Levantamento mostra que de 1.789 homicídios registrados, 726 foram com uso de arma de fogo
Era um dia de sol em um domingo de setembro de 2018. A manicure Fernanda Regiane Rodrigues Costa, 35, escolheu passar o dia com os filhos de 7 e 9 anos em um clube no Barreiro. Mas o ex-marido dela, Eli Rodrigues de Souza, 46, não conseguia lidar com o fim do casamento e destruiu a felicidade da família. Ele usou um revólver calibre 38 para descarregar seu descontentamento em Fernanda, que foi atingida por vários tiros. Ela morreu na frente das crianças. A mãe da manicure também foi baleada.
Assim como Fernanda, outras 726 mulheres foram mortas com arma de fogo em Minas Gerais entre 2014 e novembro do ano passado. Isso representa cerca de 40% dos crimes com vítimas do sexo feminino. No período, foram 1.789 assassinatos, segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública de Minas Gerais (Sesp). Os números levam em consideração as mortes de mulheres, além de feminicídios.
O temor de especialistas e autoridades ouvidas pela reportagem é que as mortes de mulheres aumentem após a assinatura do decreto que facilita a posse de armas no Brasil. O documento foi assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PHS) no último dia 15.
Um levantamento realizado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde revelou que o índice de mulheres mortas a tiros dentro de casa é quase o triplo do registrado em relação ao sexo masculino. De acordo com a delegada Kiria Silva Orlandi, titular da Delegacia de Atendimento à Mulher de Diamantina, boa parte dos autores de violência contra a mulher é do núcleo de convivência da vítima, como marido, namorado, pais, tios e vizinhos.
“O sujeito que comete violência contra a mulher está imbuído de uma autoridade que ele acredita ter sobre ela. Será mais fácil a violência ao adquirir uma arma. Dar dois tiros, por exemplo, é muito mais simples do que dar diversas facadas ou jogar a mulher de uma janela”, alerta. Segundo a delegada, é preciso atenção com o perfil do agressor. “Está previsto que as pessoas que tentarem adquirem essas armas passem por um teste psicológico, mas o agressor de violência doméstica não é conhecido como um criminoso em potencial. Ele, na maioria das vezes, aparenta ser bom pai, bom vizinho e ótimo profissional”, avalia.
Para a família de Fernanda, o revólver facilitou a ação de Souza. “Ela já tinha conseguido uma medida protetiva contra ele, mas ele descobriu onde ela estava naquele dia. Ele chegou e atirou na minha mão e na minha barriga. Fiquei em coma. Depois de 28 dias, quando acordei, minha filha já estava morta e enterrada”, lamenta a mãe da manicure, que pediu anonimato.
Outro lado
A juíza da 6ª Vara Criminal de Belo Horizonte, Luziene Medeiros do Nascimento, pondera, no entanto, que a questão não é a posse de arma, mas sim o comportamento do agressor.
“Quando o homem quer matar, qualquer coisa vira arma. Ele arruma uma faca, ele atropela, ele dá socos. É preciso ressaltar que existem vários condições para uma pessoa adquirir uma arma. Claro que a arma de fogo é mais eficiente, mas aí teria que proibir tudo que possa vir a ser um objeto de crime”, argumenta.
“Ele esfregava a arma no meu rosto”
O medo ainda é um dos fatores que impedem mulheres como a autônoma Bruna, de 37 anos, de procurarem a polícia para denunciar seus agressores. Ela conta que preferiu fugir para outro Estado após sofrer por sete anos em BH com a violência praticada pelo ex-marido.
“Se eu denunciar e ele descobrir, estou morta”, afirma a mulher, que conta detalhes as agressões sofridas. “Tudo ia bem até a gente se casar. Ele saía para a farra, voltava bêbado, pegava o revólver, colocava na mesa e dizia que eu era ninguém. Daí, esfregava a arma no meu rosto, punha contra minha cabeça, gritava que eu iria morrer. Consegui fugir, mas tenho medo”, desabafa.
Em Belo Horizonte, nos últimos cinco anos, ao menos 87 mulheres foram assassinadas com uso de arma de fogo, segundo a Sesp
Contato
Para denunciar violência contra a mulher, ligue para o 180. O atendimento ocorre 24 horas por dia, é gratuito e confidencial. Minas tem 72 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. Nas demais cidades, o registro da ocorrência pode ser feito na unidade policial da área.