na tribuna mostrando como a religião é analisada pelo viés cultural em sala de aula e demonstrei na prática como outros livros religiosos são utilizados dentro da perspectiva da BNCC. Mas ali, parece que há uma raiva pelo conhecimento."

Ela também criticou a postura da maioria: "Passaram o atestado de intolerantes. Gastam dinheiro público para se autopromoverem e promoverem suas convicções pessoais. Não representamos apenas quem votou em nós, representamos toda a cidade de Divinópolis, que justamente por ter maioria cristã precisa conhecer e respeitar a minoria, para não cair em intolerância e em crime de racismo religioso. A Câmara mostrou ontem, mais uma vez, que professor não serve pra nada. Uma lástima", opina. 

Católico, o vereador Rodyson do Zé Milton (PV) defendeu que a crença pessoal não deve interferir na função pública. "Não posso levar meu pensamento pessoal para o plenário da Câmara. Se sou católico, eu defendo, vou à missa e comungo, eu tenho minha crença pessoal. O Estado é laico, tenho que respeitar aquelas pessoas que são evangélicas, protestantes, que não acreditam. Estou aqui pela cidade, assim como pela população, não estou aqui por eu."

Leitura da Bíblia não é obrigatória

O vereador Matheus Dias (Avante), que é o autor do projeto aprovado pela Câmara, pediu que a emenda sugerida por Kell Silva fosse rejeitada, citando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). "O IBGE mostra que, em Divinópolis, mais de 90% da população é cristã (…) O impacto cultural de outras religiões em Divinópolis é irrelevante. Isso demonstra o IBGE."

Ainda segundo ele, o texto de sua autoria não obriga a leitura, mas incentiva. Outro argumento é de que o uso como material paradidático não significa uma "aula de religião". "Nosso projeto não fala em Bíblia católica, fala Bíblia Sagrada. É a Bíblia. Nosso projeto deixa isso claro: a Bíblia não é um simples livro religioso, é o livro mais lido, vendido e influente. Trata questões culturais, geográficas, tem poemas, questões folclóricas, assim como contos. Estamos falando da realidade de Divinópolis. A emenda é uma tentativa de sabotagem e impedir a votação do nosso projeto de lei, como foi feito em outra ocasião, antes do recesso."

Matheus disse respeitar outras religiões, mas questionou a pertinência: "Não é questão de desrespeitar outras religiões. Quem me conhece sabe o respeito que tenho com todos. O que o livro de indu tem a ver com a nossa realidade?"

Perfil religioso da cidade

De acordo com o Censo 2022, 73,82% da população de Divinópolis se declarou católica, 31,5% evangélica, 2,27% espírita e 0,45% umbandista ou candomblecista. Outras religiosidades representam 3,8%, e 4,24% declararam não ter religião.

O projeto segue agora para o prefeito Gleidson Azevedo (Novo), que tende a sancionar. Com perfil conservador, em outras ocasiões, o irmão do senador Cleitinho (Republicanos) chegou a dizer, usando o slogan da gestão, que "o Estado é laico, mas Divinópolis é do Senhor".