Comissão de Meio Ambiente ouve órgãos ambientais, sociedade civil e representantes da Vale sobre crime em Brumadinho.

A deposição de rejeitos em barragens é uma atividade de risco, que deve sofrer uma melhor regulação do Estado, além da simples autorregulação, realizada pela própria mineradora. A conclusão é da promotora de Justiça Andressa de Oliveira Lanchotti, coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Habitação e Urbanismo.

Ela participou de audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quinta-feira (14/3/19). A reunião, que lotou as dependências do Auditório José Alencar, debateu o rompimento da Barragem I da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), em janeiro último, além de suas causas e consequências, entre outros aspectos.

Além da promotora do Ministério Público, participaram do evento, solicitado pelos deputados Noraldino Júnior (PSC), presidente da comissão, e Osvaldo Lopes (PSD), outros parlamentares, dirigentes de órgãos do Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema) e representantes da Vale e dos atingidos pelas barragens, entre outros.

Para a promotora Andressa, fiscalização e monitoramento do Estado não estão funcionando
Para a promotora Andressa, fiscalização e monitoramento do Estado não estão funcionando - Foto: Guilherme Dardanhan

“Pelo que vimos em Mariana (Região Central) e agora em Brumadinho, o sistema de fiscalização e monitoramento não está funcionando”, afirmou a promotora, em alusão também ao rompimento da Barragem de Fundão, gerenciada pela Samarco, empresa subsidiária da Vale, em novembro de 2015.

Segundo ela, a legislação que antecedeu a aprovação da Lei 23.291, de 2019 abrigava o conflito de interesses, permitindo que as mineradoras contratassem empresas para emitir laudos favoráveis aos empreendimentos. “O Estado tem que assumir o seu papel”, defendeu Andressa.

No entanto, avalia a promotora, mesmo com a nova norma, o atual sistema de fiscalização ainda está "doente" e precisa ser “curado”, com mais fiscais e melhor infraestrutura. “A recém-criada Agência Nacional de Mineração (ANM) tem apenas três fiscais em Minas, para atuar em mais de 200 barragens”, criticou. Por fim, Andressa concluiu que, se o interesse econômico continuar se sobrepondo ao social e ao ambiental, nunca vai haver sustentabilidade no setor.

MAB - O dirigente nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli José Andrioli, lembrou que 14 de março é o Dia Internacional de Luta contra as Barragens. “Lutamos para tentar impedir as bombas-relógio que estão aí hoje. Mas a Vale, depois de privatizada, colocou o lucro acima de tudo, abandonando os investimentos em manutenção de barragens”, denunciou.

Em outra ponta, ele criticou o desmonte do sistema de fiscalização e monitoramento do governo. “Os sistemas de proteção da população estão sendo sucateados e os crimes continuam acontecendo. Em Mariana, estão prevendo o assentamento dos atingidos só para 2020”, lamentou.

Bombeiros não têm data para encerrar buscas

Diretora-geral do Igam disse que foram encontrados metais não característicos nas águas do Paraopeba
Diretora-geral do Igam disse que foram encontrados metais não característicos nas águas do Paraopeba - Foto: Guilherme Dardanhan

O coronel Willian da Silva Rosa, comandante da Academia de Bombeiros Militar, reforçou na audiência pública que a corporação não tem data para encerrar as buscas em Brumadinho. “Vamos continuar procurando; não houve um dia em que não tenhamos encontrado um corpo ou segmento humano”, disse. Ele informou que 127 bombeiros estão atuando em Brumadinho, com três cães e 25 máquinas.

O coronel Flávio Godinho Pereira, chefe-adjunto da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec), alertou que existem ainda 41 barragens a montante que necessitam de atenção.

Com relação à qualidade da água do Rio Paraopeba, contaminado pelo rompimento em Brumadinho, Marília Carvalho de Melo, diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), afirmou que a visão do órgão sobre o assunto é, de fato, o de um grande desastre. “Identificamos metais não característicos dessas águas, como mercúrio, chumbo e cromo”, exemplificou.

“Com a tragédia, 11 milhões de metros cúbicos de água foram contaminados – 3 milhões permanecem na barragem, 4 milhões estão retidos ao longo do rio e outros 4 milhões se deslocam no Paraopeba”, registrou. Ela destacou que, por esse motivo, foi suspenso todo o uso da água até o município de Pompéu (Região Central).

Vale garante que barragens a montante estão paralisadas

Segundo Diogo Monteiro, os laudos apontavam para a segurança do refeitório em Brumadinho
Segundo Diogo Monteiro, os laudos apontavam para a segurança do refeitório em Brumadinho - Foto: Guilherme Dardanhan

O gerente executivo de planejamento da Vale, Diogo Monteiro, afirmou que todas asbarragens a montante da empresa tiveram suas atividades paralisadas. “Estamos descomissionando (desativando) todas elas e colocando mais equipamentos para monitorar as estruturas”, frisou ele, em resposta a questionamento do deputado Noraldino Júnior.

Segundo ele, o processo de desmontagem das estruturas já estava em curso na barragem do Córrego do Feijão antes do rompimento. Diogo Monteiro informou que a empresa está desenvolvendo em Minas Gerais projetos de separação e secagem dos rejeitos para empilhamento. Na própria barragem de Córrego do Feijão, ainda de acordo com ele, ainda é possível fazer o beneficiamento a seco dos rejeitos, transformando-os em minérios.

“Em Minas, saímos de um beneficiamento a seco de 25% e passamos para 33%; a meta é atingir 70% em 2023”, destacou o executivo.

Questionado sobre o porquê de não terem mudado o refeitório da empresa da rota dos rejeitos antes da tragédia, Diogo respondeu que todos os laudos apontavam para a segurança naquele local. “Nós acreditamos nas empresas certificadoras e, por isso, decidimos não retirar as estruturas a jusante”, disse.

Deputado diz que rompimento não foi acidente, mas crime

Em tom de indignação, o deputado João Vítor Xavier (PSDB) criticou membros da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável que, segundo ele, ainda classificam como acidente o rompimento da barragem em Brumadinho e também o de Mariana.

“Não chamem isso de acidente; é uma maldade. Enquanto o governador continuar agindo como advogado de defesa da Vale nossa população vai continuar sofrendo”, disse. Ele adiantou que na CPI da Barragem de Brumadinho, instaurada na Assembleia,os dirigentes da Vale serão tratados por ele como criminosos.

O presidente da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), Renato Brandão, foi cobrado por Noraldino Júnior a garantir que acidentes como o de Brumadinho não vão se repetir ou, na iminência de acontecerem, que será feita a retirada prévia da população. Neste sentido, o dirigente afirmou que o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) vai discutir a nova lei aprovada na ALMG e regulamentá-la. Porém, alertou que se o empreendedor burlar as normas, o risco de tragédias continua.

Resposta - O deputado Osvaldo Lopes considerou muito grave o crime cometido pela Vale em Brumadinho. “Este tema está se tornando uma novela e já passa da hora de darmos uma resposta à sociedade”, insistiu. Já Gustavo Santana (PR) criticou o projeto de reforma administrativa do Executivo por enxugar cargos no Sisema, num momento em que era preciso fortalecê-lo.

Ex-secretário de Meio Ambiente, o deputado Sávio Souza Cruz (MDB) defendeu a lógica do licenciamento ambiental em Minas, feito, segundo ele, de forma democrática e com possibilidade de recursos ao Plenário do Copam.

Para o deputado Bruno Engler (PSL), a mãe de todos esses crimes ambientais é a impunidade. “Os dirigentes das mineradoras vão sempre se esconder atrás da empresa. No caso de Mariana, não tem ninguém na cadeia”, lamentou.