ENTREVISTA
Para o promotor, afastado da função após decisão do ministro Dias Toffoli, Lava Jato é exceção no País
O promotor Eduardo Nepomuceno de Sousa, que na semana passada foi impedido de retornar à 17.ª Promotoria de Justiça de Belo Horizonte (Promotoria do Patrimônio Público), por decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, diz que juízes, promotores e policiais que desafiam interesses específicos acabam punidos e afastados de suas funções.
Em entrevista ao Estado, o promotor evita vincular seu afastamento à decisão de reabrir a investigação sobre a construção em 2010 – durante a gestão de Aécio Neves (PSDB-MG) – de um aeroporto no terreno de um parente do parlamentar em Cláudio, no interior de Minas. “Seria uma ilação.”
Para Nepomuceno, a Operação Lava Jato é uma exceção no Brasil. “Existe uma unidade de atuação da força-tarefa que envolve a Polícia Federal e o Judiciário, com o apoio total do Ministério Público e do Tribunal do Paraná. É um cenário que não se multiplicou para o resto do País.”
Acusado de paralisar e atrasar processos, de violação de sigilo judicial, de tentativa de burla a garantias de conselheiros do Tribunal de Contas de Minas Gerais e de usurpação de atribuição de outros órgãos, Nepomuceno foi punido em dezembro de 2016 pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) com a pena de remoção compulsória. Em abril deste ano, a juíza federal Vânila Cardoso determinou o retorno de Nepomuceno à Promotoria. A decisão de Toffoli, no entanto, barrou a volta do promotor.
Como o sr. avalia a decisão que suspendeu seu retorno à Promotoria?
Eu nunca considerei que o processo contra mim, desde a origem, tivesse fundamento jurídico. Havia e há, na verdade, um interesse em me tirar dessa Promotoria. É uma luta minha contra esse sistema político, esse jogo político. Esses interesses são contrariados, por conta da nossa atuação, e, infelizmente o lado fraco acabou sendo o meu. Isso não é nenhum motivo de surpresa para mim. Sempre foi assim.
O senhor acha que seu afastamento está ligado à atuação no caso do aeroporto do Cláudio?
Seria uma ilação, uma irresponsabilidade minha falar isso.
Fala-se muito em ativismo político no Judiciário. O sr. acha que pode ter sido o caso?
Não sei definir isso numa frase só. Mas é um contexto de enfrentamento do sistema e o sistema reage. Infelizmente, em nossa atuação a gente se depara toda hora com isso. Existe uma realidade no Brasil que é muito comum com policial civil, militar, delegado, servidor público, promotores e juízes do interior que sempre que eles desafiam algum interesse eles acabam punidos, afastados, escanteados.
Isso acontece em todo o País?
A realidade diferente que tem no Brasil é a da Lava Jato. Porque existe uma unidade de atuação da força tarefa que envolve a Polícia Federal e o Judiciário, com o apoio total do Ministério Público e do Tribunal do Paraná. É um cenário que não se multiplicou para o resto do País. A gente continua com ações isoladas e sofrendo retaliações. Isso não acontece comigo, não fui o primeiro e não vou ser o último, acontece toda hora com um tanto de gente.
Por exemplo.
Você vê as notícias de assédio moral no serviço público. O servidor se deparou com algum coisa errada, quis denunciar, mas não é ouvido. Na verdade, o sistema põe ele para fora. Ele é expurgado. O sistema funciona mediante corrupção o tempo inteiro. Então poderia ter ilusão de que promotor tem independência funcional, tem muitas possibilidades e garantias, mas mostrou-se que é uma mera ilusão.
Na última semana, o CNMP abriu procedimento investigatório contra promotores.
Isso aí é uma tendência de enfraquecimento da instituição. É um risco de intimidação da atuação independente dos promotores. E isso, na verdade, é um desdobramento da criação do CNMP e do CNJ. Eles vieram com esse propósito de controlar a atuação de juiz e de promotor. Lógico que houve méritos na questão da transparência, de acabar com determinados corporativismos, mas esses órgãos, com sua forma de composição e os poderes que têm, se quiserem controlar e padronizar a atuação do Ministério Público brasileiro eles vão fazer isso.
De que maneira?
Promotor atualmente é refém de relatórios para mostrar que está em dia com o serviço. Atividade-fim deixa de ser o mais importante. Na verdade, na atividade-fim você tem que prestar conta toda hora, sofre representação, sofre ações judiciais. Então isso vai minando a capacidade de atuação do promotor com o tempo.
Como foi a reação de colegas em relação à decisão?
O apoio da base da classe é maciço. Isso é o que me dá forças para continuar seguindo em frente. Se não tivesse o apoio dos amigos, aí eu ia me convencer de que o errado sou eu e de que eu teria de sair. Mas eles também enxergam que estão me tirando daqui pelos meus acertos e não pelos meu erros.
O que o sr. pretende fazer agora?
Vou tentar ver se é possível entrar com um recurso, um pedido de reconsideração. Eu sei que seria muito mais fácil ir para outra Promotoria e não me aborrecer com esse tipo de problema, mas não estou aqui defendendo interesse pessoal meu. Estou cumprindo uma missão profissional que é extremamente espinhosa e difícil, mas que faz parte dos ônus do próprio cargo de promotor de Justiça. Então seria covardia da minha parte abandonar (a Promotoria do Patrimônio Público, responsável por casos de improbidade administrativa, por exemplo) e fazer uma função, sem menosprezar os demais, em que eu virasse um burocrata.