A Justiça Federal de Minas Gerais (TRF-6) deve analisar amanhã (23 de maio), o agravo interno contra a decisão do tribunal que determinou, em dezembro de 2022, a suspensão das licenças concedidas pelo Governo de Minas à Taquaril Mineração S.A., a Tamisa. Os licenciamentos, que a mineradora tenta reaver, autorizavam a sua atuação em uma área que seria protegida da serra do Curral, no limite entre Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará.

A informação foi divulgada pelo movimento "Tira o pé da minha Serra", que luta pela preservação do local. Segundo integrantes, esta decisão que a Tamisa tenta suspender é atualmente a única que impede a mineradora de continuar trabalhando. A permissão havia sido concedida à empresa em abril do ano passado pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), órgão colegiado subordinado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Desde então, foi alvo de processos e de críticas de ambientalistas. 

A decisão do desembargador federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz obrigava a suspensão imediata de quaisquer atividades realizadas pela mineradora no local. O parecer atendeu a uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), em junho, por entender que o empreendimento afetava a comunidade quilombola Manzo Ngunzo Kaiango, que deveria ter sido ouvida para a concessão da licença ambiental.

No agravo de 26 páginas, os advogados da mineradora alegam que a afirmação do MPF não seria baseada em documentos, que, segundo a mineradora, comprovariam que o empreendimento "não causará impacto na bacia hidrográfica em que está inserido o Parque Florestal Estadual da Baleia".

Ouvido por O TEMPO, o engenheiro ambiental, Felipe Gomes, que integra o movimento em defesa da serra, destaca que, em momento algum, os estudos ambientais elaborados pela mineradora citavam a existência do quilombo. "Na defesa, falam que ficou comprovado nos estudos ambientais que eles realizaram que não haveria nenhum impacto ao quilombo, o que é uma mentira, pois eles omitiram totalmente a existência do quilombo nos estudos", argumentou.

Ele afirma ainda que, diferentemente do argumentado pelos advogados da Tamisa, a área do quilombo Manzo está, sim, em região que será afetada pelo empreendimento. "Um dos estudos apresentados mostra a área que terá qualidade do ar afetada, e o quilombo está lá. Ou seja, argumentam que não haverá impacto direto no quilombo, mas o próprio estudo elaborado pelo empreendedor desmente isso", completou o ambientalista.

Em 2018, o dossiê de registro da comunidade quilombola, elaborado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) apontava que a Mata da Baleia "é localidade importante desde os anos 1970, quando Preto Velho Pai Benedito vai até a mata coletar materiais para a construção do terreiro". 

No documento, o Iepha ainda destaca que a região como um todo é de suma importância para as práticas existenciais do povo Manzo. “Tendo em vista que o Candomblé é uma religião que está intrinsecamente relacionada à natureza (às águas, às plantas, às pedras), a interdição à Mata da Baleia, significa perdas importantes para a comunidade”, conclui o documento. 

Em fevereiro deste ano, O TEMPO divulgou que, a pedido das federações que representam as indústrias e o setor imobiliário, o Copam, que aprovou a mineração na serra, analisaria a redução de 80% na zona de amortecimento do Parque Estadual da Baleia. Na prática, a medida retiraria a proteção de uma grande área que inclui, também, o empreendimento da Tamisa. A reunião foi adiada duas vezes, após o alerta feito pela reportagem, e ainda não foi realizada.

A reportagem de O TEMPO procurou o Governo de Minas e a Tamisa, mas, até a publicação desta matéria, eles não haviam se manifestado sobre o agravo que poderá autorizar a mineração no local e nem sobre os outdoors espalhados pelo movimento.

Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango

Manzo Ngunzo Kaiango, localizado em Belo Horizonte, é uma comunidade reconhecida pela Fundação Cultural Palmares desde 2007. Atualmente é integrada por 37 famílias, compostas por 182 pessoas. Em 2017, ela foi registrada como Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte, após aprovação unânime do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município.

 Em 2018, recebeu o mesmo reconhecimento no âmbito estadual [patrimônio cultural de Minas Gerais], pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA). Ambos os registros, municipal e estadual, ressaltaram a importância da atuação estatal para garantir a manutenção das práticas culturais, religiosas e sociais do quilombo.