Concurso estimula pesquisas femininas. Os trabalhos são no combate às superbactérias e no aperfeiçoamento de próteses




A valorização da pedra-sabão para aperfeiçoar próteses ortopédicas e dentárias e a adoção de uma dieta balanceada para vencer as superbactérias causadoras de doenças como gota e gonorreia. Por meio de pesquisas desafiadoras sobre esses temas, as cientistas mineiras Angélica Vieira e Jaqueline Soares venceram categorias da 13ª edição do “Para Mulheres na Ciência”, premiação concedida pela L’Oréal Brasil em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e com a Academia Brasileira de Ciências (ABC). A programação tem como principal objetivo estimular a participação da mulher no campo científico, fator visto pelas vencedoras como fundamental.
Para garantir o sucesso, elas concorreram com mais de 400 pesquisadoras inscritas e vão ganhar uma bolsa-auxílio de R$ 50 mil para investir em seus trabalhos.
Professora do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e vencedora da categoria “Ciências da Vida” na premiação, Angélica Vieira propõe uma mudança na alimentação para vencer bactérias resistentes aos antibióticos. Para isso, ela estuda como alimentos ricos em fibra podem fortalecer a microbiota intestinal, popularmente conhecida como flora intestinal. “Quando você dá fibra, as bactérias benéficas são capazes de produzir metabólitos, que fortalecem o sistema imunológico do indivíduo.
A partir disso, a pessoa consegue combater as superbactérias por meio natural”, explica. Atualmente, doenças causadas por esses micro-organismos são tratadas com um coquetel formado por um grande número de remédios.


Mais do que achar um meio de combater as enfermidades, a pesquisadora ressalta que é possível manter uma dieta balanceada sem gastar muito dinheiro. “O problema é mais cultural que financeiro. As pessoas preferem gastar mais com comida processada, como fast-food, do que com a alimentação rica em fibras”, acredita. Além do L’Oréal, o trabalho da cientista já conquistou outros dois prêmio: o Thereza Kipnis, da Sociedade Brasileira Imunologia (SBI), e Pemberton, promovido pela Coca-Cola.


Quem também almeja uma solução barata para um problema recorrente é a professora do Departamento de Física da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Jaqueline Soares. Ela conquistou o título na categoria “Física” e usou nanoestruturas da pedra-sabão, como o grafeno e o talco, para dar mais firmeza à hidroxiapatita, material usado para simular o tecido ósseo. Dessa maneira, a pesquisadora quer melhorar a vida útil das próteses dentárias e ortopédicas. “O desafio é aumentar a durabilidade dos implantes sem causar rejeição do organismo”, conta a mineira.




DIFICULDADES Para alcançar os reconhecimentos, as duas pesquisadoras mineiras passaram por obstáculos semelhantes: o machismo e a falta de recurso financeiro, justamente os alvos mirados pelos organizadores do evento. De acordo com a professora Jaqueline Soares, a premiação vem em boa hora para dar mais espaço à mulher no desenvolvimento de pesquisas. “O evento contribui dando mais visibilidade e mostrando que temos trabalhos tão bons quanto os dos homens, principalmente na física, onde há mais homens trabalhando. Meu projeto, ao lado da professora Taíse Manhabosco, está sendo conduzido por duas mulheres, o que ressalta ainda mais nossa pesquisa”, ressalta.


O obstáculo se amplia para quem está de licença maternidade, caso da bióloga Angélica Vieira. Há mais de 10 anos no ramo, ela pontua as dificuldades e preconceitos que enfrentou quando optou por engravidar. “No intervalo em que fiquei fora fui esquecida. As agências de financiamento se esqueceram do meu projeto e fui vista de maneira ruim pelos outros pesquisadores por não estar me atualizando. Mas se vou ao meu laboratório não tenho nem espaço para amamentar minha filha”, conta.


Do ponto de vista financeiro, o “Para Mulheres na Ciência” minimiza os danos causados pela falta de investimento no setor, segundo as duas pesquisadoras. Para Jaqueline, o problema não é somente das agências e das universidades, devido à crise financeira, mas o deslocamento de recursos para as áreas de saúde e educação deveria ser prioridade do poder público, conforme a professora da Ufop. Angélica Vieira concorda. Contudo, segundo ela, a sociedade também não tem cumprido seu papel.

“A população e o governo deveriam dar mais atenção para os pesquisadores, porque conseguimos fazer boas pesquisas aqui, mas falta incentivo. Vimos cortes enormes no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e na área da educação”. De acordo com ela, o problema reflete no cotidiano da universidade. “Recentemente, vários alunos me procuraram querendo desistir da carreira, porque, a curto prazo, os pagamentos têm atrasado. A gente vai ter uma evasão muito grande de pessoas muito boas num curto espaço de tempo, porque estão todos desestimulados”, salienta.