ENSINO SUPERIOR

"A melhor maneira de envelhecer bem é ter gana, desejo, curiosidade. Isso não termina, vai até o último dia de vida." A frase é da antropóloga Mirian Goldenberg, professora da UFRJ e colunista da Folha. O pensamento vai ao encontro da realidade da chilena Hilda Angélica Iturriaga Jímenez, professora emérita na UFMG, que acaba de defender o doutorado, aos 85 anos, uma das mais longevas da instituição.


A tese aborda a fibrose cística, doença que afeta múltiplos órgãos, como pulmões, rins, pâncreas, fígado, aparelho digestivo e seios da face, e que tem em setembro seu mês de conscientização.

Ela apresentou a adaptação e avaliação de um questionário que busca respostas que não são abordadas com os pacientes com fibrose cística, como se a pessoa tem uma determinada doença, se tem vários sintomas e não sabe por que ocorrem esses sintomas, por que tem que fazer o tratamento, por que toma o medicamento, por que tem que fazer o tratamento. "Esse questionário dá todas essas respostas", diz Hilda.


A ideia da professora é que esse questionário seja difundido entre pacientes adolescentes com fibrose cística, para ter uma amplitude maior sobre a doença. E isso faz com que ela dê novos voos além da defesa da tese.

"Temos a ferramenta traduzida, agora necessitamos usá-la. Esse é meu segundo passo. Fazer com que isso seja difundido no Brasil para melhorar a abordagem do tratamento no paciente, que seja mais eficiente", diz a professora emérita da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG.


Graduada em cinesiologia — ciência que estuda os movimentos do corpo — e com especialização em fisioterapia respiratória, ambas em universidades do Chile, Hilda iniciou a carreira na UFMG em 1982, quando passou a ser professora do recém-criado curso de fisioterapia.

Marcelo Velloso, titular do Departamento de Fisioterapia da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, foi o coordenador na tese de Hilda. "Ela se inscreveu em várias disciplinas, nunca teve medo de demonstrar que não sabia ou que não entendia determinado assunto ou disciplina e com isso se aliou aos estudantes mais jovens que a ajudaram, fazendo grupo de estudo. Acho que a presença dela na sala de aula motivou muito os alunos mais jovens do programa, pois ela é muito positiva e motivadora", diz Velloso.

A professora teve de trabalhar novas tecnologias, pacotes de softwares de estatísticas e toda a demanda de coleta de dados, tabulação e montagem de banco de dados.


Mesmo antes de mergulhar na tese de doutorado, Hilda continuava na ativa após a aposentadoria. Morando sozinha com seus dois cachorros em um sítio, onde diz estar rodeada de plantas, longe da movimentação, a professora continuou fazendo o que mais gosta.


"Depois que me aposentei, segui trabalhando de forma voluntária para a associação de fibrose cística e para um grupo de pacientes com câncer de mama. Isso dá mais vida", diz a professora, que tem a companhia de uma funcionária durante o dia.
Hilda atende pacientes de todas as faixas etárias e diz não encontrar resistência por causa da sua idade. Só quando atende crianças que os 85 anos chamam a atenção.


"É uma coisa divertida. Quando chega criança, ela fala 'olha a vovó'", diz a professora, mãe de três filhos e avó de oito netos.

Hoje, para a professora, o que incomoda é o afastamento entre paciente e médico por causa da tecnologia, que, segundo ela, ignora o lado humano. "Estão preocupados com todas as medidas que tem que ser tomadas, mas se esquecem de mobilizar um paciente, de estimular, de falar como esse paciente deve aceitar a doença, quais são os problemas que vão ocorrer", diz.

Só 0,5% do ensino superior tem mais de 60 anos no Brasil


A professora é um caso pouco comum na educação do Brasil. Segundo os dados do Censo da Educação Superior, realizado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), de 2020, o Brasil conta com 30.143 pessoas com 60 anos ou mais no ensino superior, o que não chega a 0,5% dos estudantes no país. E apenas 179 deles têm 80 anos ou mais.


"É muito pouco. Uma das grandes necessidades que os homens e as mulheres têm é de continuar, mesmo depois da aposentadoria, se sentindo úteis, ativos. Mesmo quem tem aposentadoria que dê para viver, tem que querer continuar, ter um propósito", diz Mirian Goldenberg.

Para a antropóloga, são praticamente nulas as preocupações das autoridades com as políticas públicas para os idosos. Ele cita a campanha presidencial como exemplo. "No primeiro debate e nas sabatinas com os candidatos, nenhuma palavra foi dita sobre os mais velhos", diz Mirian, que ainda aponta uma "velhofobia" por parte das autoridades. "Teve um ministro que falou que o grande problema do Brasil é que as pessoas querem viver até os cem anos. A maior conquista é que podemos viver até os cem anos."

A professora Hilda ainda não pensa em parar. Diz que sempre estará em busca do melhor aos seus pacientes. "As coisas vão evoluindo com o tempo e você tem que seguir essa evolução para dar o melhor possível do que está sendo dado pela ciência."

 

(Folhapress)