ATO NACIONAL

Dezenas de manifestantes ocuparam a Praça Raul Soares, no Centro de Belo Horizonte, na manhã deste domingo (14/12), em protesto contra o chamado PL da Dosimetria, projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados que pode beneficiar condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O ato faz parte de uma mobilização nacional convocada por movimentos sociais, centrais sindicais e partidos políticos ligados à esquerda, e extrapolou a pauta específica do projeto para se transformar em uma ampla defesa da democracia e de reivindicações sociais.

A concentração começou por volta das 9h, na Praça Raul Soares, e seguiu, por volta das 11h30 em marcha até a Praça da Estação. Ao longo do trajeto, manifestantes exibiam faixas e cartazes com frases como “Sem anistia”, “Não à impunidade” e “Defender a democracia é dever do povo”. O protesto também incorporou críticas à privatização da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), manifestações de apoio ao deputado federal Glauber Braga (PSOL), que teve o mandato suspenso por seis meses, e reivindicações trabalhistas, como o fim da escala 6x1.

Para a coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Denise Romano, o ato em Belo Horizonte reflete uma reação nacional ao que os movimentos consideram uma tentativa de esvaziar punições aplicadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) aos envolvidos na tentativa de golpe. “Estamos aqui para dizer ao Senado que o Brasil não aceita o PL da Dosimetria, não aceita a redução de penas com endereço certo para favorecer quem tentou dar um golpe de Estado no nosso país”, afirmou.

Denise destacou que a manifestação reúne diferentes frentes de luta. “O ato hoje também é contra a aprovação do marco temporal e pela aprovação da escala 6x1, que reduz a jornada de trabalho dos trabalhadores e acaba com essa escala horrorosa. As pessoas não têm vida, e existe vida além do trabalho”, disse.

Ela ressaltou ainda o caráter cultural da mobilização, com apresentações artísticas e diversidade de expressões. “É um movimento que tem ato político, mas também ato cultural. A esquerda e os progressistas fazem atos bonitos, que incluem todas as pessoas, sem patrulhamento ideológico, sem violência e com a política voltada para o bem comum”, declarou.

Entre os participantes estava o professor Fábio Barbosa Silva, de 57 anos, que vê o projeto como um retrocesso no combate a crimes contra a democracia. “A gente precisa tomar muito cuidado. Eles estão querendo abaixar a pena dessa galera que já foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal”, afirmou. Para ele, a mudança no cálculo das penas pode ter efeitos mais amplos no sistema penal. “Isso vai liberar um monte de outros bandidos, porque gera direito sem consequência. A gente precisa endurecer as penas, não afrouxar”, disse.

Fábio também fez duras críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, apontando uma série de acusações e afirmando que ainda há crimes a serem julgados. “Foram 700 mil vidas perdidas na pandemia. Ele ainda não foi julgado por todos os crimes. Houve direito à defesa, houve provas, documentos, delações. Não tem o menor cabimento aliviar penas agora”, declarou.

O médico urologista Benjamin Godinho, também de 57 anos, disse que o ato representa um despertar da sociedade. “Estou muito feliz em ver que até que enfim o povo está acordando contra essa bandidagem, contra esse pessoal que pensa que nos engana”, afirmou. Na avaliação dele, o PL da Dosimetria funciona como uma anistia disfarçada. “Nada mais é do que uma anistia camuflada para golpistas e antidemocráticos. Nós não vamos permitir isso”, disse, em tom enfático.

Benjamin associou o avanço do projeto a um período de desmobilização social e à influência de discursos antidemocráticos. “Houve uma letargia, talvez por desesperança, mas isso aqui hoje prova que a semente da democracia nunca vai acabar. A semente da liberdade continua viva”, afirmou.

Já o presidente da CUT Minas, Jairo Nogueira, destacou a insatisfação com o Congresso Nacional. “É um Congresso inimigo do povo, que não vota nenhuma pauta de interesse da população”, criticou. Segundo ele, enquanto temas como o fim da jornada 6x1 avançam lentamente, projetos como o da dosimetria são votados de madrugada. “Eles mudam o nome, mas na verdade estão tentando fazer a anistia dos golpistas e do Bolsonaro”, disse. Para Jairo, o protesto é uma resposta direta à atuação de um Congresso que ele define como dominado pela direita e pelo Centrão, em oposição às pautas da classe trabalhadora.

O que é o PL da Dosimetria?

O PL da Dosimetria altera a forma como são calculadas as penas para crimes como golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Atualmente, o STF entende que essas duas práticas podem ocorrer simultaneamente e, por isso, as penas podem ser somadas. Foi esse o entendimento aplicado nas condenações dos réus envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023 e também no julgamento da trama golpista.

O projeto aprovado pela Câmara estabelece que, quando os crimes forem cometidos no mesmo contexto, as penas não poderão ser acumuladas. Na prática, o crime considerado mais grave absorveria o outro, reduzindo significativamente o tempo de reclusão. A proposta foi relatada pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) e aprovada na madrugada da última quarta-feira (10/12), por 291 votos a favor, 148 contra e uma abstenção.

O texto agora será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na próxima quarta-feira (17/12). Caso seja aprovado, seguirá para o plenário da Casa, com expectativa de votação ainda neste ano. Segundo cálculos apresentados pela equipe do relator, se a proposta for sancionada, o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e três meses de prisão por cinco crimes, teria sua permanência em regime fechado reduzida para pouco mais de dois anos, em função da não soma das penas por golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.