Cargas de risco

Brumadinho, Caeté, Florestal, Itatiaiuçu, Sabará, Montes Claros, Grão Mogol e Francisco Sá – Em uma liderança recorrente em termos de violência nas estradas envolvendo veículos de carga, o estado de Minas Gerais aparece como aquele em que ocorreram mais desastres (3.580) e mortes (153) no país devido a posturas imprudentes de caminhoneiros, em comportamentos que configuram infrações e podem resultar em multas. Na sequência, de acordo com registros da Polícia Rodoviária Federal (PRF) entre 2002 e julho deste ano, vêm o Paraná (2.929/93) e Santa Catarina (2.764/42).

 

Contudo, os estados com mais infrações que podem desencadear esses tipos de acidentes verificados pela PRF foram São Paulo, com 8.484 multas, Bahia (7.977) e Mato Grosso do Sul (6.734). Nesse aspecto, Minas Gerais aparece em quarto lugar, com 5.960 infrações registradas, seguida de Mato Grosso (5.222). O que pode representar um descompasso, uma vez que o primeiro lugar em total de acidentes associados a infrações poderia indicar mais multas em território mineiro.

Rodovias mais violentas

Minas Gerais aparece novamente na primeira colocação quando o critério são as rodovias mais violentas para os ocupantes dos veículos de carga, com a liderança da BR-381, onde houve registro de 1.064 sinistros e 42 óbitos, seguida da BR-116, também em Minas (569/ 27) da BR-101, na Bahia (540/27) e da BR-277, no Paraná (765/25).

Os índices da BR-381 em Minas Gerais estão intimamente ligados ao comportamento dos motoristas. O município de Brumadinho foi o que registrou mais mortes na Rodovia Fernão Dias, trecho de ligação de BH com São Paulo, na descida da Serra de Igarapé em direção ao estado vizinho. No período, foram 38 acidentes com cinco óbitos e 33 feridos, com a totalidade das mortes associadas a velocidade incompatível com o trecho. Todos os acidentes, à exceção de um que resultou em saída de pista, geraram capotamentos.

“A rodovia é perigosa. Duplicada, mas cheia de curvas e carregada de carretas e caminhões noite e dia. Então, o certo seria os motoristas terem cautela, sendo cuidadosos. Mas a maior parte dos desastres que vemos ali são por abuso e alta velocidade”, afirma o frentista Renato de Souza, de 43 anos, há nove atendendo próximo à Serra de Igarapé, um dos pontos críticos da via.

Roteiros do perigo

O caminhoneiro cearense Kergivan Lemos de Lima, natural de Russas, transporta mercadorias do seu estado para São Paulo e pelo menos duas vezes por mês passa por Minas Gerais, percorrendo a BR-381 e também a BR-251, a quinta mais mortal do Brasil em termos de imprudência. “O trecho de Igarapé (BR-381) tem uma grande sequência de curvas e tem muita caçamba (carretas carregadas) de minério. Isso desperta uma preocupação a mais”, testemunha.

Na BR-251, o município de Francisco Sá, no Norte de Minas, foi o que apresentou mais acidentes, somando 66 registros, cinco mortes e 40 feridos. Desses, 22 desastres ocorreram por velocidade incompatível, motivo que levou a todas as mortes. O município de Grão Mogol registrou mais mortes ao todo: em 39 acidentes, foram sete óbitos e 34 feridos, sendo 27 sinistros por velocidade incompatível e seis óbitos associados a esse motivo.

“Os caminhoneiros abusam, ultrapassam em curvas. A gente tem que ter atenção redobrada tanto com a gente quanto com o condutor que vem no sentido contrário. Descer na velocidade permitida para não perder o freio. Já cheguei a ficar parado 12 horas por causa de acidente na BR-251. Uma vez, um caminhão capotou numa curva. A gente ficou tentando socorrer enquanto o pessoal saqueava a carga”, lembra-se Kergivan, parado, como se tudo passasse novamente na sua mente.

“As pessoas precisam ter responsabilidade, cumprir o dever profissional, sem fazer coisas erradas”, afirma o caminhoneiro pernambucano Mario César da Silva, de 45 anos. Entre as atitudes incorretas praticadas por seus colegas na BR-251, ele cita como as mais frequentes ultrapassagens em locais proibidos. Segundo o caminhoneiro, os riscos na rodovia são tantos que o medo sempre o acompanha ao cruzar a estrada, o que faz “frequentemente”, “carregando de tudo” no trajeto entre Pernambuco e São Paulo. “Aqui é outra 'rodovia da morte'. Se a gente não tomar cuidado, não chega em casa para ver a família”, disse.

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Bombeiros atuam em desastre na BR-251: no trecho, um terço das ocorrências e todas as mortes ocorrem por velocidade excessiva /Corpo de Bombeiros de Minas Gerais/Divulgação

Cuidados decisivos entre a vida e a morte

“Em curvas fechadas, como as da BR-251 em Grão Mogol, a postura do condutor é o fator decisivo entre a segurança e a tragédia. As condutas mais perigosas são a entrada na curva em velocidade incompatível e a frenagem dentro da curva, que desestabiliza o veículo. A técnica segura exige a redução prévia da velocidade, utilizando o freio motor para controlar o veículo. Esse procedimento é vital em locais como o Km 525 da BR-381, onde a combinação de curva e declive leva a falhas nos freios”, afirma o professor Raphael Lúcio Reis dos Santos, do Departamento de Engenharia de Transportes do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG).

Na Bahia, a via mais violenta e terceira pior do país é a BR-101, com 27 pessoas tendo perdido a vida dentro de cabines de caminhões de 2022 a julho deste ano. O município de Eunápolis foi o que registrou mais mortes no estado. Em 32 sinistros foram seis óbitos e 12 feridos. Só o Km 690 teve quatro mortes em oito acidentes e quatro feridos, sendo a velocidade incompatível identificada em sete desses desastres.

Com o quarto índice de mortes e acidentes por imprudências afetando ocupantes de caminhões e carretas, a BR-277, no Paraná, tem o município de Cantagalo como o segmento com mais óbitos, com 17 acidentes, registrando quatro mortes e oito feridos. As vítimas perderam a vida nos sete mil metros entre o Km 419 e o Km 426, todas por excesso de velocidade.

Fiscalização direcionada

O diretor de Operações da PRF, Marcus Vinícius de Almeida, afirma que todas as características que envolvem sinistros ajudam a compor a fiscalização prioritária da corporação. “Nosso trabalho de estatística aponta para os locais onde há mais sinistralidades por tipo, por ocorrência. Então, voltamos o nosso efetivo para esses locais. Posicionamos equipes nos trechos mais críticos do país. Por isso a importância dos dados sobre situações em que há mais atropelamentos ou excesso de velocidade ou ultrapassagens indevidas. Depende também do local, dos horários em que acontecem mais acidentes. Todo o planejamento operacional é em cima dos dados da sinistralidade”, afirma.

Enquanto a repressão ocorre, a psicóloga especialista em trânsito Adalgisa Lopes, presidente da Associação de Clínicas de Trânsito de Minas Gerais (Actrans-MG), destaca ser fundamental que a educação para o trânsito traga consciência para motoristas e forme crianças e jovens com hábitos mais responsáveis ao volante.

“Para esse tanto de infrações, nós precisaríamos de ter agentes de trânsito o tempo inteiro, quase que dentro da cabine de caminhão. Como é que se controla o uso do celular, excesso de velocidade? Por meio do comportamento humano no trânsito. Precisamos de educação para o trânsito. Basta ver que boa parte dos sinistros com mortes ocorre devido ao comportamento inadequado do motorista”, destaca.

“Tudo o que os condutores fazem e que leva aos sinistros está previsto em lei e não poderia ser feito. E eles descumprem. E por que nós descumprimos tanto as leis no Brasil? É a educação que precisa formar as pessoas desde a casa, desde as escolas, com campanhas. Antigamente, era normal jogar lixo pela janela do carro. Hoje muita gente aprendeu e fica indignada ao ver isso. Precisamos que isso ocorra também com os comportamentos de excesso de velocidade, ultrapassagens proibidas. Não pode parecer que seja algo de uma pessoa que é muito perita ao volante, mas um ato de irresponsabilidade”, destaca a psicóloga.

O que dizem as concessionárias
 
A Arteris Fernão Dias, responsável pela BR-381 entre Contagem, na Grande BH, e São Paulo, informa ter investimentos para a conscientização dos usuários, como o “Programa Viva”, representando o seu compromisso com a valorização da vida e a segurança viária. A ideia é levar conscientização e cuidado a todos que circulam pelas rodovias – motociclistas, motoristas, caminhoneiros, ciclistas, pedestres, comunidades e colaboradores.

“Por meio de campanhas educativas e ações de saúde, cidadania e prevenção, os programas promovem atitudes responsáveis, reduzem sinistros e fortalecem o vínculo entre a concessionária e as comunidades lindeiras. Só em 2025, já realizamos mais de 180 ações voltadas à prevenção de acidentes espalhadas pelos municípios”, informa a Arteris.

As autopistas Régis Bittencourt (BR-116 de SP a Curitiba) e Litoral (BR-101/SC, BR-116/PR e BR-376/PR) informam que suas ações são voltadas para a redução do número e gravidade de acidentes, por meio da identificação dos pontos críticos do trecho sob concessão. “A partir disso, são realizadas atividades como implantação de barreiras e defensas, sistemas de iluminação, equipamentos de controle de velocidade, além de ações educativas de conscientização dos motoristas e ações conjuntas da PRF, como a fiscalização de veículos pesados nos trechos de serra.”

Neste ano, até o mês de setembro, as concessionárias informaram ter realizado 104 ações educativas pela Autopista Régis Bittencourt, em 11 municípios, abordando 9.407 pessoas, e 176 ações educativas, em 15 municípios, abrangendo 11.655 pessoas pela Autopista Litoral Sul.

“No trecho citado da Rodovia BR-116/SP, procedemos, recentemente, a implantação de radares entre os Kms 488,5 e 513,8, revitalização dos equipamentos existentes nos Kms 509 e 512, bem como a intervenção no pavimento nos Kms 511 e 512. Ainda estamos presentes na Base de Serviços Operacionais do Km 486 e na Unidade de Atendimento do Km 498, possibilitando a rápida chegada das equipes de atendimento”, informou a Régis Bittencourt.

“Já no trecho citado da BR-101/SC, como destaque, ocorreu a inauguração do Contorno Viário de Florianópolis, em agosto de 2024, rodovia que contorna a região da Grande Florianópolis passando pelos municípios de Biguaçu e São José e Palhoça, e possui 50 quilômetros de extensão”, conclui a Autopista Litoral.