Mudança seria consequência da transferência de 12 dos 40 escrivães para outras unidades

As Delegacias de Plantão (Deplans), antigas Centrais de Flagrantes (Ceflans), de Belo Horizonte, deverão perder um terço dos escrivães. A decisão, que teria sido anunciada em reunião pelo alto comando da Polícia Civil, pode aumentar o tempo de espera para efetuar uma prisão em flagrante. Com o atual efetivo, presos, advogados, policiais militares e denunciantes já ficam até 12 horas aguardando o atendimento nas quatro Deplans da capital.

Atualmente, 40 escrivães dividem o atendimento nas delegacias de plantão. Sempre são mantidos pelo menos dois profissionais por turno. No entanto, a ideia é transferir 12 deles para as unidades de bairro, que funcionam apenas em horário comercial. Assim, o atendimento nas Deplans será feito por apenas um profissional por plantão. “Na melhor das hipóteses, o tempo de espera vai dobrar, já que a quantidade de escrivães no plantão por turno cai pela metade”, afirma o presidente do Sindicato dos Escrivães de Polícia do Estado de Minas Gerais (Sindep-MG), Bertone Tristão.

Segundo ele, a intenção de mudança foi anunciada pela chefia em uma reunião no Primeiro Departamento de Polícia da capital, no início deste mês. Até mesmo as novas escalas dos profissionais teriam sido apresentadas. “Eles deixaram bem claro que estão dispostos a fazer a mudança o mais rapidamente possível, logo após as eleições”, conta.

Causas

O objetivo seria agilizar o envio dos inquéritos parados para a Justiça. Quando uma denúncia ou um preso em flagrante chegam aos plantões, é feito todo levantamento das informações, que são enviadas para as delegacias de área. Nelas são feitos os relatórios que servem de base para julgamento do possível crime. Em cada delegacia de bairro da capital, teriam cerca de 3.500 inquéritos aguardando envio para Justiça, segundo informações do Sindep-MG.

“A verdade é que a maior parte do trabalho já é feita nos plantões. Os escrivães dos Deplans fazem todo o procedimento da prisão em flagrante e realizam as entrevistas com presos, testemunhas, e policiais que fizeram a prisão. Então, não faz sentido tentarem agilizar o processo precarizando o atendimento da ponta”, afirma Tristão.

O advogado presidente da Comissão de Assuntos Carcerários da OAB-MG, Fábio Piló, discorda da mudança. “A quantidade de escrivães hoje já é baixa. As delegacias já não funcionam muito bem e, agora, vão parar completamente”, afirma.

Controvérsias

Procurada pela reportagem, a Polícia Civil não confirmou oficialmente a intenção de mudança. Mas a reportagem ouviu três escrivães que teriam sido informados sobre a transferência do efetivo pela chefia. Um deles, inclusive, participou da reunião feita para anunciar a medida.

“Todos nós achamos muito desrespeitosa a decisão sem que fosse perguntado o que nós pensávamos sobre isso”, disse o servidor.

Trabalho da Polícia Militar será afetado com maior espera

A possível redução de efetivo nas Delegacias de Plantão (Deplans) pode afetar também o trabalho da Polícia Militar. Com o tempo de espera para atendimento maior, mais policiais ficarão esperando para registrar boletins de ocorrência. “No tempo que as viaturas ficam paradas para aguardar o atendimento nas delegacias, o policial deixa de fazer o patrulhamento nas ruas”, explica o presidente do Sindicato dos Escrivães de Polícia do Estado de Minas Gerais (Sindep-MG), Bertone Tristão.

Policiais ouvidos pela reportagem, que pediram anonimato, confirmam a dificuldade. “No dia em que as Delegacias de Plantão estão com atendimento rápido, nós ficamos duas horas esperando com o preso para ser ouvido. Eu já cheguei a ficar um dia inteiro lá”, afirma um deles.

Um PM de Nova Lima, na região metropolitana, disse que, para quem trabalha lá, a situação é ainda mais complicada. Como não tem Deplans na cidade, eles precisam levar bandidos até a delegacia do Barreiro, na capital. “A gente tem que andar quilômetros e ainda ficar lá esperando. Casos de menor potencial ofensivo, como porte de pouca droga ou furto, a gente acaba nem levando”, afirma.

O porta-voz da PM, major Flávio Santiago, foi procurado e disse que, em questões envolvendo as duas corporações, o posicionamento é da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais (Sesp-MG). A Sesp disse que, como a Polícia Civil não confirma a mudança da escala, “não há o que responder”.

Nova escala pode ser alvo de ação civil

A mudança de escala nos Departamentos de Plantão (Deplans) não agradou aos escrivães, que já pensam em um contra-ataque. O Sindicato dos Escrivães de Polícia do Estado de Minas Gerais (Sindep-MG) já preparou o texto de uma Ação Civil Pública que será encaminhado ao Ministério Público de Minas Gerais, caso haja a alteração nas escalas.

Nas delegacias, os escrivães já começam a conversar sobre a possibilidade de entrar em “operação padrão”, ou seja, fazer o menor esforço para mostrar o quanto é uma categoria importante. “Estamos orientando que os profissionais não façam nada que não seja atribuição deles”, garante o presidente do sindicato, Bertone Tristão.

Cansaço

“Pela escala que nos passaram, tiveram que mexer até no nosso descanso. Depois de passar a noite trabalhando, vamos ter intervalo menor.”

Escrivão que não quis ser identificado

Caos

“Os advogados já viram a noite esperando atendimento nas delegacias de plantão. Não tem como ficar pior. O sistema vai entrar em colapso.”

Fábio Piló

Advogado